Síria: esperanças de paz.

Nos 2 primeiros anos da guerra síria, os EUA só aceitavam negociações de paz com a prévia renúncia de Assad.

Ele perdera a legitimidade, proclamava Obama.

Por isso, todas as propostas de negociação do governo sírio foram rejeitadas sumariamente, tanto pelos EUA, quanto pelos rebeldes.

Ninguém admitia aceitar concessões que fatalmente resultariam de um acordo desse tipo.

Para que?  Afinal, Assad estava perdendo, Obama categórico garantia que ele não ia durar muito no poder.

Mas, neste ano, delineou-se uma virada.

Reforçadas pelo Hisbolá, as tropas do governo começaram a ganhar todas.

Aí, talvez por coincidência, John Kerry, o Secretário de Estado, uniu-se aos russos para trabalhar por uma reunião em Genebra, que acabasse com a guerra numa boa.

Essa dupla encontrou amplas dificuldades para convencer os rebeldes.

Eles diziam que bastava receberem armas pesadas e modernas para novamente passarem à ofensiva.

No meio das discussões sobre a questão, aconteceu o ataque químico a Ghouta.

A oposição, os EUA, o Reino Unido, a França e as monarquias do Golfo imediatamente acusaram o “maléfico” Assad.

E Washington mudou outra vez: adiou para as calendas a reunião de paz e embarcou em um novo projeto: fulminar Assad. Como ao usar armas químicas, ele passara a linha vermelha traçada por Obama, os EUA tinham de mandar bala.

Para proteger sua imagem, a Casa Branca declarou que não estaria intervindo na guerra, apenas dando um severo recado a Assad, para que jamais voltasse a jogar bombas químicas nos outros.

Não é bem assim.

É provável que a chuva de mísseis, a ser lançada sobre Damasco e regiões próximas, iria causar destruições irreparáveis, reduzir profundamente o arsenal militar e a capacidade bélica do exército legal.

E, portanto, daria aos rebeldes uma grande vantagem na guerra, criando-se novas chances de derrubada do regime.

Mas, as coisas não correram como o previsto.

Pouquíssimas nações toparam juntar-se ao ataque americano, sem aprovação da ONU.

Nem mesmo a fidelíssima Inglaterra e os bons colaboradores, França e Alemanha, embarcaram nessa.

Pior: tudo indicava que o Senado e a Casa dos Representantes também iriam roer a corda do ataque militar.

E mais: nas pesquisas, a imensa maioria do povo americano ficou contra o belicoso projeto do seu presidente.

Bem, segundo dizem nos EUA, tudo é política interna.

E Obama ficou numa saia justa.

Foi salvo pelo autoritário Putin, com sua proposta de destruição de todas as armas químicas sírias, acabando com qualquer hipótese de novo ataque químico.

Pelo menos por parte de Damasco.

Assad topou logo. E Obama, não tinha saída.

Para não ficar mal com seu povo, seus congressistas e os países aliados, concordou com a solução.

Ainda tentou impor uma cláusula que haveria represálias militares, sem precisar se ouvir a ONU, caso Assad não cumprisse o trato.

Mas a resolução final foi aprovada sem essa perigosa cláusula.

E, de repente, parece que o mundo acordou para o drama sírio. De toda parte vieram exigências de por fim à guerra sem mais guerra.

Desde o papa até chefes de Estado de países de todos os tamanhos pediram paz através da diplomacia. E a condenação do envio de armas por países estrangeiros para os exércitos dos dois lados.

Kerry e Lavrov, o Ministro do Exterior da Rússia, voltaram a pressionar os líderes das forças em luta.

Assad aceitou de cara reunir-se com seus inimigos, desde que sem pré-condições.

Inicialmente líderes dos vários movimentos rebeldes rejeitaram acordos, enquanto seu odiado inimigo não renunciasse.

Eis que parece estar surgindo uma luz no fim do túnel sírio.

Relata o conceituado jornalista Robert Fisk (The Independent, 2/10) que, com salvo-condutos do governo, dois representantes de membros do Exército de Libertação Sírio (FSA) foram a Damasco para uma reunião com um assessor de alto nível do presidente Assad.

Seu objetivo seria discutir a realização de uma conferência de paz entre as partes.

Eles apresentaram 4 propostas: teria de ser um diálogo entre sírios; as propriedades públicas e privadas seriam preservadas; precisariam ser terminados e condenados os conflitos civis, sectários e étnicos; e todos teriam de trabalhar por uma Síria democrática onde a supremacia da lei seria plenamente estabelecida.

Não houve exigências da demissão de Assad, como pré-condição.

Segundo o informante de Fisk, uma autoridade sênior, o governo concordou rapidamente.

E ainda acrescentou que daria salvo-conduto a qualquer membro do FSA (exército dos rebeldes) que viesse participar das negociações.

Por enquanto, não se pode afirmar que os dirigentes do FSA e da coalizão dos movimentos anti-Assad (CSA) concordam.

Sabe-se, porém, que um grupo de oficiais do FSA formaram a “União Nacional Para Salvar a Síria”, cuja proposta básica é reunir-se com representantes do governo para discutir a paz.

A maioria dos muitos grupos de jihadistas,  integrantes do exército rebelde, não aceitam qualquer acordo com Damasco para acabar a guerra.

Ainda que o FSA opte oficialmente pelas negociações, não poderá representar esses grupos, vários deles ligados à al-Qaeda.

Ainda vale notar que é crescente o número de soldados do FSA que estão se juntando aos jihadistas, especialmente ao famigerado Nussra, que são melhor armados, treinados, e contam com amplos recursos cedidos pela Arábia Saudita.

Este país continua agindo para sabotar a ideia das negociações.

Acredito que Israel, embora preferisse ver Assad destruído, tenha parado de pressionar os parlamentares americanos nesse sentido, para se concentrar no combate a Rouhani, que vem seduzindo o Ocidente.

Mesmo com a oposição dos milicianos radicais e da Arábia Saudita, Qatar e demais monarquias do Golfo, há chances de uma conferência para terminar a guerra da Síria.

O momento é favorável.

Além da opinião pública, Obama deve levar em conta a situação difícil das finanças do seu país, que não pode se dar ao luxo de torrar bilhões em outra aventura militar.

Se houver apoio decidido dos EUA, a paz pode chegar.

 

 

 

 

 

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