No sistema iraniano, qualquer um pode se candidatar a presidente.
O Conselho de Guardiães tem o poder de qualificar e desqualificar cada nome apresentado. Ele é formado por 6 clérigos indicados pelo Supremo Líder, Khamenei, e 6 juristas, pelo Parlamento, dominado por Khamenei.
Já viu quem manda, não é?
Nestas eleições, Khatamni, o principal líder reformista, que foi um presidente democrático e modernizador, decidiu não se apresentar. Alegou que sua candidatura não era viável.
Tinha razão.
Ao analisar os quase 700 postulantes ao cargo de presidente, o Conselho de Guardiães qualificou apenas 8, deixando fora os 2 únicos que representavam mudança: Rafsanjani e Mashael.
O aiatolá Rafsanjani, apoiado por Khatami, defendia uma linha moderada no relacionamento com o Ocidente e reformas que suavizassem o rigor conservador do regime.
Era uma esperança de um acordo no contencioso nuclear, capaz de acabar com as sanções que devastam a economia do país.
Fora um dos principais líderes da revolução que derrubara o xá, homem de confiança de Komeini e um dos primeiros presidentes do Irã.
Ocupava um alto cargo: chefe do Conselho de Especialistas, que media disputas entre o Parlamento e o Conselho de Guardiães.
No entanto, era inaceitável pelo establishment.
Nos conflitos da última eleição ganha por Ahmadinejad, ele ficou do lado da oposição, criticando a repressão dos manifestantes contrários ao governo.
Além disso, sendo um dos dois grandes líderes sobreviventes da revolução de 1979, era o rival de Khamenei, o outro sobrevivente. A única figura que podia permitir-se a criticar as ações repressivas do sistema, sem se arriscar a ser preso.
Mashael, principal conselheiro do presidente Ahmadinejad, que, aliás, lançou sua candidatura, era talvez ainda mais rejeitado pelos conservadores ligados a Khamenei.
Tido como defensor de uma linha desviacionista, por colocar o caráter nacionalista do Estado acima do islâmico, foi, uma vez, afastado do ministério de Ahmadinejad por ordem do Supremo Líder.
Eram conhecidas suas modernas interpretações do islamismo, opostas à visão medieval dominante nos círculos dirigentes iranianos.
Em política externa, havia chocado o establishment ao declarar que não via uma inimizade necessária entre o Irã e os EUA e Israel.
Enquanto com Rafsanjani seriam esperadas reformas na rigidez conservadora da república islâmica, com Marshael poderia acontecer a gradual implantação de um regime nacionalista, onde os aiatolás ficariam restritos às mesquitas.
Ambos certamente procurariam melhorar as relações com o Ocidente e seriam mais flexíveis nas negociações da questão nuclear.
Nada disso agrada aos políticos conservadores e aos radicais da poderosa Guarda Revolucionária.
O veto a Rafsanjani já havia sido praticamente anunciado com antecedência.
Como não podiam atacá-lo por sua fidelidade aos princípios da revolução e seu passado, os adversários escreveram em diversos web sites que, sendo velho (vai fazer 79 anos), não teria forças para ser um bom presidente.
Acolhendo essa argumentação, Kadkhoadei, porta- voz do Conselho de Guardiães, declarou :”Se um indivíduo que quer assumir um posto elevado só pode trabalhar umas poucas horas por dia, naturalmente essa pessoa não poderá ser qualificada.”
Inconformado, o deputado Motahari, chefe da campanha de Rafsanjani, afirmou que Khamenei deveria intervir para requalificar o reformista como candidato à presidência.
E esclareceu: “Rafsanjani desempenhou um papel significativo na fundação da república islâmica. Sua desqualificação poderá questionar os próprios princípios da revolução e os princípios do sistema de governo da república islâmica.”
Quanto a Mershael, Ahmadinejad ficou indignado diante da rejeição.
Sabe-se que cancelou três compromissos presidenciais nos próximos dias. Analistas locais temem que ele faça um verdadeiro barraco em defesa do seu candidato.
É improvável que ele tente algo semelhante a um golpe mas poderá provocar muitos problemas embaraçosos para o sistema, até mesmo uma certa crise.
No entanto, tudo indica que haverá mesmo eleições em 14 de junho, com os 8 candidatos qualificados.
6 deles são conservadores. Os outros 2 são reformistas, informa-se, sem chances de ganhar. Por isso mesmo, o sistema os aceitou como candidatos.
Não se pode esperar muita coisa do presidente que será eleito em 14 de junho.
É provável que ele sequer tenha os ímpetos de rebeldia, como teve Ahmadinejad, contra os excessos de autoritarismo do Supremo Líder e da ortodoxia retrógrada do sistema.
No entanto, convém lembrar que o novo presidente, qualquer dos 8 que seja eleito, jamais ameaçou riscar Israel do mapa como fez o atual.
Não foi esse o principal motivo que tornou um Irã nuclear perigo terrível para os israelense e toda a civilização ocidental?
É verdade que o fanfarrão Ahmedinejad jurou ter sido mal entendido. Não pretendia atacar Israel, o que havia querido dizer é que o regime sionista cairia por si.
Mas os EUA e aliados fizeram de conta que não ouviram.
Também ignoraram o fato de que, no Irã, o presidente não tem poderes para orientar a política externa. Mesmo que quisesse, Ahmadinejad não poderia ordenar ataques nucleares. A competência seria somente do Supremo Líder, Khamenei, que os condenou várias vezes como algo satânico.
Apesar de tudo, os EUA e Israel seguem usando o discurso ameaçador de Ahmadinejad como prova do extremo perigo do Irã nuclear para a civilização.
Ora, como o presidente que será eleito nunca prometeu destruir Israel, esse perigo desaparece.
Afinal, além dos países ocidentais, a Índia, a China, Israel e até o Paquistão tem bombas atômicas e nem por isso as andam lançando pelo mundo afora…
Seria demais esperar que as grandes potências dessem sinal verde para o Irã produzir as armas que quisesse em suas usinas nucleares.
Mas, poderiam ser menos exigentes nas suas negociações com Teerã. Fazer algumas concessões, não esperar que somente os iranianos as façam.
Claro, esse raciocínio seria lógico se no mundo da política externa existisse coerência.
Não existe.
E, falando francamente, a ameaça de Ahmadinejad não é, na verdade, um argumento para justificar as posturas duras diante do Irã.
Não passa de uma desculpa.
Não importa que essa desculpa venha a ser invalidada.
Os EUA e/ou Israel inventam outra.
Se for verdade, segundo diz o articulista Luiz Eça, que as potências neocoloniais do Ocidente “devastam a economia do país”, isto é, do Irã, então seria muito justo que também fossem devastadas. Escolhamos já os nossos alvos nas nações agressoras, ou onde quer que estejam os seus bens ou vassalos, ou os bens de seus vassalos. Destruamos a liberdade que os europeus têm de destruir, matar e saquear. A “devastação” deve ter fim.