Pode ser que o Paquistão continue aliado dos EUA, mas nunca mais será a mesma coisa. Até há uns 10 dias, o país estava às ordens dos americanos, para o que desse e viesse na luta contra o terrorismo e os talibãs.
Os EUA usavam bases locais para o lançamento de aviões sem piloto – os implacáveis drones – com licença para matar talibãs… e camponeses paquistaneses, estes não intencionalmente, é claro.
Agentes da CIA pululavam no país, rastreando talibãs, jihadistas e similares.
O exército paquistanês colaborava, atacando talibãs nas regiões por eles dominadas.
E a estrada que ligava o país ao Afeganistão era cruzada livremente por frotas de caminhões levando suprimentos necessários para as forças da
NATO.
Essa amizade do Paquistão com os EUA não era de graça. Contando
com a assessoria de Zalmay Khalizad, então embaixador dos EUA
na ONU, Azif Zardari fora eleito presidente pelo Congresso
paquistanês, após o impeachment do ditador Musharraf e a morte da
sua sucessora, Benazir Bhuto.
Estranha escolha pois Zardari tem um passado extremamente
nebuloso.
Pesavam contra ele acusações num relatório do Senado americano e
processos de corrupção e lavagem de dinheiro, instaurados no
Paquistão, Suíça e Inglaterra. Era chamado de “senhor 10 por cento”,
taxa que receberia em contratos governamentais. É sintomático o fato
de Zardari ter se tornado, inexplicavelmente, o segundo homem mais
rico do país.
Todos os processos foram retirados pelo governo Musharraf quando
anistiou políticos da oposição nos termos do acordo patrocinado pela
Casa Branca.
Para manter a fidelidade de Zardari, os EUA contribuíam com mais de
1 bilhão anuais, em ajuda militar, e outro tanto, em ajuda
econômica. Mais precisamente, foram 1.685 bi para as forças armadas,
em 2011, e 1.409, para ajuda econômica, em 2.010.
Com base nesses fortes argumentos, Zardari exigiu bom
comportamento dos seus militares. Segundo fontes americanas, nem
sempre isso foi cumprido devido às boas relações de longa data entre
a ISI (policia Secreta) e os talibãs, companheiros da luta contra os
comunistas, quando governavam o Afeganistão.
A relação entre os militares e os EUA sempre foram conturbadas.
Os americanos por que não confiavam nas forças de segurança afegãs.
Os militares porque consideravam as ações americanas violações da
soberania do Paquistão.
Os drones bombardeando as regiões de fronteira com o Afeganistão,
eram uma pedra no sapato deles. Especialmente porque,
além de talibãs, matavam também muitos camponeses incautos.
Cada vez que isso acontecia, os jornais noticiavam,
os políticos protestavam e os militares exigiam providências
dos americanos, contra um tipo de guerra repudiado por 97% da
população. A CIA prometia que estava aprimorando seus controles
para evitar erros fatais mas isso nunca acontecia. E a ira dos militares
ia crescendo.
Cresceu mais no ano passado quando um agente da CIA matou dois
paquistaneses e, depois de preso, acabou solto por pressão dos EUA e
por uma quantia em dinheiro pago às famílias dos mortos.
No assassinato de Bin Laden, o governo americano queixou-se de que
ele estaria há muito escondido a poucos metros de um quartel, sem
que os paquistaneses tomassem qualquer providência. As autoridades
paquistanesas, e os militares, em especial, reclamaram do que foi
evidentemente uma violação da soberania do país.
No mês passado, aconteceu o escândalo do chamado Memogate.
Noticiou-se que, em maio, Ilgaz, um conhecido empresário, havia
levado ao Almirante Mullen, Chefe do Estado Maior das Forças
Armadas americanas, uma carta, ditada a ele por Haqqani,
(embaixador nos EUA), por incumbência do Presidente Zardari. Nela
, Zardari denunciava um possível golpe militar e pedia o apoio
dos EUA para defendê-lo. Em troca, Zardari apresentava um plano de
6 pontos, no qual previa-se a substituição dos chefes dos
departamentos nacionais de segurança por elementos pró-EUA. Seria
eliminada a seção “S” da ISI, suspeita de ligações com o talibã, e dado
aos militares americanos luz verde para capturarem ou prenderem
suspeitos.
Ijaz confirmou a história, enquanto que Zardari e Haqqani negaram.
As autoridades americanas confirmaram o recebimento da carta,
mas disseram que a haviam deixado de lado por considerá-la falsa.
O episódio causou grande escândalo entre os militares
paquistaneses. A oposição mostrou-se indignada.
Pelo menos dúvidas subsistiram, enfraquecendo o governo Zardari.
Ele não teve tempo de tomar fôlego quando um incidente ainda
mais grave ocorreu. Helicópteros e aviões da OTAN, a maioria
americanos, atacaram um posto militar na fronteira, matando 28
soldados.
Os ressentimentos em relação aos EUA se agravaram. As explicações
iniciais de que a força da OTAN reagira a ataque pegaram muito mal.
Realizaram-se manifestações de protesto nas principais cidades do
país, multidões exigiram rompimento de relações com os americanos.
O general Athan Abbas, falando em nome do alto comando, rejeitou
a tese do “revide”, afirmando que a ação se tratou de “uma agressão
deliberada”.
Em represália, o governo de Islamabad ordenou o fechamento da
estrada para o Afeganistão, impedindo a passagem de suprimentos
essenciais para os exércitos do Ocidente. E exigiu a saída dos
americanos da base de Shamsi, de onde partiam os ataques de aviões
sem piloto.
Caso a estrada continue fechada, a OTAN terá de usar uma rota
alternativa, através da Rússia, para transportar os equipamentos
necessários às suas operações no Afeganistão. Esta solução é ruim,
não só pelos seus altos custos, como também porque os russos não
permitem a passagem de uma série de armamentos.
A perda da base de Shamsi causará alguns transtornos, mas os
aviões sem piloto poderão partir do Afeganistão.
Estes problemas não são nada diante do que há por vir.
Um enfraquecido Zardari pouco poderá fazer desta vez em beneficio
de seus amigos americanos, diante da pressão militar.
Gilani, o primeiro ministro, declarou enfaticamente que as relações
com os EUA precisam ser reavaliadas.
Sabe-se oficiosamente que será apresentada aos americanos uma série
de exigências, entre as quais o fim dos bombardeios de regiões do
Afeganistão por aviões sem piloto e severas restrições às ações da CIA
no território do país.
Não acredito que Obama irá ceder sem discussão. Ele está empolgado
com os feitos dos drones e da CIA, matando líderes talibãs e da Al
Qaeda. E tem a apoiá-lo de 2 a 3 bilhões de dólares que os EUA
fornecem ao Paquistão todo ano.
Mas, desta vez será difícil comprar a passividade dos militares
paquistaneses.
Eles parecem ter chegado ao seu limite.