Há quase três anos, desde o início a Guerra do Iêmen, a coalisão militar saudita decretou o bloqueio naval do território sob o domínio dos rebeldes houthis. Hodeida, de longe o maior porto dos rebeldes houthis, foi o principal alvo do bloqueio. Ali, o controle é tão demorado que a maioria dos navios, trazendo suprimentos, combustível e remédios, acaba indo embora.
A ONU sempre advertiu a coalisão das trágicas consequências da decisão da Arábia Saudita e aliados. E, de fato, carente de alimentos (90% eram importados antes da guerra), petróleo e medicamentos, o Iêmen está perto de se tornar uma catástrofe humanitária.
No mês de outubro, diante das centenas de bombardeios da coalisão que devastavam o norte iemenita, os houthis reagiram de forma modesta: lançaram um único míssil contra Riadh, o qual aliás nem explodiu no solo, abatido pelo avançado sistema anti-míssil saudita.
Para o rei Salman e seu príncipe herdeiro bem-amado, Mohamed, foi uma afronta imperdoável, merecedora da mais dura punição.
A partir de 6 de novembro, foi decretado o bloqueio total do Iêmen por terra, mar e ar. Nada mais poderia entrar no país.
9 dias depois, os chefes da UNICEF, da Organização Mundial da Saúde e do Programa Mundial de Alimentos, fizeram um apelo à coalisão militar comandada pelos sauditas, reforçando o pedido da ONU. Era urgente o fim do bloqueio total pois, caso continuasse, o número atual de 7 milhões de habitantes à beira da fome diária poderia aumentar em mais de 3 milhões.
Citaram como exemplo o que o bloqueio causou no porto de Hodeida, somente no dia 15.
29 navios não puderam aportar, deixando de desembarcar 300 mil toneladas de alimentos e 192 mil de combustíveis. Entre os navios barrados, havia diversos da ONU, que transportavam suprimentos alimentícios e medicamentos no valor de 10 milhões de dólares, incluindo 25 mil toneladas de trigo (Reuters, 16-11).
Em entrevista ao Middle East Eye, Varkey -representante da UNICEF, focalizou a falta combustíveis: “Existe uma crise de combustíveis. Alguns cálculos sustentam que os combustíveis vão durar apenas mais 20 dias no Iêmen, devido ao bloqueio e às dificuldades para trazer combustíveis ao pais.”
A UNICEF tem contribuído para o fornecimento de água limpa, garantindo a entrega de combustível às estações de bombeamento de água das cidades.
Agora, a prestação desse serviço ficou complicada.
“Sem combustíveis, manutenção de cadeias de frio para vacinação, suprimentos de água e tratamento das águas residuais, as usinas param de funcionar. Sem comida e água limpa, a ameaça de fome diária aumenta dia a dia”, informa a ONU. ”Pelo menos um milhão de crianças estão sob risco de contrair uma epidemia de difteria de rápida disseminação. Se o seu curso não for interrompido, as vidas de 400 mil mulheres grávidas e bebês com menos de três anos, estão ameaçadas devido à falta de remédios.”
O Iêmen sofre também um dos piores surtos de cólera do mundo, que já contaminou um milhão de pessoas e matou 2.200.
O número de novos casos de cólera mostrou redução nas últimas 8 semanas. No entanto, a falta de combustíveis poderá até mesmo inverter esta tendência declinante.
A coalisão liderada pela Arábia Saudita “atendeu” aos apelos das agências humanitárias da ONU. O porto de Aden, sob seu controle, foi reaberto. Hodeida permanece fechado.
O problema continua sem solução, pois Hodeida é praticamente a única via para a entrada no norte do país de alimentos, medicamentos e combustíveis. O comando saudita recusa-se a encerrar o bloqueio desse porto.
O aeroporto de Sanaa, sob controle rebelde, estava sendo usado para a importação de parte dos suprimentos necessários. Depois de pesado bombardeio efetuado pela coalisão, suas instalações foram parcialmente destruídas ou danificadas, reduzindo ainda mais a chegada dos produtos essenciais de que o Iêmen é carente.
Desde seu início, a campanha de ataques aéreos sauditas visou a infra- estrutura de água.
Em abril de 2015, foram destruídos equipamentos das usinas de tratamento de água em Sanaa. As usinas pararam de funcionar de uma vez poucos meses depois dos aviões da coalisão liquidaram também a rede elétrica da cidade, cortando o acesso a água limpa de milhões de pessoas (The Intercept– 16-11).
A AP (16-11) relata mais dados impressionantes. Cada dia, 130 crianças iemenitas morrem por fome extrema e doenças diversas. Para o grupo Save The Chuldren (Salve as Crianças), com a continuação do bloqueio saudita, esse número provavelmente crescerá. Acredita-se que 50 mil crianças terão morrido em 2017.
Esse drama terrível impressionou dois senadores americanos: Randy Paul, libertário republicano, e Chuck Murphy, democrata. E eles ficaram indignados pelo fato do governo americano estar enviando armamentos em massa à Arábia Saudita. Grande parte para reposição de armas e bombas na Guerra do Iêmen.
Contribuir para o massacre do povo do Iêmen não lhes pareceu certo para um país que se proclama defensor dos direitos humanos.
Randy Paul e Chris Murphy resolveram agir. Apresentaram projetos de lei ao Senado, visando impedir a exportação de armas americanas para as forças sauditas usarem numa guerra profundamente desumana.
A maioria do Senado não pensava como eles: as leis dos dois corajosos senadores foram derrotadas. E por senadores de ambos partidos.
A América continua apoiando os agressores.
“Nenhuma bandeira é suficientemente grande para cobrir a vergonha do assassinato de pessoas inocentes”, Howard Zinn, em “A Outra História dos Estados Unidos.”.