Enquanto no Egito os secularistas não se entendem com a Irmandade Muçulmana, favorecendo as pretensões dos militares ao poder, na Tunísia isso não acontece.
Depois das eleições parlamentares, vencidas pelo Ehnanda, ligado à Irmandade Muçulmana, com 40% dos votos, esboçou-se uma união desse partido com os seculares, que se colocaram em segundo e terceiro lugares.
As posições de mando foram assim divididas entre eles: o Ehnanda nomeou o Primeiro-Ministro, os centristas ficaram com a presidência do país e coube ao partido de centro-esquerda a presidência do Congresso.
O mais importante, porém, é que conseguiu-se evitar um choque entre secularistas e islâmicos.
Sobre este aspecto, as declarações de Moncef Marzouki, líder do partido de centro-esquerda, são muito interessantes: “Temia que poderíamos ter problemas com a Constituição porque a porção conservadora da sociedade queria que a sharia (leis do Alcorão) fosse a principal fonte de legislação, mas conseguimos um consenso entre os mais importantes partidos da Tunísia para que não fosse assim. Portanto, teremos uma Constituição secular…Porque todos estão interessados em ter e proteger direitos humanos, direitos das mulheres.Penso que foi uma decisão inteligente trabalhar com os islâmicos moderados para podermos ter esta transição pacífica para a democracia.”
O governo de união islâmico secularista foi testado quando uma exposição de arte provocou os maiores distúrbios populares desde a queda de Ben Ali.
A causa de tudo foi uma das obras desta exposição, que apresentava uma mulher nua, tendo atrás de si um grupo de homens barbudos. Ao fundo, estava escrito o nome “Alá”, com formigas no lugar de letras.
Claro, não deixava de ser uma provocação…
Indignados com o que qualificaram como blasfemia, milhares de fundamentalistas, liderados pelo partido dos salafitas, saíram as ruas em protesto.
Atacaram a exposição, destruindo o quadro polêmico.
Em seguida, voltaram-se contra policiais e sedes dos partidos do governo, entrando em choque com a polícia em grande parte da Tunísia.
Foram 3 dias de conflitos que causaram uma morte e 110 feridos, sendo 65 policiais. As autoridades prenderam 160 manifestantes e impuseram um toque de recolher em várias regiões, inclusive a grande Tunis.
Um dia após o fim das desordens, o movimento Ansar Al-Sharia, o mais radical dos grupos fundamentalistas tunisinos e vários movimentos salafitas, que defendem a prática do Islam como acontecia há 14 séculos atrás, convocou nova manifestação de protesto.
Seria na sexta-feira, logo após as preces religiosas que costumeiramente ocorrem nesse dia da semana em todas as mesquitas do mundo islâmico.
Mas os líderes dos 3 partidos que governam a Tunísia lançaram uma proclamação condenando “os grupos extremistas que ameaçam a liberdade” e proibindo formalmente a manifestação.
Os fundamentalistas recuaram. Publicaram proclamações dirigidas a seus adeptos, anunciando que a manifestação estava suspensa e apelando para que não provocassem novos tumultos.
E assim o incidente parece ter sido superado.
No entanto, mais problemas desse teor são esperados.
Depois da queda d Bem Ali, os salafitas e outros grupos islamitas de linha dura vem cada vez mais tentando impor suas idéias; as regras do Alcorão tal como foram apresentadas aos fiéis no século 7.
Sendo a sociedade tunisina uma das mais modernas do mundo árabe, os choques são inevitáveis.
A aliança entre islâmicos moderados e secularistas tem conseguido bloquear a ação dos salafitas e afins.
Até mesmo pelo interesse da economia nacional.
Como o turismo é uma das maiores fontes de renda do país, permitir que islamitas linha dura proíbam biquínis e bebidas alcoólicas seria desastroso.