Palestina independente é melhor para Israel

No início de uma trégua entre Israel e árabes, depois de recentes choques entre a aviação israelense e o jihad islâmico, o primeiro ministro Nethanyau declarou a seus ministros que a política de defesa do país era ”Matar ou morrer”.

Sintetizou assim como muitos israelenses consideram a forma certa de lidar com os palestinos. Para vencer uma luta posta em termos tão definitivos, é obviamente necessário contar com as Forças Armadas.

E, como partem da idéia de que todo o Oriente Médio é inimigo de Israel, a conclusão lógica é que, para garantir sua segurança, o país precisa de forças armadas muito superiores a de todos os países do Oriente Médio juntos.
Do contrário, sua segurança estaria posta em sérios riscos.

Esta idéia foi sedimentada durante os 25 anos nos quais Israel combateu e venceu vários dos seus vizinhos árabes.
Assim, criou-se um estado de guerra permanente, obrigando o país a não ceder nada em termos diplomáticos,pois isso daria mais força a inimigos empenhados em destruir o estado judaico.

Para governar um país nessa conjuntura, nada mais indicado do que os generais que venceram as guerras. Mais do que ninguém eles teriam capacidade para atuar numa situação internacional na qual novas guerras seriam perspectivas prováveis.

Dessa maneira, os generais acabaram por tomar conta da política nacional. A prova é o grande número deles que já foram primeiros-ministros: Rabin, Barak, Netaniahu, Sharon e Begin-sem contar os muitos que exerceram e exercem altos cargos na Administração, especialmente na pasta da Defesa, onde, nos 63 anos da vida do país, somente três ministros foram civis.

Como é natural, a classe militar israelense é estreitamente ligada à indústria de armamentos local, cujo poder não é de se desprezar, pois é a quarta maior em todo o mundo.

Na área política, são pelo principio da “segurança pela força das armas”, os partidos de extrema-direita e de direita, o Likud, do qual, Nethanyau é a principal expressão. Seu grande objetivo é tornar realidade a idéia do Grande Israel, que incluiria também a Samária e a Judéia, províncias antigas da que hoje é a Cisjordânia, região que o acordo de 1967 oficializou como árabe.

Por fim, o terceiro grupo que integra o ”partido da guerra” é o rabinato político. Adeptos da vinculação do estado a conceitos que interpretam como religiosos, eles podem ser comparados aos mais furiosos e reacionários membros do clero radical islâmico.A citação abaixo, de Sjlomo Aviner, um dos mais importantes rabinos, fala por si : “Há uma proibição bíblica de entregar um único milímetro da terra de Israel (Palestina) aos gentios.”

O conceito de que a segurança de Israel depende de ter Forças Armadas mais fortes do que a de todo o Oriente Médio peca pela base. Dois desses países – a Jordânia e o Egito (por enquanto) tem relações completas e amigáveis com Israel. Os outros não mantém relação por solidariedade aos palestinos oprimidos. Em todos os países do Golfo, há representantes de negócios israelenses, nenhum deles jamais pensaria em atacar Israel, inclusive por que são satélites dos EUA. A Síria e o Irã são rivais assumidos, mas nem juntando forças sonhariam em se medir com Israel. Mesmo que o Irã um dia venha a ter uma bomba atômica (o que é altamente duvidoso) nada poderia contra as 200 de Israel. Nem seria louco de atacar território israelense, arriscando-se às retaliações dos EUA.
Por pressão da comunidade internacional e mesmo da própria população, o grupo dirigente de Israel vem aceitando, embora apenas teoricamente, a independência da Palestina.
Em 1983, na reunião de Oslo, criou-se uma Autoridade Palestina,  que teria poderes administrativos limitados em parte da Cisjordânia, que continuaria ocupada pelo exército de Israel. A idéia é que a independência seria preparada aos poucos, enquanto as duas partes negociassem entre si, obrigando-se a não realizar ações bélicas. Mas não se caminhou praticamente nada.
Com Nethanyau as coisas ficaram ainda mais difíceis. Sua estratégia é clara : adiar ao máximo as negociações, sob variados pretextos. Há poucos dias mesmo, nos choques entre Israel e a jihad islâmica, depois de negociada uma trégua, aviões israelenses atacaram um grupo de palestinos, alegando que eram militantes da jihad que se preparavam para lançar mísseis sobre Israel.Porém, não se provou nada. Deveria a palavra de Nethanyau ser suficiente?

É duvidoso, considerando que, nos últimos anos, fatos assim já aconteceram. Diversas vezes, à beira de um cessar fogo, aviões  israelenses atacaram e mataram líderes do Hamas em Gaza, botando tudo a perder.

Coerente com sua estratégia de adiamentos, Nethanyau se declara pronto para negociar com os árabes, porém, sem pré-condições. Ele sabe que  a Autoridade Palestina nunca concordará em negociar sem interrupção dos assentamentos, o que tem sido tabu para os israelenses.

Outro jeito de adiar é a negativa em aceitar que o Hamas faça parte das negociações. Nethanyau exige (com apoio americano) que o Hamas reconheça o estado judaico e abandone o terrorismo. Mas não oferece reciprocidade, ou seja: reconhecer o Hamas como governo de Gaza e abandonar os ataques aéreos seletivos contra militantes islâmicos.

Tais ataques, aliás, tem causado muitas vítimas inocentes cujo único “crime” fora estar no lugar errado. A ONU condenou expressamente esta estranha política do governo de Israel, exigindo que ele a interrompesse. Nethanyau pouco se importou com essas condenações, pois um país em estado de guerra não pode dar quartel ao inimigo. Por isso mesmo, atacou e destruiu Gaza e impôs á cidade um bloqueio desumano, que ele mantém por maior  a indignação que desperte no mundo. É que, para enfrentar a ONU e a opinião pública mundial, o governo israelense dispõe de um escudo até agora inexpugnável: os EUA.

Os poderosos lobbies judaicos americanos estão entre os principais responsáveis pelo apoio incondicional dos EUA a Israel. Eles vêm aplicando vastos recursos financeiros para manter na linha os principais partidos. Conforme J.J.Goldberg informou no seu livro “The Jewish Power”, em 1994, isso representava 45% dos fundos de campanha do Partido Democrata e 25% do Partido Republicano. Em 2006, Richard Cohen, no Washington Post, atualizou esses dados para respectivamente 60% e 35%. Até as eleições de 2010, essa quantia aumentou ainda mais. Por sua vez, as redes de TV, particularmente a CBS, os principais jornais e rádios e grande parte dos “pastores de rádio e TV” do interior também são pró -Israel. Diante desse volume de pressão, natural que o Congresso vá pelo mesmo caminho.

Raramente os presidentes esboçam uma atitude de independência. Obama tentou pressionar Nethanyau a parar com os assentamentos para as negociações prosseguirem, mas não conseguiu. Fez um discurso defendendo um estado palestino nos limites de 1967, com correções. Contestado por Nethanyau e pelo Congresso, praticamente acabou se desdizendo.

No entanto, há sinais de que as coisas estão mudando. O ex-Secretário da Defesa, Robert Gates declarou Israel ingrato, “muito recebe e nada dá em troca”. O general Petraeus confessou que a falta de solução para o problema da Palestina contraria os interesses americanos pois alimenta o ódio islâmico aos EUA.

  Lobbies judaico-americanos, como o JStreet, favoráveis à paz e a  acordos justos com os palestinos, procuram influenciar nesse sentido a comunidade judaica americana.

Em pesquisa da BBC- Globe Scan, em 19 países , sobre o pedido de reconhecimento da Palestina pela ONU, os americanos votaram em maioria a favor 45%x 36%.Nos outros países,  os palestinos obtiveram índices ainda maiores ; Turquia 60 x 19; Paquistão 52×12; Indonesia 51x 16; Egito 90×9; China 56×9; Reino Unido 53×26; França 54×20; Alemanha 53×28.

Diz o conceituado cientista político Norman Finkelstein : “os judeus americanos são liberais.Eles votam  nos democratas. Eles estão tendo muitos problemas como liberais – especialmente os jovens judeus americanos nos campus –em conciliar suas crenças liberais com as coisas que Israel faz, a conduta de Isreael e a sociedade de Israel, em geral. Aumentam os casamentos mistos de judeus com outras religiões numa média de 60%. É óbvio que nos casamentos mistos o interesse por Israel diminui.”

Sobre o pensamento dos americanos, pesquisa recente mostrou que 70% achavam que os EUA deveriam ser neutros entre israelenses e palestinos.

A perda de imagem israelense, que começa a se sentir nos EUA, é muito maior internacionalmente, leva a que, de alguns anos para cá, a causa israelense venha perdendo apoio substancialmente.
 Coisas como o Muro de Sharon, as invasões do Libano que causaram 20.000 mortes, o morticínio de Sabra e Chatilla, a invasão de Gaza – condenada em inquérito da ONU, o massacre da Flotilha da Liberdade e o bloqueio de Gaza são atentados aos direitos humanos que chocam a humanidade. Israel, hoje, é visto universalmente como país que não respeita o Direito Internacional e não tem escrúpulos em praticar ações desumanas e brutais contra populações civis.

O rompimento com a Turquia, que também deverá acontecer com o Egito, e o endurecimento das relações da Arábia Saudita com os EUA, devido ao veto americano ao pedido palestino na ONU, deixarão Israel ainda mais isolado..

Todos estes fatores terão prolongamentos inevitáveis como recrudescimento do movimento “Boicote Israel”, ações no Tribunal Criminal Internacional e perda de apoio nos países europeus que, sob pressão de suas opiniões públicas, acabarão, mesmo contra os EUA, votando contra os israelenses na ONU e suas agências. A França, por exemplo, acabou de votar pela entrada da Palestina como membro pleno da UNESCO, contrariando a pressão americana.

Comentando a situação, Meir Dagan, ex-chefe do Mossad, declarou perante a Comissão de Assuntos Estratégicos do Congresso israelense :”Israel está progressivamente tornando-se um fardo para os Estados Unidos”.

Todos estes fatos demonstram que a política atual israelense de garantia da segurança pela força, negando posições aos árabes,  inclusive a independência da Palestina, não está mais dando certo.

Caso Nethanyau continuar negando- se a interromper os assentamentos e
os  EUA a usar seu veto para bloquear novas iniciativas palestinas, os defensores da solução pacifica dos 2 estados ficarão sem ação. Com o fechamento de todos os caminhos da paz, só restará o recurso da insurgência.

Poderá ser uma terceira intifada, com a tradicional repressão violenta e os atentados que virão em resposta. Os elementos moderados do Fatá ficarão sem condições de continuar propondo soluções pacíficas.

 Certo que a imensa superioridade tecnológica e militar de Israel matará uma quantidade de terroristas, destruirá suas posições, prenderá milhares. Mas, os radicais islâmicos nunca desistirão, voltarão a atacar fazendo muitas vítimas israelenses. Mesmo derrotados, continuarão uma ameaça, pronta a explodir. Por que, com todas as esperanças extintas, não sobrará nenhum outro recurso.

E a luta dos revolucionários não acabará nunca. Por que eles não tem medo de morrer: pela sua religião, morrendo em combate aos infiéis, serão mártires, com lugar de honra no paraíso.

E os israelenses? Moram num país desenvolvido, vivem bem, tem casa, emprego, chances de progresso, diversões. Tem todos os motivos para amar a vida. E quem ama a vida, tem medo da morte.
Até quando os cidadãos israelenses aceitarão um estado de guerra que tende a se tornar muito mais cruento do que já foi até agora?
.Quando suas chances de morrer serão muito maiores.
Quem gerou o radicalismo árabe não foi a al Qaeda, nem Arafat. Foi sua expulsão da Palestina, em 1948, foi a ocupação da Cisjordânia por tropas israelenses e a tirania que impõem ao povo palestino, foram as manobras de Nethanyau para ampliar os assentamentos- melhor dizendo, a tomada- de mais terras árabes, foi o bloqueio de desumano de Gaza.
Não há rebeldes sem causa. Resolvendo os problemas  dos israelenses, não haverá mais motivo para ódios e atentados. Uma Palestina independente e viável é a melhor garantia de segurança para Israel.
Há fatos a favor desta afirmação. Quando estava acesa a disputa pelo reconhecimento da Palestina pela ONU, uma fundação internacional localizada na Noruega, a Fafo, fez uma pesquisa de opinião junto ao povo da Margem Oeste e de Gaza. 73% manifestaram-se pelas negociações com Israel, desde que os assentamentos parassem.
Resta uma dúvida crucial: “Uma Palestina independente e viável” será possível?
Só poderíamos dizer que não é se nunca houver uma honesta tentativa de consegui-lo.
Começando por uma honesta união das partes. Para isso, será necessário que Israel aceite os autênticos representantes do povo palestino. Os principais líderes do Fatá e do Hamas, inclusive os detidos em prisões israelenses.
Alguma coisa começa a ser feita nesse sentido. Na semana passada, Amir Peretz, lider do Partido Trabalhista, pediu a libertação de Barghouti, importante chefe da insurgência, que cumpre pena de prisão perpetua, por que ele ajudaria a Autoridade Palestina a negociar um tratado de paz com Israel . Depois de visitar Barghouti na prisão várias vezes, Peretz afirmou:”A liderança palestina precisa de diplomatas e homens de estado como Mahmoud Abbas , mas precisa também de gente como Barghouti, um bravo que defendeu  suas idéias nas ruas da Palestina”

Para as negociações se iniciarem, Nethanyau precisaria interromper os assentamentos, já que, como se localizam em terras árabes, não poderiam continuar lá. Levantar o bloqueio de Gaza. Aceitar, em principio, negociar Jerusalem Leste e uma solução para os árabes expulsos. Em troca, o Hamas reconheceria Israel como estado judaico, com diretos iguais para outras religiões, e interromperia os atentados de qualquer tipo.
Nada disso é impossível. Um proeminente líder do Kadima (maior partido do Congresso), Nachman Shai acaba de sugerir o desbloqueio de Gaza e relações com o Hamas.
Se aceito, será um bom começo.
Ir além, é outra coisa. Parece impossível derrubar os obstáculos que se opõem à realização da idéia dos dois estados independentes na Palestina. Mas, diziam o mesmo do muro de Berlin…
O mais difícil talvez seja achar uma solução para o problema dos assentamentos.
 Mas, não é tanto assim. Todos os seus habitantes foram estimulados a irem viver nos assentamentos por grandes vantagens oferecidas pelo governo. Se o governo oferecesse idênticas vantagens para eles mudarem para outras regiões no território de Israel qual seria a respostas? Foi feita uma pesquisa e, segundo o resultado, 60% topariam numa boa. Quanto aos 40% restantes… Responde Norman Finkelstein :”..pelas pesquisas somente 10.000 a 15.000 resistiriam violentamente. Na minha opinião, em maioria isso são bravatas. O número verdadeiro será provavelmente alguns milhares.”
Esse problema se atenuará ainda mais, uma vez que, os representantes árabes acabarão por aceitar trocar uma parte das terras ocupadas por assentamentos por terras em Israel.
Quanto á questão dos desalojados, a verdade é que grande número deles já se integrou nas nações para onde emigraram. Restam ainda muitas famílias nas favelas do Líbano e da Jordânia, principalmente. Não há estatísticas precisas sobre seu número, mas a solução já apresentada me parece boa : uma pequena parte voltaria a Israel  e receberia de volta as casas e terras que lhes tomaram. A outra parte seria devidamente indenizada, indo viver na própria Palestina independente.

Para Jerusalem Leste devem se designar limites que incluam, sempre que possível, áreas habitadas por judeus. Ficando o total remanescente para árabes.
Em uma das propostas oficiosas de Nethanyau, ele falava em manter o Vale do Jordão sob a guarda do exército de Israel. É uma exigência despropositada, pois trata-se, de longe, do maior curso d´água da região. Sem ele, a nova Palestina morreria de sede e suas indústrias não teriam como decolar. A solução que existe é o compartilhamento do rio, por consenso das partes.

A paz entre israelenses e palestinos, além de ser a única saída para eles, traz também vantagens substanciais.

Terminado o conflito árabe-israelense, não haverá por que a Turquia, os países árabes e mesmo (com o tempo) o Irã não voltem a manter relações diplomáticas e comerciais com Israel.

Para os palestinos, que hoje são cidadãos de segunda classe, o fato de terem um estado livre lhes permitirá planejar o desenvolvimento nacional, aproveitando o potencial do país em seu proveito.
E dá margem aos governantes eleitos começarem uma democracia O km, aproveitando os erros de democracias já existentes para poderem criar um estado mais justo.

Claro, por enquanto, isso não passa de wishfull thinking, para acontecer depende de uma série de fatores humanos e econômicos imponderáveis. Concordo que não exprime o real, mas, pelo menos, o possível.

Quanto a Israel, as vantagens econômicas podem ser previstas de forma bastante concreta. O turismo religioso, de todos os países árabes vizinhos para Israel aumentará enormemente, pois lá existem uma série de lugares santos da religião islâmica.

De um modo geral, Israel, como país industrial, terá muito a exportar para seus vizinhos árabes, cuja economia baseia-se mais no petróleo, agricultura e mineração.

O Governo não precisará mais gastar tanto na Defesa, reduzindo consideravelmente seu orçamento de 6 bilhões de dólares anuais nesse setor. Dinheiro muito bem-vindo, especialmente agora que a crise também está chegando a Israel..

A política de garantir a segurança pela superioridade militar, mantendo nações oprimidas, sob o mantra de “matar ou morrer” não tem futuro. As violências e violações de direitos que essa política implica acabarão por deixar Israel sozinho. Perderá cada vez mais sua imagem internacional (que já é ruim), perderá mesmo a militância dos judeus- americanos e a amizade do povo americano, o que trará consigo a perda do Congresso e do apoio incondicional do Governo dos EUA.

Sem isso, de nada valerão as mais poderosas e avançadas armas, inclusive nucleares, do arsenal israelense. Elas nada podem contra a força da História.

A salvação, porém, existe. Mais do que ninguém, depende do próprio povo israelense abrir os olhos. Há muitas organizações pacifistas israelenses ; políticos liberais e socialistas : empresários, intelectuais, jornalistas, estudantes, profissionais liberais, operários adeptos de soluções justas para os palestinos. Lembro que Israel é uma democracia. E o governo Nethanyau não é eterno.

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