A crise européia deu origem a uma nova esquerda, diferente de todas as esquerdas conhecidas.
Ela surgiu das ruas, dos grandes movimentos de massa de oposição à dura austeridade econômica posta em prática nos países em pior situação, por imposição da União Européia.
Em muitos desses países, esses movimentos tornaram-se partidos políticos que crescem rapidamente, energizados pelas conseqüências devastadoras dos programas recessivos e pela descrença nos políticos.
Embora parte do descontentamento foi canalizado para organizações de extrema-direita, algumas delas fascistas, nos últimos anos quem se expandiu mais foram os chamados partidos radicais de esquerda.
Eles representam uma nova esperança para o povo que perdera sua confiança nos partidos comunistas e socialistas, tradicionais portadores da bandeira de mudanças extremas.
Depois da queda da União Soviética, os partidos comunistas de toda a Europa ou fundiram-se com outras agremiações, ou encolheram, continuando com alguma força somente na Alemanha e na União Soviética – justamente onde havia maior riqueza no mundo comunista.
Os socialistas, uma vez no poder, ansiosos em se mostrarem ponderados, comportaram-se de forma tímida, não se atrevendo a cumprir suas promessas radicais e repetindo, com pequenas alterações, tudo que os partidos liberal- conservadores vinham fazendo, ao aceitar as regras do FMI, do Banco Central Europeu e da União Européia e a submissão à política externa dos EUA.
Foi o que fizeram, por exemplo, os governos Sócrates, em Portugal – Hollande, na França e Rossi, na Itália.
As idéias dos novos esquerdistas formaram-se nas ruas, não nos gabinetes de trabalho dos pensadores socialistas dos séculos 19 e 20. Diferente do que acontece nos velhos partidos de esquerda, Marx não está presente nos seus manifestos. Eles não falam em socialismo, nem em dirigismo estatal – mas centram-se nos problemas atuais de povos em pane neste momento crítico do século 21, contestando os pactos que países na bancarrota assinaram com uma faca encostada na garganta.
Sua base popular é não só os pobres, tradicionais sacrificados pelos planos de arrocho econômico, mas também a classe média, que hoje compartilha grande parte dos sofrimentos deles.
Os partidos dessa nova esquerda são rotulados de radicais por pretenderem uma verdadeira revolução: a saída da crise européia através do crescimento, não das medidas de economia extrema. Pregam que, estimulando-se o desenvolvimento, haverá maior produção, mais negócios, mais empregos, mais consumo… maiores rendas para as nações em apuros pagarem suas dívidas e saírem do buraco.
Dois desses partidos estão próximos do poder em seus países: o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha.
O Syriza é quem tem mais chances a curto prazo.
Tendo sido fundado em 2012, já em maio de 2014 o partido foi o mais votado nas eleições para o Parlamento Europeu. E nas últimas pesquisas focando as eleições gerais espanholas, aparece com uma diferença de 3,4% sobre seu principal adversário. Tem tudo para se tornar o próximo governo do país.
Seu fulminante progresso acompanha a revolta contra os programas recessivos impostos pelo establishment financeiro europeu para socorrer a Grécia.
Agora, depois de quatro anos de cortes de investimentos, despedidas em massa e fechamento de empresas, era tempo bastante para aparecerem resultados.
E apareceram, mas longe de satisfazer os mais conformados ou otimistas gregos.
O crescimento de 1% projetado para 2014 (se chegar a isso) não é nada diante de uma economia que murchou 25% nesses quatro anos. O aumento do desemprego em 2014 chega a 27% (75% deles estão sem trabalho há mais de um ano).
Considera-se que a Grécia precisará de 13 anos para sua economia recuperar o índice de 2008 e talvez duas décadas para reduzir o desemprego a números aceitáveis.
A pobreza, por sua vez, passou de 23%, antes da crise, para 40%, quatro anos depois.
E todo o sacrifício será por nada: apesar dos pesados pagamentos feitos pelo governo, o déficit aumentou e já está em insustentáveis 177% do PIB. E tende a crescer.
Em seus comícios, o Syrisa anunciou a princípio que, ganhando o poder, cancelaria o acordo com a Europa que lançou a Grécia num ciclo vicioso de austeridade e recessão.
Mais recentemente, sentindo as chances de chegar lá, suavizou suas colocações, sem, porém, dar marcha-a-ré. Em entrevista à agência Reuters, Alexis Tsipras, lider do Syriza, declarou que seu partido é a favor de renegociações, não do cancelamento. E esclareceu: ”Quanto aos acordos de empréstimos e débitos… não temos intenções de fazer ações unilaterais a não ser que nos forcem a fazer ações unilaterais.”
E o que o Syriza deseja renegociar?
Em primeiro lugar, o supressão de novas obrigações possivelmente a serem assumidas pelo governo atual para resgate de parte das dívidas, ora em discussão com a Troika (representantes do Banco Central Europeu, do FMI e da União Européia). Propõem que seja perdoada uma fatia desses débitos, como algo semelhante que beneficiou a Alemanha em 1953. A restituição das dívidas remanescentes seria feia através do crescimento econômico, em lugar de cortes orçamentários.
No seu manifesto programático, o Syrisa defende um novo pacto com a União Européia, os bancos credores e o FMI..
Alguns pontos são :
– guerra sem tréguas à evasão fiscal, endêmica na Grécia;
– programa de empregos de emergência;
– aumento do salário-mínimo.
Tudo isso, é claro, com o abandono das políticas paralisantes da economia.
Preocupado, o presidente da Comissão Européia, Jean Claude Juncker aconselhou os gregos a não votarem “do jeito errado.” E completou categoricamente: “Eu não gostaria que forças extremistas tomassem o poder.”
Observadores prevêem conseqüências se estas declarações não fossem consideradas..
Segundo alguns, com o Syrisa no governo, a Grécia poderia perder todos os recursos fornecidos pelos europeus, haveria fugas de capitais e quebra de bancos.
Por isso mesmo, o establishment já estaria entrando em ação. Ele pôs suas fichas numa proposta do primeiro-ministro para o Parlamento eleger já um presidente conservador. Caso aprovada, o primeiro-ministro ofereceu antecipar eleições para fins de 2015. Se perder, elas terão de ser em fevereiro do mesmo ano, de acordo com a lei..
Submetida a votação, a proposta foi derrotada duas vezes, a segunda por falta de 12 votos.
Haverá uma terceira, em 29 de dezembro.
O resultado poderá, no máximo, adiar a decisão com o Syrisa por pouco menos do fim do ano.
Seja quando for, uma verdadeira revolução pode pintar na Europa.
Radical,sim, mas sem Karl Marx.
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