No dia 29 de outubro deste ano, o vilarejo beduíno de al-Araqib foi demolido pela 120ª vez.
Onde antes viviam 600 pessoas, hoje restam apenas os moradores de cinco tendas, além de um cemitério tribal. Nesse vilarejo, há mais sepulturas do que gente.
Empenhados em expulsar os beduínos de suas terras e moradias, o Israel Land Authority e o Jewish National Fund usaram uma estratégia hábil e implacável. Cada demolição realizada nos últimos 7 anos assustava mais beduínos, levando muitos a deixar o vilarejo, receando sofrerem o mesmo destino.
Num excesso de sadismo, as autoridades israelenses ainda cobram os moradores pelo custo da demolição de suas próprias casas. Em al-Araqib, o débito imposto por Israel chegou a cerca de 541 mil dólares, relativo às demolições acumuladas até a 114ª (Ma‘Han News Agency, 1-10-2013).
Al-Araqib é um dos vilarejos fundados depois da guerra da independência de Israel, em 1948, quando o exército israelense expulsou do país a maioria dos beduínos do deserto do Negev, onde viviam há séculos.
Os 11 mil que ficaram foram forçados a se mudarem para uma área no nordeste do Negev, correspondente a 10% da área anteriormente ocupada pelo total da população beduína.
Ali foram construídos 35 vilarejos não-reconhecidos pelas autoridades israelenses. Os beduínos são cidadãos israelenses, mas como seus vilarejos não são reconhecidos oficialmente, o Estado lhes nega acesso a água, eletricidade, esgoto, educação, assistência de saúde e estradas.
Isso apesar de serem cidadãos de Israel, tendo teoricamente direito a todos os serviços oferecidos pelo Estado.
As autoridades de Telaviv acreditam que, vivendo em condições tão deploráveis, os beduínos serão estimulados a abandonarem suas terras ancestrais, deixando espaço para a construção de florestas, assentamentos judaicos, instalações militares, usinas e outras instalações.
Com esse objetivo, o governo elaborou o Prawer Plan, em 2011, convertido em lei pelo Knesset (Parlamento) em 2013.
Sob esse plano, os beduínos dos vilarejos “não-reconhecidos” terão de se mudar para townships (cidades planejadas para eles), renunciando a seu direito de reivindicar as terras e casas onde viviam (The Guardian–1-10-’13). Em 2014, surgiu o Prawer Plan 2, praticamente igual ao anterior.
Para o governo de Israel, são estatais as terras dos 35 vilarejos não-reconhecidos, onde seus moradores plantam e criam caprinos há 60 anos. Portanto, considera os beduínos como invasores, sendo legal a demolição dos vilarejos e a expulsão dos seus habitantes. Calcula-se que isso deverá acontecer com 85 mil deles.
A opção que Israel oferece aos desalojados é a mudança para as townships.
De acordo com o Human Rights Watch o governo de Israel estimula os beduínos a se mudarem para essas cidades com promessas de uma vida melhor e acesso a todos os serviços estatais.
O professor Orfen Iftachel, da Universidade Ben Gurion contesta esse róseo quadro: “As cidades planejadas transformaram-se rapidamente em bolsões de pobreza, criminalidade e tensões socais.”
De fato, nas townships as estradas são inadequadas e há muito menos acesso a serviços de saúde, educação e eletricidade, em comparação com as comunidades judaicas vizinhas.
O mais grave é que, ao se mudarem, os beduínos também mudam seu modo de vida. Deixam de trabalhar nas suas terras, para só conseguirem, nas cidades, trabalhos não-qualificados, cujos salários são baixos.
E como as townships costumam ser super-povoadas, oferecem limitadas oportunidades de trabalho, provocando desemprego generalizado.
Essas condições desfavoráveis geram altos níveis de pobreza extrema, o pior em toda Israel e na Cisjordânia ocupada. O que, por sua vez, favorece a criminalidade, o tráfico de tóxicos, a desagregação das famílias beduínas.
Diante desta terrível opção: demolições e desalojamento a qualquer momento ou viver em condições piores do que as atuais, os beduínos resistem. Promovem manifestações, defendem suas terras e vilarejos na Justiça, buscam apoio internacional.
No Foreign Police in Focus (16 de outubro de 2017) Anika Haijhan fala sobre 3 vilarejos beduínos que ela visitou: Al.-Araqib (veja início desta matéria), Wadi na-Na’am e Umm al-Hiran.
Wadi na-Na’am foi estabelecido nos anos 50, mas nunca foi oficialmente reconhecido. Seus primeiros moradores vieram de vilas próximas, tendo sido removidos à força de seus lares e terras.
Nos anos 70, Israel construiu, justamente nas vizinhanças, Neot Hovav, a primeira instalação do país para descarte de resíduos tóxicos. Desde então, aconteceram frequentes acidentes, incêndios, explosões e vazamentos de resíduos, resultando no nascimento de bebês com defeitos físicos e problemas de saúde a longo prazo saúde na comunidade beduína.
O vilarejo é rodeado por zonas militares de tiro, onde as forças armadas israelenses realizam treinos, usando munição real. Muitas vezes bombas não-explodidas são deixadas depois dos exercícios. Daí graves acidente. No último, foram mortas duas crianças com idade entre 8 e 10 anos.
Há uma usina elétrica junto a Wadi Na’ ham, que fornece eletricidade a cidades judaicas próximas, mas não a Wadi Na’ Han e a outras 34 vilas não-reconhecida.
As pessoas se viram, com painéis solares precários e pequenos geradores. Mesmo assim, algumas das construções nunca recebem eletricidade.
Recentemente, Israel anunciou que pretende relocar residentes de Wadi Na’ Han na township próxima, Segev Shalom. Os moradores se opõem porque teriam de abandonar seu tradicional modo de vida agrícola.
Em 2015, a “Associação por Direitos Civis em Israel” apresentou duas opções que permitiriam aos beduínos mudarem, conservando seu modo de vida. Nenhuma foi aceita, a relocação deve ser feita como fora disposto originariamente.
As operações de demolição já começaram em Wadi Na’ han. A polícia destruiu um depósito agrícola e o assoalho de uma habitação. A própria família teve de fazer esse desagradável trabalho; do contrário o governo cobraria pela demolição (HCAB -27-11-2017)
A fundação de Umm al-Hiran também aconteceu nos anos 50.
Em 2008, metade do vilarejo foi destruído pelas autoridades israelenses.
Pouco depois, elas comunicaram que a outra metade seria poupada, pois Umm al-Hiran (ou o que sobrou do vilarejo) ganharia reconhecimento oficial.
Infelizmente, a alegria dos moradores remanescentes durou pouco; essa decisão foi cancelada dois anos depois.
O Estado projetava, no futuro, construir um assentamento exclusivo para judeus, no lugar de Umm al-Hiran.
Os moradores entraram com um recurso na Justiça, em 2015, pedindo que fosse evitada a demolição do seu vilarejo. Mas, a Suprema Corte de Israel negou.
Diante de um protesto liderado pela Adalah, a operação foi interrompida. Temia-se que se reiniciariam logo.
Às 3 horas da madrugada, do dia 18 de junho, de 2017, a polícia de Israel apareceu, pronta para demolir.
Assustado, um professor da escola local procurou retirar-se de carro. Mas, foi alvejado pelos policiais. Atingido na perna, ele perdeu o controle do carro, que se carro acelerou, projetando-se contra os guardiães da lei. Um deles e o professor morreram.
As autoridades, inicialmente, afirmaram que se tratara de um atentado, praticado pelo professor, terrorista ligado ao ISIS.
Tiveram que se retratar quando foi apresentado um vídeo mostrando que o professor fora atingido antes do carro acelerar.
O Prawer Plan foi criticado severamente pela ONU, pela Comunidade Europeia e até pelos EUA. Em fevereiro de 2014, o Departamento de Estado o chamou de ”um dos mais significativos problemas de direitos humanos de Israel”.
Com a execução do plano, os beduínos ficam sem o direito de propriedade das terras que ocupam; sem direito aos serviços públicos, inerentes à sua condição de cidadãos israelenses; sem o direito de viver nas casas que escolheram; sem direitos humanos, com a demolição de suas moradias.
Tudo que os beduínos pedem poderia ser resumido numa única frase: serem tratados como cidadãos de Israel.
O que eles são.