Nesta Olimpíada, George Bush acaba de ganhar a medalha de ouro na modalidade “cinismo”, ao condenar a violação russa da soberania da Geórgia esquecendo o que ele fez e faz no Iraque. John McCain também protestou, exigindo que Moscou se retirasse, incondicionalmente, mas a medalha de prata foi para Barack Obama. Apesar de sua sempre apregoada independência, fechou com os republicanos e o “establishment” americano, acusando a Rússia de “contínua violação da soberania da Geórgia e da integridade do seu território”. Há nesses pronunciamentos uma série de equívocos. A rigor, não se pode dizer que a Ossetia do Sul integra e Geórgia. Aqui, convém uma explicação histórica. Quando caiu o regime czarista, os mencheviques, derrotados pelos bolcheviques na luta pelo poder, aproveitaram o caos que tomou conta da nova república para conquistar a Geórgia, anexando a ela a Ossetia do Sul e a Abkhazia. Em 1924, Stalin retomou a região e criou a República Socialista da Geórgia, dentro da União Soviética, mantendo as áreas anexadas pelos seus rivais. Com o fim do comunismo, a população osseta (mais de 2/3 de etnia russa) revoltou-se contra uma nacionalidade que lhe fora imposta. Seguiu-se uma guerra civil que terminou com um acordo de paz em 1992. A Ossetia do Sul tornou-se uma república autônoma, independente de fato do governo de Tbilisi, embora não reconhecida pela ONU, União Européia e Estados Unidos. Continuando a focar equívocos, lembremos que o agressor não foi a Rússia, mas sim a Geórgia que, sem aviso, invadiu a pequena república vizinha, praticamente arrasando com artilharia e tanques a capital Tskhinvali. O governo de Moscou reagiu prontamente, enviando tropas que logo expulsaram os georgianos. Foi uma atitude legal, pois, como disse Putin, “conforme os acordos internacionais, a Rússia é obrigada, no caso de uma das partes quebrarem o acordo de cessar-fogo, a defender a outra parte, o que estamos exatamente fazendo”. Assim não entendeu a grande mídia internacional, que divulgou a imagem do presidente Saakashvili como um líder impoluto de um pequeno país, que teve cidades arrasadas pelo exército russo, e populações inteiras vitimadas, objeto de uma ponte aérea prometida por Bush para lhes levar socorro humanitário. É um terceiro equívoco. Saakashvili não é exatamente o “mocinho” desta história. Ele ganhou o poder em 2003 contra o corrupto governo do presidente Shervanadze, através da chamada “Revolução Rosa”, uma bem sucedida operação de marketing político urdida pela CIA e financiada por agências do governo americano e pelo trilionário George Soros. Foi provavelmente para tirar a atenção do seu povo destes assuntos pouco lisonjeiros para seu governo que Saakashvili teria resolvido atacar a Ossetia do Sul. E o fez de um modo bastante discutível: após uma reunião com os líderes da Ossetia do Sul, membros da OSCE e das forças de paz da Rússia para discutir a situação do território, ordenou surpreendentemente o bombardeio de Tskhinvali. Segundo o apolítico website Reliefweb, “a destruição foi apavorante e parece que muitas centenas de civis morreram como resultado do ataque inicial dos georgianos”. Calcula-se que foram entre 1.500 e 2.000 no final, merecedores de ajuda humanitária mais do que os georgianos, cujos mortos não passaram de algumas centenas, todos na cidade de Gori, tomada pelos russos, a qual sofreu danos pouco significativos. Especula-se que Saakashvili acreditou em Bush quando o presidente americano, no ano passado, prometeu solenemente estar ao lado do seu aliado em qualquer circunstância. Contava que seu exército, equipado pelos Estados Unidos e treinado por 1.000 instrutores militares americanos, poderia resistir durante tempo bastante para a Casa Branca conseguir que a ONU ordenasse a retirada dos russos. E depois decidisse a favor da Georgia, pelo fim da autonomia da Ossetia do Sul, fiel a seu princípio de só reconhecer a independência de países que já eram repúblicas nos tempos do império soviético. Nada disso aconteceu. Bush ficou em condenações retóricas. Vencedores, os russos garantem que a Ossetia do Sul e também a Abkhazia jamais voltarão a fazer parte da Geórgia e passarão a ser países independentes de fato e de direito. E argumentam: não foi o que a ONU fez com Kosovo? Falando em equívocos, esse teria sido mais um. |