Quando, em 1984, o Paquistão começou a desenvolver seu programa nuclear militar, os EUA lhe impuseram sanções econômicas.
Fizeram mais ou menos o que estão fazendo com o Irã. Só que sem manter “todas as possibilidades sobre a mesa”, nem pretender unir comunidade internacional contra ele. Além das sanções não serem muito pesadas.
Argumentavam ser necessário impedir a proliferação de países com bombas atômicas, pelo bem da sobrevivência da humanidade.
Agora, é mais serio. Para os EUA, a sobrevivência de Israel é mais importante do que a da humanidade, embora nenhuma delas esteja ameaçada. Mas, o Paquistão não tem contra si o Congresso e os financiadores judeus americanos de campanha política.
Por isso, foi só o governo paquistanês parar de apoiar os talibãs na invasão americana, para as sanções serem interrompidas e o estoque de bombas nucleares do Paquistão deixar de ser considerado uma ameaça à paz.
Logo em seguida, houve uma maior aproximação do governo dos EUA com o do Paquistão. Quando o general Musharraf chegou ao poder, o namoro virou casamento. O Paquistão passou a receber cerca de 1,5 bilhão de dólares, em ajuda militar, e pouco mais de 1 bilhão, em ajuda econômica.
Em troca, Musharraf abriu as portas do país para a entrada de agentes da CIA em massa e para a passagem das frotas de caminhões levando suprimentos necessários à guerra do Afeganistão. Suas forças armadas guarneceram parte da fronteira com esse país para evitar entrada de talibãs em fuga, além de combater esse grupo no território do país.
Ofereceu também uma base para a instalação da menina dos olhos do Presidente Obama , os drones (aviões sem piloto), de onde partiam vôo para alvejar talibãs nas regiões de fronteira. Infelizmente, os drones, amados pela Casa Branca, tornaram-se odiados pelos paquistaneses, pois apesar das precauções da avançada tecnologia americana, muitos camponeses foram mortos, junto com os talibãs.
Para a Brooking Institution, morrem 10 camponeses para cada líder talibã executado. E o Birô de Jornalismo Investigativo fala em 2.300 mortos desde 2004, dos quais 175 eram crianças. Para a Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão, neste ano de 2011, somente até setembro, os drones tinham matado 957 camponeses.
Natural que, segundo as pesquisas, 97% da população seja absolutamente contrária aos aviões sem piloto.
Todas estas coisas pegavam mal junto aos militares, que sentiam-se humilhados, viam violações da soberania nacional.
Os sentimentos negativos se agravaram quando Bin Ladem foi executado. Os militares acharam um desprezo pela soberania nacional helicópteros americanos invadirem o país para executarem pessoas.
Os americanos devolveram a bola: como se justificava Bin Ladem estar vivendo há muito tempo a dois passos de um quartel? Só havendo cumplicidade de elementos do exército e/ou da polícia secreta.
Zardari ouviu os dois protestos e ordenou uma investigação para apurar possíveis culpas de paquistaneses.
Os militares não gostaram nada desta solução.
Gostaram menos quando foi denunciado que um conhecido industrial levara um pedido do Presidente Zardari aos EUA para que interviessem, impedindo um golpe militar que estaria em gestação. Em troca, seriam afastados todos os chefes da polícia secreta e elementos do exército suspeitos de ligações com os talibãs ou, pelo menos, de anti americanismo.
Houve desmentidos gerais, é claro.
Mas não pegou bem. O ressentimento do povo, dos militares e de parte da oposição só fez aumentar.
Explodiu quando helicópteros e aviões americanos bombardearam um posto de fronteira do exército paquistanês matando 28 soldados.
O governo exigiu desculpas.
Os militares americanos envolvidos na operação responderam que apenas devolveram tiros disparados do posto contra eles. Seus chefes, mais políticos, falaram num “infeliz engano”.
O exército paquistanês respondeu que não era possível haver erro,pois o ataque durara 2 horas e nesse período o pessoal do posto mandara mensagens alertando as autoridades militares dos EUA mais próximas, sem que as balas parassem de chover.
Obama poderia concordar que o caso era grave, pedir desculpas. Prometer providências.
Mas só deplorou e informou que mandara fazer o devido inquérito.
Em nenhum momento, admitiu a culpa ou erro dos seus militares. Provavelmente, influenciado pelos generais, cujo poder é cada vez maior no seu governo. E que, devido ao conceito da excepcionalidade americana, não podem admitir que seus oficiais tenham pisado na bola de maneira tão desastrosa.
As conseqüências não são nada boas para os interesses dos EUA.
Manifestações populares acontecem em todo o Paquistão, com abundância de bandeiras americanas sendo queimadas.
Os generais exigiam retaliações duras. No Paquistão, são uma classe muito poderosa.
Zardari teve de ceder. Mesmo por que, pensando nas eleições, convém agradar o povo.
Se pelas pesquisas de junho da Pew Research, 70% da população considerava os EUA um inimigo, hoje esse número deve ter subido muito.
Pew revelara também uma queda no prestígio do presidente. Fora de 20% para 11%, enquanto o líder nacionalista, Imran Khan, crescera vertiginosamente: de 16% para 71%.
O governo ordenou o fechamento da estrada para o Afeganistão, impedindo a passagem dos caminhões com suprimentos para os exércitos da OTAN ; a desocupação pelos americanos da base de Shansi, de onde partiam os drones ; uma reavaliação de todos os acordos estratégicos com os EUA, visando respeito à soberania do país.
E, embora não confirmado oficialmente, a NBC NEWS noticiou que a guerra dos aviões sem piloto contra as regiões tribais poderia ser encerrada. Segundo a imprensa de Islamabad, qualquer drone que invadisse o espaço aéreo do Paquistão seria derrubado. Afirmação atribuída ao General Parvez Kayani, Chefe do Exército.
Por sua vez, a TV Al Jazeera informou que o parlamento paquistanês perguntara ao chefe da Força Aérea se teria capacidade de derrubar um drone caso ele violasse a fronteiras. Ele respondeu que cumpriria as ordens. E, de fato, a Al Jazeera confirmou que os postos de fronteira tinham sido equipados com sistemas de armas de defesa para impedir qualquer ofensiva através da fronteira com o Afeganistão.
Finalmente, noticia-se que Islamabad mandou desativar diversos check-points instalados para impedir a passagem de talibãs.
O fechamento da estrada já está causando sérios problemas. Sete caminhões carregados de suprimentos para o exército da OTAN no Afeganistão, que permaneciam estacionados ,foram incendiados por grupos não identificados.
Como o exército precisa dos suprimentos, a OTAN optou por uma rota alternativa, pelo território da Rússia, que é muito mais complicada pois implica em gastos muito maiores, além de não poder incluir o transporte de equipamentos letais. Pior: a Rússia ameaça cortar também esta estrada para retaliar o plano do escudo de mísseis que é inaceitável pelo governo Medvedev.
A paralisação dos ataques com aviões sem piloto e o fechamento dos check-points facilitaria a fuga dos talibãs para seus refúgios nas montanhas do Paquistão.
O governo americano está pressionando para que todas estas medidas sejam revertidas.
Tem bons argumentos: os 3 bilhões de ajuda militar e econômica que presta ao Paquistão, o apoio de alguns generais comprometidos com a Casa Branca e do próprio Zardari, que tem medo de um futuro sem relações estreitas com os EUA.
De fato, as perspectivas são sombrias para ele.
Os talibãs só cometem atentados no Paquistão devido à aliança com os americanos. Sem ela, prometem comportar-se.
Esperam em troca que o exército não invada as regiões onde se homiziam e que não levem muito à risca a fiscalização das fronteiras . O que poderia gerar retaliações americanas.
Nesta situação, Zardari deve estar diante de sérias dúvidas.
Voltar a ser tudo como era não seria politicamente vantajoso. Seus 11% de aprovação baixariam ainda mais.
Um novo pacto teria de ser feito com os EUA. Coisas como a posse da base de Shamsi, a volta dos drones, a reabertura dos check-points, a reabertura da estrada para o Afeganistão, a ação da CIA no país e o combate aos talibãs precisariam ser discutidas.
Até que ponto poderia ceder aos EUA sem enfurecer os militares e o povo, é um dilema sério.
Obama, por sua vez, certamente pesa as vantagens de ter o Paquistão do seu lado. Afinal, um país com 180 milhões de habitantes, possuidor de armas nucleares, fronteiras com o Afeganistão e com o Irã, não pode ser desprezado.
Obama sabe que terá de fazer algumas concessões. Mas não pode chegar num ponto que possa ser considerado fraqueza.
Como Zardari, ele tem medo do povo e dos militares.
55% da população americana não vê o Paquistão como um aliado. É preciso evitar qualquer motivo para irritá-la, ele também pensa nas eleições presidenciais.
Por submissão aos militares, Obama descumpriu uma série de promessas: não fechou Guantanamo, manteve julgamentos políticos por tribunais militares, levou 3 anos para sair do Iraque, aceitou mandar matar suspeitos de terrorismo sem julgamento.
A maioria dos observadores aposta que, no fim, o Paquistão acabará fazendo as maiores concessões. Mas nem sempre os favoritos ganham.