No Egito, um golpe de Estado derrubou o presidente Morsi – eleito depois da queda do ditador Mubarak.
Foi instituído um regime sob tutela militar. Que matou cerca de 1.000 opositores e persegue a imprensa e a Irmandade Muçulmana, tendo prendido cerca de 20.000 pessoas.
Na Líbia, uma revolução apoiada pelo Ocidente derrubou o ditador Gadafi. Em seguida, o caos instaurou-se no país, milícias armadas pelo Ocidente dominam regiões inteiras, prendem e matam rivais e rejeitam o governo central.
Na Síria, uma revolução contra o presidente Assad, encampada pela Arábia Saudita, EUA e países do Golfo, acabou parcialmente sob controle de grupos jihadistas. 3 anos e 100 mil mortos são seu saldo, sem esperanças de se chegar a um acordo de paz.
Diante de maciços protestos populares no Yemen, o ditador Haleh foi convencido pelo seu patrocinador, os EUA, a deixar o poder. Numa estranha eleição de candidato único, o governo eleito passou a enfrentar a al Qaeda, no sul, e os xiitas, no norte.
Em seu auxílio, os drones americanos fazem tambem vítimas civis, estimulando jovens a se alistarem nas fileiras do terrorismo.
No Bahrein, os rebeldes vem sendo dominados a ferro, fogo e torturas pelo governo monárquico.
No Kuwait e na Arábia Saudita, as forças de segurança locais brecaram as manifestações logo no nascedouro. Usando os métodos de sempre.
Parecia que na Tunísia, a Primavera Árabe também acabaria sendo estéril.
Houve eleições parlamentares e o vencedor, o partido Ehnanda, ligado à Irmandade Muçulmana, teve de encarar gravíssimos problemas.
A crise econômica da Europa, principal mercado consumidor da Tunísia; a crise gerada pela profunda mudança no regime; a oposição radical dos partidos salafitas e a desconfiança dos partidos seculares.
O governo ditatorial deposto já vinha apresentando dados econômicos e sociais alarmantes: em 2010, o desemprego atingia 14% ; o índice de pobreza era de 40% e o país, que crescera 5% em média na década anterior, agora registrava queda de -3,8%.
E a situação se agravava, devido às naturais dificuldades que um governo, vindo para mudar tudo, tem para implementar as transformações requeridas.
O resultado foi uma inevitável lentidão para fazer com que as coisas começassem a acontecer.
Mas, mais de 800 mil desempregados não podiam esperar muito.
O movimento salafista aproveitou o desencanto geral para deflagrar uma série de movimentações de massa violentas, greves e atentados contra as forças de segurança.
Exigiam que a sharia – leis islâmicas de 800 anos atrás- fosse aplicada estritamente no país, contra a posição já firmada pelo governo.
Sua pregação pegou bem especialmente nas áreas mais pobres, que sofrem mais os efeitos da crise econômica e são mais influenciadas por idéias religiosas.
Por sua vez, os políticos seculares não confiavam no governo de um partido próximo à Irmandade Muçulmana. Temiam que pretendesse tornar o país uma república islâmica, submetida aos dogmas do Alcorão.
O assassinato de dois líderes esquerdistas pôs mais lenha na fogueira.
O governo atribuiu o crime aos salafitas e prometeu que os autores do crime seriam punidos.
Mas os oposicionistas seculares o acusavam de cumplicidade ou pelo menos tolerância para com os criminosos.
E saíram às ruas em grandes manifestações que pediam a renúncia do primeiro ministro e alterações nos textos constitucionais que já se achavam em discussão.
O governo cedeu, em parte. Substituiu o primeiro-ministro Ganouchi por um técnico, desvinculado a qualquer partido.
Nos debates constitucionais, seculares e membros da Ehnanda fizeram concessões e, por fim, chegaram a um acordo final.
O resultado foi um texto emblemático, o mais democrático no mundo islâmico.
Demonstra ser falso o postulado de que os árabes só aceitam ou um regime secular autoritário ou um regime religioso submetido às leis islâmicas.
A Constituição tunisiana não é nem secular, nem islâmica.
A sharia não é mencionada nem sequer como princípio inspirador das leis (como acontece no Egito), mas o islamismo é considerado a religião do Estado.
Outros artigos abordando questões religiosas não são muito claros.
Podem comportar diversas interpretações, algumas são em favor do islamismo, embora pouco significativas.
Garante-se os direitos à educação e saúde grátis, a liberdade de imprensa e de expressão da opinião.
A igualdade entre os sexos é preservada.
Há uma nítida divisão entre os poderes.
A tortura é considerada crime e taxativamente proibida.
Além dessas conquistas, todas as demais garantias dos direitos individuais são consagradas pela Constituição da Tunísia.
Ramed Ghannouchi, que aceitou renunciar a seu cargo de primeiro ministro, considera o novo texto constitucional “…um casamento entre os dois modelos (secular e islâmico) “.
Alguns observadores acham que esse feliz resultado, único na Primavera Árabe, deve-se ao fato de que a Tunísia não tem muito interesse para os EUA e o Ocidente.
Não tem petróleo, nem gás, nem fronteiras com Israel, nem é uma potência importante no mundo islâmico.
Por isso, as grandes potências não se intrometeram na política do país.
Levou 3 anos, mas a Tunísia, por fim, conseguiu aprovar uma constituição democrática exemplar.
Foi um grande passo, mas ainda falta eleger o presidente, em outubro.
Só então a Primavera Árabe terá realmente se firmado no país.