Para a grande mídia internacional (e nacional também) o último relatório da IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) mostrou evidências graves de ambições nucleares militares iranianas..
Foi denunciado com o maior destaque que o Irã aumentou a produção de urânio enriquecido a 20% e o número de centrífugas na usina de Fordow.
Aqui vale uma explicação: depois de alcançar 20%, é possível acelerar o enriquecimento do urânio até se chegar ao nível de 90%, necessário para a produção de uma bomba nuclear.
Por isso, a principal exigência do Ocidente tem sido forçar o Irã a interromper sua produção de urânio enriquecido a 20% e abrir mão do estoque existente.
Sem urânio enriquecido a 20%, em grande quantidade, é impossível desenvolver um programa de bombas nuclear
Segundo a IAEA, o Irã aumentou sua produção total de urânio enriquecido a 20% de 143 quilos, em maio, para 189,4 em meados de agosto.
Isso seria prova de suas intenções de alcançar o volume necessário desse material para ser enriquecido a 90% , tendo em vista a fabricação de artefatos nucleares.
O que a maioria da grande imprensa considerou de mínima importância foi um fato que minimiza esse perigo: o estoque iraniano de urânio enriquecido a 20% diminuiu, tendo passado de 101quilos, em maio, a 91,4 quilos, em meados de agosto.
Isso aconteceu porque o Irã acelerou a fabricação de “placas de combustível” para a produção de isótopos médicos no Reator de Pesquisas de Teerã, utilizando boa parte do seu urânio enriquecido a 20%.
Mais exatamente, no período maio/agosto de 2012, foram destinados 53,3 quilos de urânio enriquecido a 20% para esse fim absolutamente pacífico.
Nos 5 meses anteriores, foram usados assim apenas 43 quilos.
Portanto, o “ameaçador” estoque de urânio a 20% – que poderia ser usado num possível programa de bombas nucleares – foi sensivelmente reduzido.
E não há volta: uma vez convertido em “placas de combustível”, o urânio enriquecido a 20% muito dificilmente pode ser revertido à forma original.
Portanto, comparando com a situação de maio de 2012, o Irã, atualmente, está mais longe de obter a chamada “capacidade nuclear” do que há 3 meses atrás.
A outra revelação supostamente comprometedora, veiculada pela grande imprensa, foi o fato do Irã ter dobrado seu número de centrífugas, o que, como comentava a agência de notícias Reuters : “O Irã parecia estar lutando para conseguir uma tecnologia nuclear mais eficiente que reduziria o tempo que ele precisaria para produzir alguma bomba atômica.” –
De fato, o aumento do número de centrífugas ocorreu: passou de 696 a 2.140 nos últimos seis meses.
No entanto, o número de centrífugas em operação nesse período não aumentou.
Isso não se deve a eventuais problemas técnicos.
As 1.444 centrífugas inativas nunca foram sequer conectadas às canalizações como o Instituto de Ciência e Segurança Internacionais (ISIS), afirmou ao analisar o relatório da IAEA.
O historiador e especialista em Oriente Médio, Gareth Porter, acha que a causa dessa anomalia seria o Irã não ter decidido ainda se irá usar as centrífugas para enriquecimento a 3,5% ou a 20%.
Uma terceira questão levantada pelo relatório da IAEA foi também apresentada como indício das más intenções iranianas: sua recusa em permitir que os técnicos da IAEA fiscalizassem a base de Parchin.
Há meses atrás, a agência apresentou fotos que sugeririam a possibilidade de, nesse local, terem ocorrido atividades que poderiam ser testes nucleares.
Os especialistas na matéria não chegaram a uma conclusão sobre o acerto desta opinião.
A IAEA solicitou várias vezes ao Irã permissão para enviar seus inspetores ao local para darem uma olhada.
O Irã sempre se recusou.
Disse que só toparia como parte de um amplo acordo de paz, no qual as partes fariam concessões e as sanções contra o Irã, eliminadas.
Aí, não deu em nada.
Acho estranho. Não tendo nada a esconder, o Irã deveria atender à IAEA para livrar-se das suspeitas.
Alguns analistas dizem que a abertura de Pachin à visita da IAEA é uma carta que os negociadores do Irã tem em mãos para obter algo em troca.
Se for assim, não sei até quando esta carta terá valor.
No seu último relatório, a IAEA informa que os iranianos fizeram diversas alterações em Pachin para eliminar quaisquer vestígios de materiais nucleares.
Vários experts contestam esta afirmação.
Pierre Goldschimidt, Sub-Diretor Geral de Salvaguardas da IAEA, de 1999 a 2005, diz :”Certamente, não haveria jeito de remover os vestígios de um teste nuclear.”
Seye Hossein Moussavian, que liderou as negociações nucleares do Irã com a Europa em 2005 e é hoje professor visitante na Universidade de Princeton, declarou em entrevista à Inter Press Service: “Os iranianos sabem muito bem que eles não poderiam eliminar vestígios de tais atividades (nucleares) mesmo depois de 10 anos.”
Mesmo sendo muito rigoroso, nenhum estadista esclarecido pode considerar que o relatório de agosto da IAEA condena o Irã.
No entanto, Netanyahu, que está longe de ser tolo, aproveitou as discutíveis revelações do relatório para aumentar o tom de suas críticas.
Indignado, ele exige mais pressão sobre o Irã, sanções mais pesadas, ameaças mais sérias.
E, especialmente, que Obama defina de uma vez essa prometida linha vermelha que, uma fez cruzada pelos aiatolás, atrairá as fúrias infernais dos arsenais americanos.
Os EUA reagiram.
O general Dempsey declarou que uma guerra contra o Irã seria desastrosa.
Por outro lado, o governo anunciou escudos anti-mísseis para proteger Israel e os países da Península Arábica, manobras militares de grande vulto no Golfo Pérsico e novas sanções em gestação.
Bem que Obama sabe que as considerações da IAEA não representam nada de especial. Continua valendo as conclusões da Inteligência Americana: não há programa militar iraniano, nem nada que sugira intenções de ser iniciado.
Mas as eleições são daqui a dois meses.
Um bombardeio israelense seria altamente indesejável, pois Obama sempre sairia perdendo : se ficasse em cima do muro, os republicanos o acusariam de trair Israel; se apoiasse o ataque, o Irã retaliaria, e muitos soldados americanos acabariam morrendo.
Nas duas situações, a possibilidade de perder votos, e talvez a eleição, não seria de desprezar.
Como Netanyahu, ele prefere, por razões diferentes, fazer de conta que a realidade é outra.
Melhor é agradar o insaciável Netanyahu. Concordar com ele: delenda o Irã?
Talvez…Mas, por favor, só depois das eleições de novembro.