Irã x EUA: as causas do ódio

Faz tempo que a grande imprensa americana vem dizendo o diabo do Irã. Mas foi sòmente com Bush que os ataques se tornaram sistemáticos.

Para Larry Clinton, do New York Times, o povo americano acabou cooptado por uma propaganda de governo “estritamente semelhante à da campanha de Hitler contra a Polônia”.
E, de acordo com as pesquisas, a esmagadora maioria (CNN, 80%) acredita piamente que o Irã, se não tem, está a ponto de ter armas atômicas e isso representa uma ameaça para os EUA (CNN, 70%).
É consolador saber que, pelo menos, a maioria ainda é contra bombardeios, preferindo a diplomacia e as sanções (CNN, 65% x16%). Aparentemente, os americanos estão cansados de guerras que, além de matar seus jovens, ainda custam caríssimo,  um gasto inaceitável dada a precária situação das finanças públicas.
Por sua vez, os iranianos estão longe de gostar dos EUA, sentimento que seus políticos e imprensa fazem o possível para alimentar.
Todo esse trabalho de governos e meios de comunicação dos dois lados, de semear ódio nos respectivos povos, deram frutos em função de fatos históricos, que jogaram EUA contra o Irã. E vice-versa.
Esses fatos aconteceram somente no Irã, já que os iranianos jamais interferiram ou tentaram realizar ou mesmo apoiar qualquer tipo de ação militar ou econômica nos Estados Unidos.
Antes , porém, é necessário fazer uma pequena introdução.
Em 1950, o Irã era governado pelo xá Reza Pahlevi, num regime de monarquia parlamentar. O petróleo do país era explorado pela Anglo Iranian Oil Company, controlada por capitais ingleses. O Irã detinha parte pequena da sociedade. Para se ter uma idéia, em 1951, a Anglo Iranian declarou lucros de 40 milhões de libras, cabendo ao governo de Teerã apenas 7 milhões.
O Irã nessa época já se situava entre os principais produtores internacionais de petróleo, sendo que a refinaria de Abadan era a maior do mundo.
Sob o governo do xá, o Irã era um país corrupto, onde  Anglo Iranian detinha imenso poder, evidenciado numa grande greve, que foi violentamente reprimida, com a morte de 6.000 trabalhadores.
Em 1951, na onda de nacionalismo que imperou no mundo islâmico, o Congresso iraniano elegeu primeiro-ministro Mohamed Mossadegh e por 79 x 12, que prontamente cancelou as concessões da Anglo-Iranian e nacionalizou a exploração do petróleo. Teve o cuidado, porém, de reservar 25% dos lucros para atender a todos os pleitos legítimos da empresa petrolífera.
No discurso em que justificou esses atos, Mossadegh declarou: ”Com os lucros do petróleo, poderemos equilibrar o orçamento e combater a pobreza, as doenças e o atraso do nosso povo. Outra importante consideração é que, eliminando o poder da companhia inglesa, estaremos eliminando a corrupção e as intrigas que tem influenciado os assuntos internos do nosso país.”
Mas o leão inglês ainda tinha dentes.
Atendendo a seus apelos, a comunidade internacional aplicou sanções econômicas contra o Irã (como se vê, é um velho hábito) consistentes no boicote mundial do petróleo iraniano, congelamento dos ativos em libras depositados no exterior e ameaças de processar quem se atrevesse a comprar petróleo da empresa nacionalizada.
Não faltou inclusive a atualmente famosa lembrança de que ‘todas as opções estão sobre a mesa”, insinuando possíveis intervenções militares.
Para agradar seus amigos do Ocidente, o xá Reza Pahlevi tentou substituir Mossadegh, mas os parlamentares o mantiveram no poder, aumentando suas atribuições.
No entanto, o bloqueio inglês deu certo. O país mergulhou numa crise.
Nessa altura, Churchil convenceu Eisenhower de que fatalmente o governo Mossadegh aproximaria o país da Rússia. Uma ação fazia-se necessária.
Os ingleses do MI-5 e a CIA associaram-se numa conspiração contra Mossadegh.
Foi desenvolvida uma grande campanha de desinformação, incluindo calúnias, que enfraqueceu a imagem do líder nacionalista, já prejudicada pelos efeitos da crise econômica.
Um golpe de estado, promovido pela CIA, a “Operação Ajax”, deu poderes ditatoriais ao xá, que imediatamente demitiu o primeiro-ministro e nomeou para o seu lugar o general Fazlollah Zahedi, escolhido pela CIA.
Mossadegh foi preso, julgado e condenado por traição à morte, por uma corte militar nomeada pelo xá. Posteriormente, essa pena foi reduzida para 3 anos de prisão em cela solitária. E por fim, para prisão domiciliar, onde morreu.
Antes de morrer, Mossadegh declarou: “Meu maior pecado foi ter nacionalizado a indústria de petróleo e descartado o sistema de exploração política e econômica do maior império do mundo. Com a benção de Alá e o desejo do povo, eu lutei contra esse selvagem e assustador sistema de espionagem e colonialismo internacional.”
Como uma das primeiras medidas, o petróleo foi entregue a um consórcio de companhias inglesas e americanas.
O governo do xá passou a receber maciço apoio econômico americano, direcionado especialmente para as forças armadas e para a SAVAK, a polícia secreta.
Os oposicionistas, reprimidos violentamente, com a SAVAK torturando e matando, só podiam reunir-se nas mesquitas, onde o regime não se atrevia a penetrar. Isso deu grande poder aos clérigos.
O xá Reza Pahlevi pretendeu modernizar o país, mas a corrupção, os gastos despropositados e a ineficiência do governo aumentaram a pobreza e a carência de alimentos.
Em 1979, o descontentamento popular provocou uma insurreição popular que levou ao poder o aiatolá Komeini e os fundamentalistas xiitas.  
Da identificação dos EUA com o governo do xá nasceu o anti-americanismo do povo iraniano.
O governo Jimmy Carter procurou mitigar esse sentimento e estabelecer “novas relações com o Irã”, mantendo a cooperação militar. Mas esse esforço deu em nada quando permitiu a entrada do xá nos EUA para tratamento de câncer na Clínica Mayo. O que indignou o governo da revolução que exigia a entrega do xá para ser julgado no Irã.
 Este fato mais boatos de que os EUA pretendiam promover um novo golpe convenceram o povo de que os americanos continuavam inimigos.
Como reação, um grupo de estudantes tomou a embaixada americana, seqüestrando 52 pessoas, entre diplomatas e funcionários.
Jimmy Carter protestou. Longe de tomar uma atitude, o governo iraniano apoiou a ação e o aiatolá Komeini declarou: “Vocês não tem o direito de reclamar, pois fizeram nosso país de refém, em 1953.”
O presidente americano evitou ataques militares, procurando resolver a crise com diplomacia.
As negociações duraram 444 dias. Finalmente, os reféns da embaixada foram libertados no chamado ‘Acordo de Argel” , no qual os EUA se comprometia a  nunca mais interferir, direta ou indiretamente, política ou militarmente, nos assuntos internos do Irã.”
Esta crise gerou o início do sentimento anti-iraniano do povo dos EUA.
Em 1980, o governo Ronald Reagan ajudou Sadam Hossein quando ele atacou o Irã, fornecendo helicópteros e informações de satélites para localizar os pontos a serem bombardeados. Alem disso, supriu o Iraque de agentes químicos e biológicos e tecnologia para armamentos químicos usados contra os iranianos. E ainda por cima, bloqueou no Conselho de Segurança da ONU a censura ao Iraque de Saddam Hussein pelo uso de armamentos químicos.
A isso somou-se a derrubada de um avião comercial iraniano no Golfo Pérsico por um vaso de guerra americano (provavelmente por engano) e o resultado foi o aprofundamento do anti-americanismo.
 Eleito em 1998, o moderado presidente Khatami defendeu a liberdade de expressão, os direitos humanos e uma política econômica que atraísse capitais estrangeiros, tendo contra si a oposição dos aiatolás radicais. Tentou melhorar as relações com os Estados Unidos, mas desistiu quando Bush colocou o Irã no “eixo do mal”.
Diante do seu fracasso nestas iniciativas, Khatami foi derrotado nas eleições seguintes por Ahmadinejad, o candidato dos aiatolás radicais.
Por esta breve análise, conclui-se facilmente que os iranianos tem muito mais motivos para serem anti-americanos do que o contrário.
Afinal, o que se poderia censurar neles foi o seqüestro da embaixada e o apoio oficial que recebeu, rejeitando a aproximação com o governo bem intencionado de Jimmy Carter. 
Justifica-se essa falta de realismo pela indignação ainda presente face às intervenções da CIA, derrubando o governo legítimo de Mossadegh.
Mas não deixou de ser um erro histórico que, para muitos analistas, causou a derrota de Jimmy Carter e a eleição de Ronald Reagan e da extrema direita, com todos os malefícios que isso trouxe ao mundo.
Os EUA, por sua vez, derrubaram Mossadegh, um governo democrático e afinado com os interesses da população, colocando no seu lugar, com poderes ditatoriais, um monarca que conhecia melhor a Côte d´Azur do que o Irã.
Ajudaram a Saddam Hussein na guerra injusta que ele moveu ao Irã e causou a morte de 100 mil habitantes do país.
Rejeitaram Khatami, que era um político reformista e moderado, abrindo caminho para a volta dos aiatolás radicais ao poder, através de Ahmadinejad.
Nos governos Bush e Obama, os EUA lideraram a campanha internacional contra o Irã, acusando-o de pretender produzir armas atômicas. Atenderam assim, basicamente, aos interesses israelenses. Grande produtora de armas nucleares, possui entre 200 e 300, Israel está convicto de que precisa manter uma grande superioridade militar sobre os países islamicos, especialmente quando forem seus inimigos.
Tenha ou não armas nucleares, o Irã preenche essas condições.
No primeiro ano do seu governo, o presidente Obama pretendeu repetir Jimmy Carter e buscar uma convivência pacífica com o Irã. Resolver através de contatos pessoais a questão nuclear iraniana. Mas, depois da repressão dos aiatolás aos manifestantes que protestavam contra fraudes nas eleições presidenciais, ele cedeu à pressão dos aliados de Israel em seu governo e mudou de comportamento.
Por iniciativa do governo americano, o Conselho de Segurança da ONU aprovou 3 rodadas de sanções contra o Irã, que lhe causaram sérios problemas econômicos.
E Obama continua exigindo mais sanções, “sem tirar da mesa outras opções.”
E, é claro, o anti-americanismo continua crescendo.
Com ele, a agressividade dos responsáveis pelo governo de Teerã.
O que acaba pesando negativamente nas pesquisas que medem os sentimentos do povo americano em relação ao Irã.                                                         

E   assim se alimenta um círculo vicioso que pode acaba mal.
Muito mal.

6 pensou em “Irã x EUA: as causas do ódio

  1. Interesting approach towards this. Wondering what you think of its implication on society as a whole though? Sometimes people get a little upset with global expansion. I will be back soon and follow up with a response.

  2. Bom saber! Os EUA sempre querem dar à todos a impressão que são os bons, que querem a paz e tal. Mas a mídia só mostra o que lhe convém. Mas a verdade é filha do tempo e uma hora a gente acaba descobrindo o que realmente acontece e vê que não é bem assim.

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