De quem é a culpa?

No seu programa de radio em 14 de setembro, o Presidente Obama declarou que os EUA não tinham nenhuma responsabilidade sobre o filme que denegria o profeta Maomé e que os atentados contra embaixadas americanas não tinham desculpa.

Está certo, afinal estamos há 2 meses das eleições. E ele tem de agradar seu povo.

Se não fosse isso,  bem que poderia fazer algo que os americanos se recusam: um exame de consciência.

Acho que ele deveria começar perguntando-se: “Podem centenas de milhares de pessoas em 23 países de 3 continentes atacarem uma embaixada estrangeira só por causa de um filme que raríssimas entre elas viram?”

Jay Carney, porta voz da Casa Branca, acha que sim. E explica: ”Não é uma reação contra a política dos EUA, nem obviamente contra a Administração… É uma reação contra um vídeo, que nós julgamos reprovável e nojento.”

Negando esta resposta tido  Poliana, Leon Panetta, Secretário da Defesa dos EUA, dá a sua: “Foram manifestações de extremistas, algo mais do que uma demonstração da Ku Klux Khan nos EUA, e não necessariamente reflete o que o resto do país sente.”

Vejamos o que sente esse “resto.”

Segundo recente pesquisa da Pew International Research em alguns países islâmicos, em todos eles a maioria da população tem opinião desfavorável dos EUA.

No Egito, 79%; no Paquistão, 80%; na Jordânia, 86% ; na Turquia, 72%.  Na Tunísia (45%) e no Líbano (49%) houve mais opiniões desfavoráveis do que favoráveis ou neutras.

Não vou negar que provavelmente os extremistas salafistas e o pessoal da Al Qaeda lideraram a maioria das manifestações.

Mas também é claro que, se não houvesse um clima geral de anti-americanismo exacerbado, as ações agressivas deles iriam murchar rapidamente por falta de apoio popular.

Mas, e aqui vem a segunda pergunta do exame de consciência de Obama: por que os povos desses países não gostam dos EUA?

A imprensa americana tem repetido esta pergunta em tom de indignação.

Particularmente, no Egito, o ódio aos americanos seria injusto, pois o governo Obama apoiou a revolução árabe, o que garantiu sua vitória.

Na verdade, não foi bem assim.

Obama prestigiou Mubarak até o último minuto.

Quando a vitória da Primavera Árabe ficou irreversível, ele tentou substituir o ditador pelo general Omar Suleiman, ex-chefe da polícia, amigo dos EUA e torturador por encomenda da CIA.

No Egito e nos outros países do Oriente Médio, os EUA vêm apoiando ditadores cruéis há mais de 50 anos.

Na Palestina, sempre defendeu Israel incondicionalmente, vetando no Conselho de Segurança todas as resoluções contrárias ao governo de Telaviv.

Foi  muito além:  forneceu armas e munições para os ataques do exército israelense ao Líbano – só no segundo, mais de mil libaneses foram mortos.

Fez de tudo para bloquear resoluções contra Israel na  Comissão de Direitos Humanos em função das violências cometidas na invasão de Gaza e no massacre da Frota da Liberdade.

Para agradar a Israel, pressionou todas as nações do mundo para não comprarem petróleo do Irã, nem realizarem transações bancárias com esse país, levando-o a uma situação econômica gravíssima.

Isso apesar de saber que não existe nem sequer intenções do Irã de ter um programa nuclear militar, conforme informações dos 17 serviços de inteligência americanos.

Bombardeia o aliado Paquistão e o Yemen, com aviões sem piloto, matando além de terroristas, milhares de cidadãos inocentes.

Invadiu e ocupou o Iraque, destruindo sua infra estrutura econômica e causando a morte de perto de 1 milhão de iraquianos.

Mesmo já tendo liquidado a Al Qaeda no Afeganistão, objetivo declarado de seu ataque, continua no país numa guerra contra os talibãs que também tem causado milhares de vítimas civis.

Nas guerras do Afeganistão e do Iraque, soldados americanos desavisados cometeram profanações de símbolos sagrados do islamismo como a queima de Alcorões e urinar sobre cadáveres.

Eu poderia continuar citando muitos  fatos assim.

Somando todos, você tem razões de sobra para justificar a raiva dos povos muçulmanos em relação aos EUA.

Não é exagero dizer que o Oriente Médio é hoje um barril de pólvora, pronto para explodir.

O filme sacrílego foi apenas um rastilho.

Não tenho dúvidas que haverá outros a menos que os EUA mudem radicalmente sua política na região.

Para ser justo, admito que Obama  tentou algumas vezes.

Em 2009, no discurso do Cairo, prometeu justiça e amizade aos países islâmicos.

E, de fato, declarou que iria negociar um acordo com o Irã, tratando diretamente com seus líderes. Até enviou um vídeo dirigido ao povo desse país, ratificando suas boas intenções.

Insistiu com Netanyahu para que parasse os assentamentos, com o objetivo de trazer os palestinos para conversações de paz.

Mas logo rompeu com o Irã, depois das violências praticadas pelo governo de Teerã contra manifestantes que denunciavam irregularidades nas eleições de lá.

E desistiu de pressionar Israel, voltando à política de Bush, de apoio total ao país.

Em 2011, surpreendeu, ao fazer um discurso defendendo a urgência de um acordo de paz entre judeus e árabes, criando-se uma Palestina independente nos limites de 1967.

Diante da reação do premier de Telaviv, apoiado espalhafatosamente pela Casa dos Representantes americanos, afinou. Praticamente, pediu desculpas em discurso na famigerada ONG pró-Israel AIPAC.

Diante da Primavera Árabe, o comportamento dos EUAS tem sido dúbio.

Limitou-se a reconhecer o governo  revolucionário da Tunísia e só apoiou a revolução egípcia quando Mubarak já estava com um pé do lado de fora.

Participou da Guerra da Líbia, enviando aviões americanos para bombardear as tropas e cidades do governo. Forneceu armas aos rebeldes, a diversas milícias islâmicas anti-americanas  que, atualmente, as estão usando para praticar ações violentas em todo o país, inclusive aquela que vitimou o embaixador dos EUA.

Quanto ao apoio americano à revolução síria, seu alvo principal não é promover uma mudança pacífica do regime mas sim derrubar Assad, por sua amizade ao Irã.

Isso ficou claro quando Obama e Hillary rejeitaram a participação do Irã em negociações de paz, embora Kofi Anan, que as mediava, declarou que Teerã, por suas ligações com Assad, poderia ser importante para se chegar a um bom resultado.

Na revolução do Yemen, os EUA jogaram com habilidade.  Conseguiram que o ditador, Saleh, deixasse o poder, com a condição de não ser processado, e promoveram uma eleição pseudo -democrática, pois havia um único candidato, aliás, amigo dos EUA.

No momento, o novo governo do Yemen está em luta com a  Al Qaeda e os EUA participam com os drones, bem amados por Obama, que fazem o que eles estão acostumados a fazer: matam terroristas e civis azarados, que estão por perto.

No Bahrein, Obama atua na contramão da Primavera Árabe. O governo do rei prende, mata e tortura manifestantes pacíficos, enquanto Obama pede moderação às partes.

Por sua influência, os poderes locais prometeram reformas e punições aos torturadores. Conforme testemunho da Human Rights Watch nada disso aconteceu, embora tímidas iniciativas tenham sido ensaiadas.

E nada provavelmente mudará, pois os EUA tem no Bahrein uma importante base para sua armada. Portanto, dificilmente deixarão de apoiar o governo local.

No Egito, parece que Obama está agindo de forma diferente.

Há poucos dias, ele declarou: “’O Egito não é nem um aliado, nem um inimigo.”

Para Bush e os outros presidentes americanos pós-guerra, com exceção de Jimmy Carter, sempre valeu o bordão: “Quem não está conosco, está contra nós.”

A proposição de Obama representa uma real mudança, talvez a única em sua política externa.

Até agora, ele a está cumprindo.

Mantém a ajuda de 1,3 bilhão de dólares que fazia nos tempos de Mubarak. E está tratando com respeito o governo Morsi.

Hillary Clinton até fez uma viagem de boa vontade ao Egito, prometendo apoio econômico, apesar de ter encarado algumas vaias no seu périplo pelo país.

Certo que Morsi tem agido de forma pragmática, com muita moderação.

Foi ao Irã, contra os desejos da Casa Branca, mas lá pregou o fim do regime sírio. Para compensar, deixou em suspenso o provável reatamento de relações com os aiatolás, relações rompidas em 1979.

Chamou os iranianos juntamente com a Turquia e a Arábia saudita pra discutir a paz na Síria.

Declarou que não pensa em mexer no Tratado Israel-Egito.

Abriu a fronteira com Gaza para fechá-la depois do ataque de milicianos, que vieram do Sinai, contra policiais egípcios. Mas ninguém duvida de que ele voltará a reabri-la.

Em todos estes episódios, Morsi não fez ataques aos EUA, mas também não defendeu as políticas deles em relação ao Irã e à Palestina.

No caso do ataque à embaixada no Egito, Morsi tomou a decisão adequada de condená-lo e ordenar a prisão dos responsáveis. Mas não deixou  até com mais vigor, de protestar contra o filme e solicitar providências do governo americano para punir seus autores.

A postura adulta com que Obama vem se relacionando com Morsi  será testada quando o presidente egípcio terá de tomar posições firmes e concretas nas questões da Palestina e do Irã.

Se Obama  não brigar, será um turning point na política americana no Oriente Médio.

Uma grande chance para começar um processo de mudança da imagem dos EUA na região.

E de evitar novas explosões de raiva das massas, lastreadas  por um passado para o qual não existe adjetivo melhor do que a palavra imperialista.

 

Um comentário em “De quem é a culpa?

  1. Ontem no PAINEL da GLOBO NEWS, tres professores da USP e FGV e W Waack comentaram atônitos a ‘contradição’ do atentado ao consulado americano em Benghazi pq o diplomata morto ajudou os rebeldes…..e nenhum é americano para seguir se enganando dessa forma. Será possível que alguem acredite ainda que os USA ajudam alguém??????? me lembra uma velha tia chilena que dizia: Por favor no me ayudeis más!!!!!!

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