O Irã, driblando as sanções.

As últimas sanções da ONU contra o Irã não obtiveram o resultado destruidor desejado.

Não há dúvida que a proibição de importação de uma série de produtos essenciais causaram danos à economia nacional, como desabastecimento e aumento da inflação e do  desemprego, mas estiveram bem aquém do previsto.

É que os iranianos descobriram uma forma criativa de contornar as sanções: o contrabando, através da União dos Emirados Árabes e do Sultanato de Oman.

Por iniciativa do governo e da Guarda Revolucionária, até 2010, mercadorias estratégicas, incluindo componentes para a aviação e sofisticados equipamentos eletrônicos, provenientes de Dubai, Madha e Khaimal entravam em território do Irã pelas ilhas iranianas de Kish e Qeshn.

Em 2010, os EUA pressionaram os governos dos Emirados e Oman para que interrompessem esse contrabando. Do contrário, perderiam acesso ao mercado e à tecnologia americanas.

Claro, eles cederam, mas o governo de Teerã não se apertou.

Tratou de procurar outra solução.

E encontrou.

Passou a fazer a mesma manobra através da fronteira do Iraque, exatamente pelas montanhas do Curdistão.

Deu certo. Já em junho de 2010, quando os EUA e a Europa impuseram pesadas sanções sobre exportações de gasolina para o Irã (embora grande produtor de petróleo bruto, o país não tem refinarias suficientes), centenas de milhões de dólares em gasolina foram transacionados diariamente com as regiões curdas de Kirkuk e Baiji.

Atualmente, o governo iraniano vem procurando explorar melhor as extensas fronteiras do Iraque, tendo em vista o aumento de suas compras de produtos “proibidos”. A ideia foi criar uma rede de contrabando Emirados-Irã-Iraque, estabelecendo, entre outras medidas, uma zona de livre comércio na cidade iraquiana de Basra, distante apenas 10 milhas da fronteira iraniana.

Para apoiar estas atividades de contrabando, o Irã está promovendo a abertura de bancos privados no Iraque e empresas de fachada nos Emirados e também no Iraque, muitas delas de propriedade de cidadãos sírios, libaneses e iraquianos.

Essas empresas objetivam comprar produtos “sob sanções” no mercado, transportá-los legalmente dos Emirados para o Iraque e ali leva-los através de diversas estradas para o Irã.

As atividades iranianas para driblar as sanções via Iraque são facilitadas pelas boas relações que mantém tanto com o governo iraquiano, quanto com os principais clãs curdos, além de contarem com o apoio das muitas facções xiitas baseadas nas regiões do centro e do sul do país.

Por sua vez, os parceiros desta operação auferem consideráveis vantagens financeiras. E também políticas no caso do governo regional do Curdistão. Como a comercialização da gasolina com o Irã é feita à margem da lei, os curdos não precisam dividir seus rendimentos com Bagdá, reduzindo assim sua dependência ao governo central do Irã.

Evidentemente, os EUA não assistirão indiferentes a esta fuga às sanções impostas ao Irã. Já devem ter iniciado pressões para que o governo Maliki trate de impedir as operações iranianas.

Não será fácil conseguir isso.

Embora ainda fraco diante dos EUA, o Iraque é aliado e amigo do seu vizinho Irã, com quem compartilha a religião xiita e que apoiou seus atuais dirigentes, ali exilados durante o regime de Saddam Hussein.

“Entre les deux mon coeur balance”, deve estar pensando o primeiro ministro Maliki.

Embora ele acabe optando pelos EUA, Ahmadinejad pode dormir sossegado.

Desde os primeiros anos da ocupação americana, o exército iraquiano foi formado e treinado para combater os terroristas no interior do país. A defesa externa foi negligenciada e, assim, pouco ou nada se cuidou de proteger as fronteiras.

No momento, a corrupção nos portos é generalizada, a polícia de fronteiras é escassamente treinada e muito mal equipada, carecendo ainda de uma liderança razoavelmente efetiva.

Na verdade, é a eficiente polícia iraniana que acaba controlando os dois lados da fronteira e, portanto, o fluxo de mercadorias, o qual é raramente impedido pela fiscalização iraquiana.

Os americanos poderão tentar melhorar essa situação a seu favor no futuro, treinando a polícia iraquiana no controle das fronteiras. Mas leva tempo o processo de convencer o governo Maliki, destacar militares para proceder ao treinamento e, por fim, tornar policiais aptos a realizarem essa tarefa. Os EUA podem contar com anos para conseguir atrapalhar as manobras iranianas.

Enquanto isso, torna-se cada vez mais problemática a eficácia das últimas sanções dos EUA e da Europa – ou seja, o boicote das importações de petróleo do Irã e das transações com o Banco Central de lá.

A China e a Índia, que respondem por 40% das exportações iranianas de petróleo, já declararam que não interromperão suas compras. Pelo contrário: é possível que as ampliem. O Japão, a Coreia do Sul e a União Sul-Africana aceitam, no máximo, importar menos. A Europa só começará a aplicar seus embargos a partir de julho, para não prejudicar a Itália, a Grécia e a Espanha, dependentes do petróleo iraniano.

De outro lado, as nações africanas, tem se negado até agora a aumentar suas exportações de petróleo para substituir as exportações iranianas.

A Arábia Saudita parecia disposta a atender ao apelo americano para aumentar sua produção exportável. No entanto, nesta semana, menosprezou as sanções, propondo como solução do problema iraquiano a desnuclearização militar do Oriente Médio, o que a porá em colisão com os EUA, defensor dos arsenais nucleares israelenses. E possivelmente a tornará desinteressada em exportar mais para prejudicar o Irã, solução que acaba de desprezar.

Com as sanções saindo de cima da mesa, aumenta a pressão israelense pelo ataque militar, como última solução.

Tem tido o apoio entusiástico de três dos quatro pré-candidatos que ainda disputam a candidatura republicana à presidência dos EUA.

Por enquanto, Obama vem resistindo às pressões pelo bombardeio das instalações nucleares do Irã. Surpreendentemente está recebendo o apoio de alguns dos mais importantes “falcões”, defensores habituais das guerras americanas.

Diz Kenneth Pollack, ex- analista político do Brooking Institute (conservador): ”O problema é que estas sanções são potencialmente tão danosas que podem explodir em sentido contrário”, referindo-se aos possíveis impactos negativos nas economias dos países ocidentais em crise.

Outro conceituado falcão, a professora Anne Marie Slaughter, de Princeton, afirma que do jeito que as coisas vão “não se deixará nenhuma alternativa ao governo do Irã entre render-se, o que ele não fará, ou aumentar suas provocações. Quanto mais o Ocidente ameaçar o Irã, mais facilmente seus líderes retratarão a América como o Grande Satã para a parte da população que inclinava-se a ver a América como um país amigo”. Slaughter , que recentemente demitiu-se do cargo de Diretora de Planejamento Político da Secretária Hillary Clinton, concluiu: “é tempo de mentes mais arejadas prevalecerem com uma estratégia que faça o Irã  recuar,” sugerindo que se considerasse a proposta Brasil-Turquia, desprezada pelos EUA no passado.

O colunista Bill Keller, do New York Times, um falcão que aprovou a invasão do Iraque, escreve que “….um ataque ao Irã certamente uniria o povo iraniano em torno dos “mulás” e provocaria o Supremo Líder a redobrar os esforços iranianos para acelerar seu programa nuclear, desta vez em subterrâneos mais profundos e sem inspetores internacionais vigiando. No Pentágono, às vezes se ouve falarem assim: bombardear o Irã é o melhor jeito para garantir exatamente o que nós estamos tentando evitar”.

Colin Kahl, que até dezembro foi o chefe da Política para o Oriente Médio, no Pentágono, predisse que um ataque preventivo solidificaria o apoio popular ao regime de Teerã e transformaria a Primavera Árabe numa Primavera decididamente anti- americana.”,

Finalmente, o General Michael Hayden, que chefiou a CIA durante o segundo termo do governo Bush, afirmou que os membros “top” da Segurança Nacional nos tempos de Bush concluíram que um ataque militar às instalações nucleares iranianas por Israel ou pelos EUA – seria contraproducente. Para ele, “…os israelenses não vão (atacar o Irã)…Eles não podem fazer isso…Está além de sua capacidade. Eles só tem condições de fazer isso (o problema do programa nuclear iraniano) ficar pior.”

Com a maioria dos falcões abandonando o barco e pedindo acordo com o Irã, Netanyahu e seus seguidores no Congresso e na mídia americana vão ficar cada vez mais isolados.

Provavelmente, sua estratégia será redobrar os apelos à solução militar, principalmente, através da imprensa conservadora e dos 3 pré candidatos republicanos à presidência que lhes são fiéis.

Nota-se, porém, que o som dos tambores da guerra parece estar baixando.

Mesmo que as sanções falhem, eles podem acabar silenciando.

É a chance da diplomacia entrar em ação.

 

 

 

 

 

 

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