Raids noturnos: os afegãos não aguentam mais

O Presidente Karsai é um bom amigo dos EUA.

Mas seu governo é fraco. Ele sabe que, depois da retirada dos americanos, prevista para 2014, ele precisará contar com o apoio militar e econômico deles para se manter.
Apesar disso, no começo da semana, Karsai declarou que só assinará um acordo nesse sentido com Obama se os “raids” noturnos do exército americano acabarem.
Este ato inesperado de coragem foi motivado pela indignação profunda dos afegãos ante os “raids”. Karsai é político, por maior que seja sua dependência aos EUA, não pode ficar contra um sentimento que atinge com impacto cada vez maior toda a população do seu país.
Os afegãos não agüentam mais viver sob a ameaça de, no meio da noite, serem acordados por soldados americanos que os obrigam a se levantarem, revistam suas casas e podem até arrastá-los violentamente para uma prisão onde ficarão vários dias, até serem libertados, com a explicação de que foi um engano.
Isso na melhor das hipóteses.
Pode acontecer também que os soldados entrem atirando, de casa em casa, em busca de talibãs. Havendo ou não reação, civis acabam morrendo.
Os “raids” noturnos são uma estratégia central da Guerra do Afeganistão. Orientados por informantes, as tropas americanas chegam em helicóptero às casas visados e pegam seus adversários de surpresa. As baixas do lado dos EUA são irrelevantes, enquanto que, do outro lado, tem sido consideráveis: No ano de 2010, em 3 campanhas de 90 dias cada, 2.599 militantes foram mortos (entre os quais 723 líderes). Além disso, muitos foram aprisionados.
Por isso mesmo, o governo Obama mais do que triplicou o número de “raids” noturnos. Um informe da Open Society Foundation  estima que se realizam de 12 a 20 por noite.
O problema não é só o susto e as humilhações dos civis envolvidos pelos “raids”. Nada menos do que 1.588 foram assassinados nesse tipo de operações, em menos de 10 meses no ano de 2010.
Entre os milhares que já foram levados presos para triagem, boa parte eram civis. Houve muitas detenções em massa, prendendo aldeias inteiras para interrogatórios durante períodos prolongados. Comandantes do Joint Special Operations Command (Comando de Operações Especiais Conjuntas) admitem que 50% das pessoas alvo desse tipo de operações eram civis inocentes.
Os afegãos, em geral, vivem em conjuntos de casas, habitados, não só por uma família composta por casal e filhos, mas também por irmãos, primos e suas famílias.
Os alvos dos “raids” noturnos são exatamente esses conjuntos.
Ora, no Afeganistão, todo homem adulto da tribo Pashtum, que constitui a maioria da população, possui uma arma em casa. Pelo Código de Honra “Pachtumwali”, é seu dever defender seu lar e sua família (incluindo irmãos, primos, sobrinhos, etc), contra intrusos.
A maioria das vítimas civis dos “raids” noturnos são pessoas que, exatamente, vieram em defesa de seus parentes atacados pelos soldados.
Como é natural, os “raids” noturnos são temidos e odiados pelo povo. Ninguém dorme tranqüilo no Afeganistão, sabendo que, a qualquer momento pode ser despertado por um rude soldado estrangeiro ou por um tiroteio no seu complexo familiar. Possivelmente, o prolongamento dessa situação será a prisão por um ou vários dias, sob interrogatório pouco amigável. Ou pior ainda, a morte.
Assim, a revolta contra os “raids” noturnos é tão forte que chega a fazer com que um fantoche (o presidente Karsai) se volte contra seus mestres, fazendo exigências.
Que não serão atendidas.
“Francamente”, disse o Capitão John Kirby, porta-voz do Pentágono,”ninguém quer ver cidadãos feridos, mas os “raids” noturnos são eficientes e não resultam num grande número de vítimas civis”.
E, afinal, são apenas civis afegãos…
O curioso é que um ganhador do prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, multiplicou o uso de ataques com aviões sem piloto e “raids” noturnos, cujos danos colaterais representam grande número de civis mortos, feridos ou ultrajados. Civis de países amigos, por sinal.
O júri do Nobel precisa urgentemente revisar seus critérios.

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