Por que o Partido Democrata sempre apoia Israel?

É estranho que os políticos de um partido de maioria liberal e progressista costume defender incondicionalmente um país desrespeitador contumaz dos direitos humanos e de leis internacionais.

Na ONU, governos dos dois grandes partidos americanos já vetaram 43 resoluções, condenando as ilegalidades e violências israelenses.

E os senadores e deputados democratas esmeram-se em propor moções e leis favoráveis aos interesses de Telaviv – perdão, de Jerusalém.

Será para atrair votos dos judeus-americanos?

Não me parece.

Eles representam apenas 4% do eleitorado dos EUA. É verdade que em várias cidades e em estados como Nova Iorque, Florida e Ohio são mais numerosos e podem decidir pleitos locais.

Recente pesquisa demonstra que esse motivo não bate.

Na verdade, quem defende causas como os assentamentos, o massacre da fronteira de Gaza e a discriminação racial dos árabes pode até perder votos dos judeus americanos.

Pesquisa realizada em abril-maio da American Jewish Opinion apresentou resultados surpreendentes.

57% dos respondentes declararam-se contra o modo com que Trump está administrando as relações Israel-EUA, aprovando causas como Jerusalém capital de Israel, onde abriu a embaixada americana (contra decisões da ONU), e defendendo coisas como o massacre dos manifestantes pacíficos da fronteira de Gaza (contra os direitos humanos).

A solução dos “dois Estados independentes” – Israel e Palestina- rejeitada por todos os partidos do establishment israelense, é bem vista pela maioria dos judeus dos EUA, por 51% x 30%.

Eles também acham que Israel deve desmontar boa parte dos seus assentamentos, por 44% x 35%.

Esses números da pesquisa fazem supor que, em matéria de direitos humanos e respeito a decisões da ONU, os judeus americanos são críticos das posturas infringentes de Israel.

Parece que não é mesmo pelo voto judaico-americano que  políticos democratas apoiam Israel de olhos fechados.

Financiamento é uma hipótese muito mais viável.

O próprio senador Lindsey Graham (republicano), um dos líderes da bancada do Israel First, confessa: “Se eu juntar um time de financiadores que me tornarão financeiramente competitivo o suficiente para continuar nesta “coisa” (o Senado)…eu posso ter o primeiro gabinete totalmente judaico na América,  graças ao financiamento pró-Israel.”

Os milionários e bilionários judeus-americanos costumam fechar com tudo que o governo israelense faz, ao contrário da maioria dos cidadãos da mesma origem, que são seletivos, conforme as pesquisas mostram.

Em 2016, no fórum sobre as políticas de Israel, promovido pela ONG JStreet, o jornalista e escritor Jonathan Jeremy Goldberg salientou o peso dos financiadores judaico-americanos nas eleições, afirmando que eles representavam 13 entre os principais 14 doadores dos políticos democratas.

Apenas um destes grandes financiadores das campanhas dos democratas não era um gentio (não-israelita).

Grande parte desse dinheiro vem através da AIPAC.

Trata-se do maior lobby de defesa do Estado de Israel nos EUA. É  ela quem seleciona a maior parte dos políticos para quem serão direcionados os cheques.

Em 2016, ela contava com 15 mil membros (inclusive 2/3 do Senado).

Para 25 dos 30 líderes dos partidos e dos comitês, a AIPAC destinou 908 mil dólares (cerca de 3 milhões e 600 mil reais) nesse ano.

Como retribuição do afago, cada um dos nobres parlamentares ofereceu completo apoio a causas de interesse de Israel.

Ás vezes os próprios homens da AIPAC redigem abaixo-assinados, moções e projetos que são levados para seus bons amigos do Congresso firmarem seus nomes como co-auores.

Os raros candidatos que se recusam a doar seu apoio em troca do dinheiro da AIPAC, arriscam-se seriamente a não se elegerem. Como retaliação, o lobby auxilia o adversário no seu distrito com dólares e também a força de jornais e associações locais.

O ex- congressista Paul Findlay e o ex-senador Charles Percy mandaram os enviados da AIPAC passear e se deram mal. Não se reelegeram.

Nos caucus e na campanha presidencial de 2015-2016, a AIPAC conseguiu deliciosas contribuições para Hillary Clinton (212.927 dólares) e para as pré-candidaturas de Ted Cruz (203.850 dólares), Marco Rubio (132.552 dólares) e Lindsey Graham (74.200 dólares).

Não foi à toa que todas estas nobres figuras prometeram apoio total a Israel. E vem cumprindo seu compromisso.

Evidentemente, muitos políticos democratas e quase todos os republicanos são pró-Israel de coração, não precisam de estímulos financeiros. Há também aqueles que dão seu apoio sem pensar, carneiros que temem sair do rebanho.

Para dar uma ideia da força dos financiamentos da AIPAC para influenciar o Congresso, veja este exemplo.

O BDS é um movimento palestino para convencer pessoas, movimentos, empresas, instituições e países a boicotarem relações políticas, econômicas, esportivas, científicas e artísticas com Israel caso os assentamentos e a ocupação militar continuem.

Por iniciativa da AIPAC, elaborou-se um projeto que determinava ser ilegal a participação nesse movimento. Com punições para  possíveis rebeldes, que acreditavam nas liberdades prescritas pela Constituição dos EUA.

No Câmara, foi apresentado pelo representante Bob Dold, tendo 22 co-promotores, dos quais 12 receberam contribuições da AIPAC.

Com a chancela do senador Mark Kirk, o projeto anti-BDS contou com as assinaturas de mais 17 outros senadores. Todos os 18 eram patrocinados com financiamentos da AIPAC (informações do Foreign Police Journal, de 22 de março de 2016).

Com sua caixa de campanha recheada pela AIPAC ou pelo apoio total ter virado lugar comum, os parlamentares americanos não hesitam em decidir a favor de Israel de olhos fechados.

No entanto, é tempo deles começarem a examinar seriamente os pleitos do governo de Jerusalém, antes de continuarem a se comprometer.

Valeria a pena tomarem conhecimento dos resultados de outra pesquisa, esta da Pew Polls, publicada em 15 de janeiro último.

Mas antes, vamos ver o que nos diz pesquisa da mesma empresa realizada 2016. Nela, o número de americanos que simpatizavam mais com Israel do que com os palestinos era expressivo: 43% contra apenas 29%.

Mas as coisas estão mudando depressa.

Dois anos depois, os números da pesquisa da Pew Polls eram radicalmente diferentes. A vantagem dos respondentes pró-Israel sobre os simpatizantes da Palestina caiu de 14% para apenas 2%. Agora, 27% preferem Israel e 25%, a Palestina.

Empate técnico, portanto.

Outro ponto interessante: entre os 27% favoráveis a Israel, apenas 18% aprovavam as políticas do governo Netanyahu.

18% sobre 27% dá 4,8% da população americana gosta de tudo que o premier israelense anda fazendo. Raros, portanto.

A maioria dos políticos democratas ainda dão mais valor às posições dos seus financiadores. Não estão nem aí a respeito do que os eleitores pensam do seu apoio indiscriminado a Israel.

É uma perigosa alienação.

Sucede que numa democracia, a vontade do povo costuma pesar bastante.

As pesquisas mostram que é crescente o desencanto do povo dos EUA (inclusive os judeus-americanos) com as políticas de Israel, sobretudo as do atual governo, o mais direitista jamais visto no país.

Deve demorar, mas vai chegar uma hora em que os políticos democratas sentirão que, se não quiserem por suas eleições em risco, terão de mudar sua postura diante de Israel.

Conviria que passassem a se basear nos verdadeiros valores da civilização americana. Mais precisamente aqueles que estão na sua Constituição.

 

 

 

 

 

 

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