Quando parecia possível um entendimento para por fim à Guerra Civil Síria, a Turquia resolveu armar um barraco.
Sete dias antes de se iniciar o cessar fogo, negociado para se levar alimentos ao povo da cidades sitiadas, os turcos iniciaram pesados ataques de artilharia a posições curdas próximas à fronteira sírio-turca, a região de Alepo.
Parte dos disparos foram direcionados para cidades, sob domínio do governo Assad.
Os curdos vêem numa ofensiva vitoriosa contra as tropas do Estado Islâmico, expulsando-as do norte da Síria, com apoio das aviações americana (principalmente) e russa. Em diversos pontos atuam alados aos exércitos do governo.
Justificando suas ações, o presidente Erdogan declarou que jamais permitiria que os curdos, seus inimigos (que ele chama de terrorstas), tomassem a cidade de Azaz, a 8 quilômetros da fronteira com seu país.
É justamente através de Azaz que há muitos anos passam armamentos turcos e sauditas destinados principalmente aos rebeldes do Nussra (braço da al Qaeda na Síria).
O comando das forças de Ancara também exigiu que os curdos cedessem a recém-conquistada base aérea de Menangh à “Frente Levantine”, que integra o exército rebelde.
O governo de Damasco enviou um protesto à ONU, pedindo ação ao Conselho de Segurança contra essa violação de sua soberania. E os EUA apelaram para que os turcos parassem de bombardear os curdos agora e no futuro.
Mas também os advertiram para que ficassem por aí, não conquistassem mais territórios na região da fronteira.
Foram espertos: aparentemente estavam defendendo os curdos, mas na verdade queriam que eles não avançassem mais, completando o domínio de toda a fronteira turca, inclusive a cidade de Azaz ocupada por grupos favoráveis aos rebeldes.
É essencial manter Azaz pois é por ela que estão entrando os reforços e os armamentos turcos e sauditas para enfrentar a ofensiva russo-síria no Norte do país.
Por sua parte, Erdogan não se tocou. Sua artilharia continua em ação.
Mas ele foi alem.
Declarou que o Exército Islâmico não seria vencido sem forças terrestres e que a Turquia estaria disposta a assumir esse ônus.
Já teria aliás fechado um acordo com a Arábia Saudita, que já enviara aviões de combate para a base aérea turca de Incrilik.
O general Assiri, comandante do exército saudita, confirmou e acrescentou que esses aviões seriam apenas uma parte do envolvimento do seu país na Guerra Civil da Síria.
Já no dia seguinte, as coisas evoluíram com o primeiro-ministro turco Cavusoglu anunciando que seu país e a monarquia de Ryad estavam trabalhando numa possível invasão conjunta por terra.
O governo de Ancara apelou para que outras nações aderissem para deter a “brutal agressão do Kremlin” e expulsar os curdos da fronteira norte.
Embora o objetivo declarado da aliança turco-saudita seja o Estado Islâmico, estas declarações deixam claro que se invasão houver seria pelo Norte, onde as forças rebeldes estão sendo derrotadas.
¼ de Alepo, a cidade principal e capital da região, está nas mãos do FSA (os moderados, pró-EUA), do Nussra e de outros grupos islâmicos provavelmente jihadistas.
As tropas de Assad, com apoio dos aviões russos,vem tomando todas as cidades das vizinhanças, completando o cerco da cidade.
Os observadores acreditam que a batalha por Alepo , que se aproxima, deixará o vencedor em condições excepcionais.
Caso os curdos, apesar da artilharia turca, tomem Azaz, ficará fechada a principal porta de entrada para os reforços dos rebeldes.
Com as quedas de Alepo e de Azaz, Assad adentrará a conferência de Genebra com maior força para ter seus pleitos atendidos.
É o que Erdogan quer evitar a todo custo.
O problema é caso suas tropas e as da Arábia Saudita invadam a Síria pelo norte serão fatalmente enfrentadas pelo exército de Assad.
Como Assad não seria páreo para elas, Putin seria obrigado a intervir.
Embora possa aumentar suas forças aéreas na região, teria contra si a força aérea da Arábia Saudita, recentemente equipada com os mais modernos modelos americanos.
A briga seria boa mas…e na terra?
Para não amargar uma derrota, Putin teria de enviar seu exército.
Diante disso, o que faria a OTAN, da qual a Turquia é membro? E os EUA ?
Por enquanto, diante das bravatas de Erdogam o departamento do Estado diz que enviar forças terrestres “não está sobre a mesa” e pede que haja entendimento entre curdos e turcos.
Putin e Obama não querem guerra de jeito nenhum, mas poderiam até ser levados a entrar nela.
Caso os russos vençam batalhas terrestres e bombardeiem concentrações de tropas inimigas (não acredito que ataquem cidades cheias de civis), os EUA acabariam tendo de intervir militarmente.
Veríamos russos e americanos se enfrentando no campo de batalha.
E, de uma hora para outra, desenha-se a 3ª Guerra mundial.
Bem, essa visão apocalíptica está mais para o enredo de um filme de Spielberg do que para uma previsão razoavelmente realista.
Acredito que seja mínimo o risco dessa loucura acontecer.
Por menor que seja, não deixa de ser um risco.
E Erdogan, o responsável, não fica nada bem na fotografia.