Donald Trump e um príncipe acima de qualquer suspeita.

Numa das suas conversas telefônicas com o brother Kushner, genro de Donald Trump, o príncipe coroado saudita ponderou, candidamente: “Não entendi porque o incidente no consulado de Istambul causa tanto barulho?”

Mohamed bin Salman (MBS, na intimidade) tinha certa razão.

Afinal, ele promoveu a guerra do Iêmen, que já matou 17 mil civis, deixou 12 milhões à beira da fome e criou a maior crise humanitária do mundo, sem sofrer críticas muito generalizadas. E agora, tendo sido acusado de mandante do assassinato de apena um único cidadão, parece que o mundo todo se voltou contra ele.

A estas alturas, ninguém duvida da culpabilidade do principe no assassinato do jornalista opositor, Jamal Khashogg, no consulado da Arábia Saudita em Istambul, Turquia.

Na verdade, há alguém que discorda, o reino, pela voz do seu procurador-geral.

Que a ação foi excecutada por 15 leais agentes, muitos deles assessores ou seguranças de MBS, até o próprio procurador saudita concorda.

Só que, diz ele, tudo se originou de um lamentável erro.

Um grupo de súditos leais ao príncipe coroado, indignados com as críticas do jornalista Khashoggi ao governo da Arábia Saudita (leia-se, MBS, que é quem manda no país), resolvera tomar uma atitude.

O jornalista parecia estar a salvo por morar nos EUA e escrever suas tiradas anti-Mohamed bin Salman, no Washington Post, um dos principais jornais do país.

A oportunidade surgiu quando ele viajou para a Turquia, país mais acessível a ações punitivas da monarquias de Riad.

Formou-se então uma equipe de 15 com muitos assistentes e seguranças do príncipe, a qual voou a Istambul com ordens de convencer Khasshorgg a voltar para voltar à Arábia Saudita.      Ali, ele iria saber o que é bom para a tosse.

Caso o jornalista recusasse, deveria ser sequestrado e, em seguida, conduzido à força para sua terra natal.

Infelizmente, diz o procurador, a droga injetada para subjugar o jornalista foi por demais exagerada. E ele, que pena, morreu.

Tudo isso, sustenta o representante de Riad, fora feito totalmente à revelia do inocente príncipe coroado, que, aliás, só soube do assassinato pelos jornais.

A realidade é bem mais sombria, de acordo com as conclusões da investigação turca, aprovadas por serviços de inteligência dos EUA e de outros países do Ocidente.

Não faltam provas de que o crime foi premeditado, sob as ordens de MBS.

A conclusão da CIA no sentido de que as coisas se passaram assim foi fortalecida por duas gravações telefônicas interceptadas (Washington Post, 16 de novembro):

  1. O príncipe Mohamed bin Salman e seu irmão, o príncipe Khalid bin Salman, embaixador saudita nos EUA, discutindo mameiras para fazer Khashopggi voltar a Riad;
  2. O príncipe Khalid garantindo ao jornalista que pode ir sossegado buscar documentos do seu divórcio no consulado saudita em Istambul. Nada lhe aconteceria.

Aparentemente, Khashogg acreditou nas palavras tranquilizadoras do príncipe-embaixador.

O áudio de um tape gravado mostra a continuação da história: o jornalista adentrou o consulado saudita em Istambul e lá foi atacado por integrantes do grupo dos 15. Trocaram palavras ásperas, houve luta e, em seguida, ouve-se gritos desesperados de Khashogg, que se presume ter sido esquartejado vivo. Provavelmente por um médico legista, especialista em autópsias rápidas, que oportunamente integrava o comando da morte.

Esse drama de horror durou 7 minutos.

Foram mostradas ainda aos serviços de inteligência estrangeiros outras gravações das frases partidas de assassinos e vítimas, informa o jornal Haberturk, pró-governo, em 19 de novembro. “Quem vocês pensam que são? Porque vocês estão fazendo isso?”- grita Khashorggi.                                                                             “Você é um traidor, o dia do seu julgamento chegou”, ruge Maher Mutreb, o chefe do comando da morte-  um oficial de inteligência, frequente acompanhante do príncipe Mohamed em suas viagens.

Outra prova importante é a gravação de um telefonema de Mutreb falando com um assistente de MBS, logo após a execução, na qual ele diz: ”Conte a seu chefe que o trabalho foi feito (Washington Post, 16 de novembro).”

O Yeni Safa, jornal do governo de Ancara, informou que o mesmo Mutreb ligou “quatro vezes ao diretor do gabinete do príncipe herdeiro, Bader Al-Asaker”, depois da morte de Khashoggi. “Pelo menos uma dessas chamadas telefônicas foi feita do gabinete do cônsul.”
De acordo com fontes sauditas, turcas e árabes, a Reuters revelou que Said al-Qahtani, conselheiro de Mohamed bin Salman, participou do ataque, via Skype. Durante o entrevero, ele mimoseou Khashoggi com palavrões, respondidos no mesmo tom.  Ao que Qahtani urrou: ”Tragam-me a cabeça desse cão.”

Por fim, cito outro tape, provando que o grupo dos 15 assassinos, antes do jornalista chegar ao consulado, discutiram detalhes do homicídio planejado (Middle East Eye, 16 de novembro).

Somando-se a este arsenal de evidências, lembro que o príncipe coroado, governante de fato da Arábia Saudita, é extremamentre centralizador. Faz questão de estar por dentro de tudo que acontece de importante no reino.

O próprio Al Qahani, que controlou a execução do atentado, afirmou, em julho deste ano, que, como conselheiro de MBS, só agia de acordo com os desejos do chefe.

Conforme sir John Sawers, ex-chefe do MI6 (serviço de inteligência do Reino Unido), a declaração das autoridades sauditas, de que o príncipe Mohamed não estava a par da conspiração do assassinato, era uma “clamorosa ficção”.

Preocupado com as repercussões de sua ação, o príncipe coroado teria tentado convencer o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu iniciar um conflito com Gaza para desviar a atenção do assassinato de Khashogg. Foi o que fontes próximas à monarquia do deserto contaram ao Middle East Eye (edição online de 13 de novembro). O chefão israelense, não topou, não era do interesse de seu governo meter-se nessa sinistra trapalhada.

Ponto-chave na avaliação da CIA foi ser o príncipe o governante de fato do seu país, supervisionando mesmo assuntos pouco importantes. Disse um oficial que conhece as conclusões da agência: “A posição aceita (da CIA) é que não havia jeito disto (o crime) ter acontecido sem ele estar a par ou envolvido.”

Muita gente confiou pouco nas gloriosas declarações de Trump, nas quais ele garantiu que os culpados pelo assassinato no consulado seriam punidos com rigor pelos EUA. Afinal, a vítima era um cidadão habitante da América e colunista de um dos mais respeitáveis jornais de Tio Sam.

Era a última campanha eleitoral, valia à pena mostrar-se machão e defensor dos mais caros valores do American Way of Living.

É verdade que ele sempre insistiu que considerava absurdo deixar de vender à Arábia Saudita 110 bilhões em armas, supostamente geradores de 500 mil empregos, aumentados em entrevista posterior para 600 mil, e mais recentemente, para 1 milhão.

Agora, eleições passadas, The Donald tirou a máscara.

A CIA apontando seu dedo acusador para o príncipe Mohamed não foi levada em conta.

O morador da Casa Branca começou a mudar suas promessas de punição aos criminosos e mandantes da execução do jornalista, através de John Bolton, seu magno conselheiro de segurança.

Este ardente falcão, talvez o mais feroz membro desta violenta espécie, menosprezou as conclusões da CIA. Não seriam de alarmar ninguém. Quem as leu teria contado a Bolton que, para a agência, MBS não estava envolvido (Middle East Eye, 13 de novembro).

Mentiu.

Até aí, nada demais, não se espera que um destacado homem de confiança de Trump fale sempre a verdade.

O que é intrigante é The Donald admitir ser possível punir os culpados pelo assassinato e manter as boas relações com o “excepcional aliado”que é o governo saudita.

Levando as coisas a sério, será que o rei Salman continuaria sua fraternal e lucrativa (pelo menos para as indústrias de armas) amizade com os americanos depois do mandante do crime, seu amado filho, MBS, ser sancionado pelos EUA?

É uma pergunta que não quer, mas que acabará tendo de se calar.

Trump sempre negará que o angelical príncipe saudita possa ser culpado do nefando crime.

Mentirosamente, ele já deixou claro que a CIA não chegou ainda a qualquer conclusão.

Do que depender dele, jamais chegará. Se chegar, estará errada.

Quando questionado, The Donald vai repetir o que fez há alguns dias: exaltar a contribuição das importações sauditas para o bem estar americano e a importância do reino na luta contra o odiado e demoníaco Irã.

Aliás, possivelmente são estes mesmo os principais motivos do presidente americano  colocar o príncipe Mohamed acima de qualquer suspeita.

É necessário agradar as poderosas industrias bélicas dos EUA – grandes financiadoras dos candidatos republicanos – e contar com o apoio saudita para impedir os iranianos de continuarem sendo uma pedra no sapato na hegemonia americana no Oriente Médio.

A imprensa vai acabar se interessando por novos assuntos que chamem a atenção do seu público.

E assim, Trump espera, também o povo americano. Nos dois anos até as novas eleições presidenciais, esse malfadado assassinato deverá ser esquecido.

The Donald aposta que não irá prejudicar muito sua campanha pela reeleição.

 

 

 

 

 

 

 

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