O caminho do Egito em direção à democracia parece cada vez mais complicado.
Depois de muitas manifestações, protestos e violentas repressões, a Junta de Militares que governa o país desde a queda de Mubarak parecia ter acertado o passo com os ativistas políticos.
Foi eleito o Parlamento, marcada a eleição do presidente para 23 e 24 de maio e a saída dos militares do poder para o mês de junho.
Enquanto isso, seria redigida a nova Constituição do Egito democrático, por 50 deputados e 50 personalidades eleitos pelo Parlamento.
Sendo maioria , o bloco formado pela Irmandade Muçulmana e os ultra-conservadores salafitas conseguiu colocar um número maior de constituintes do que todos os demais partidos juntos.
Demasiadamente maior, protestaram os partidos socialista e liberal, do bloco da Oposição.
Uma Constituinte assim não representaria todo o povo egípcio e acabaria forjando um estado religioso.
Como protesto, a maioria dos membros da comissão dos partidos da Oposição renunciaram.
A Junta Militar, que não perde uma chance para botar mais lenha na fogueira, aceitou esse argumento e anulou a eleição dos constituintes.
Nem bem as discussões começaram e o general Suleiman, ex vice-presidente de Mubarak, ex- chefe do serviço secreto egípcio, lançou sua candidatura a presidente.
Protestos gerais!
Tratava-se de figura exponencial do regime deposto, com um passado tenebroso. Nos seus 20 anos na direção do serviço secreto, Suleiman destacou-se pela dura repressão dos oposicionistas.
Colaborador irrepreensível das “extraordinaries renditions”, dos tempos de George Bush, nas quais a CIA raptava suspeitos no exterior e os levava para países amigos onde poderiam ser interrogados com torturas sem problemas.
O Wikki Leaks revelou um telegrama de um diplomata americano referente a essa associação: ‘”Nossa inteligente colaboração com Omar (Suleiman) é agora provavelmente o relacionamento mais bem sucedido.”
O general Suleiman é também considerado um bom amigo de Israel e mesmo do governo Obama. Tanto que, quando não dava mais para defender Mubarak, Hillary Clinton sugeriu que Suleiman assumisse em seu lugar para governar o Egito num período de transição…
Não passaram muitos dias e nova bomba explodiu.
A Comissão Eleitoral decidira vetar três importantes candidatos presidenciais: Shater, da Irmandade Muçulmana, por ter sido condenado por terrorismo e lavagem de dinheiro; Abu Ismail, dos salafitas, por ter mãe de dupla nacionalidade, o que o impediria de ser candidato pela lei eleitoral, e o general Suleiman por não ter apresentado o número de assinaturas necessárias para poder se candidatar.
Espera-se que esses vetos sejam revogados.
Shater alega que, sendo líder da Irmandade Muçulmana, foi condenado por perseguição de Mubarak. Abu Ismail nega que sua mãe tenha dupla nacionalidade. Suleiman deve apresentar o número de adesões que faltava à sua candidatura.
Somente em 26 de abril a Justiça Eleitoral publicará a lista oficial dos candidatos a presidente.
Como a eleição será em 23 e 24 de maio, haverá pouco tempo – menos de um mês – para os candidatos fazerem suas campanhas.
Os mais conhecidos que são o salafita Abu Ismail, o independente Amir Moussa e o ex membro da Irmandade Muçulmana, Abul-Futoh terão vantagem.
Mas Shater conta com a excelente rede de militantes da Irmandade Muçulmana. E Suleiman tem por si o pessoal do extinto partido de Mubarak, que continua ativo, além de dispor de grandes recursos financeiros de ricos empresários e do apoio provável da Junta Militar.
Agora, se os três (ou alguns) candidatos proibidos não conseguirem ser liberados, a situação ficará mais complicada.
Novas alianças terão de surgir, eventualmente novos candidatos serão lançados.
Mas, se há pouco tempo para se escolher o novo presidente, muito menos tempo existe para se elaborar a nova Constituição.
A Constituinte dos 100 eleitos pelo Parlamento não foi substituída.
Não se sabe se a Irmandade Muçulmana e os aliados salafitas provocarão uma crise, negando-se a aceitar o veto governamental ou se haverá nova eleição para escolha dos constituintes.
A Junta Militar já declarou que o novo Presidente só poderá assumir em junho se a Constituição tiver sido aprovada até essa data.
Portanto, temos menos de um mês e meio para decidir como será a escolha dos novos constituintes, para depois se proceder à eleição.
Só então a Constituição começará a ser elaborada. Ou seja, terá um prazo de cerca de um mês.
Será certamente o processo constitucional mais rápido da história.
É possível pensar que isso se trata de uma missão impossível.
Se em junho, o Egito tiver um presidente, mas não uma constituição, será que a Junta Militar o empossará?
Provavelmente não.
Talvez os políticos percebam o perigo que se avizinha e tomem a iniciativa de adiar tanto a eleição do presidente, quando o prazo para a Constituição ser feita.
Para seguir avançando, às vezes é preciso dar um passo para trás.