Tudo começou com alguns garotos pintando frases contra o regime numa parede da cidade de Deraa.
As forças de segurança prenderam e espancaram brutalmente.
A história se espalhou e rapidamente explodiu a ira represada da população contra uma ditadura de 11 anos, que proibia a oposição. Seguiu-se uma manifestação popular de protesto. Que foi reprimida violentamente pelas forças de segurança.
O governo pensava que, assim, iria calar o povo mas aconteceu um efeito contrário. Mais gente saiu às ruas gritando contra o regime.
Aumentaram as passeatas, agora também em outras cidades. A repressão do governo aumentou, sucederam-se prisões e casos de tortura. E as forças de segurança passaram a atirar no povo. O que causou um aumento diário do número de pessoas mortas.
Como o governo proibiu a entrada da imprensa estrangeira, as únicas informações disponíveis vinham da Oposição. Claro que havia exagero, mas os filmes divulgados pelo You Tube eram esclarecedores: revelavam que de fato a polícia e também o exército praticavam violências contra pessoas que protestavam.
A princípio, as manifestações eram pacíficas. Com a adesão de desertores, jihadistas e milicianos vindos da Líbia e das regiões sunitas do Iraque, os rebeldes também se armaram e passaram a atacar as forças do governo.
Enquanto isso, o governo de Bachar al-Assad foi se isolando. Perdeu aliados importantes como a Turquia, o Egito, a Liga Árabe e até mesmo o Hamas.
Ao seu lado, restaram a Rússia, o Irã, o Libano e talvez o Iraque. A China tem uma posição equilibrada, busca a paz.
Começa a se esboçar uma guerra civil, com a entrada da Irmandade Muçulmana e da Al Qaeda do lado dos rebeldes e disposição da Arábia Saudita e do Qatar de fornecer armas à revolução.
Até o momento, a ONU contabiliza 5.400 mortos e Bashar afirma que já morreram dois mil soldados.
O governo apresentou o esboço de uma Constituição, que estabelece leis democráticas como o pluripartidarismo, eleições livres, mandato de 7 anos para o presidente, com apenas uma reeleição.
Mas é tarde. A principio, os rebeldes pediam uma Constituição democrática, agora, como diz Khalef Daowd, da Coordenação Nacional por uma Mudança Democrática: “O povo nas ruas hoje tem exigências e uma delas é a queda do regime.”
Não será fácil.
O exército do governo é poderoso e superiormente motivado. E conta com a Rússia para supri-lo de armamentos modernos.
Uma intervenção militar da OTAN continuará sendo vetada no Conselho de Segurança da ONU pela Rússia e pela China.
Provavelmente, nem o Ocidente estaria disposto a repetir a aventura da Líbia. Intervieram militarmente para salvar vidas e dar democracia ao país. E sua aviação matou centenas de líbios e o que existe agora na Líbia é uma desastrada anarquia, com o país entregue à violência das milícias, que não obedecem às leis.
É provável que alguns países do Ocidente e da Liga Árabe forneçam armamentos aos rebeldes, inclusive tanques de guerra e artilharia. O reforço dos jihadistas e dos milicianos sunitas iraquianos também não é de se desprezar . E a Al Qaeda já entrou em ação. Terroristas suicidas explodiram dois edifícios do governo, matando 28 pessoas e ferindo 235. Muito provavelmente, a organização foi responsável pelo assassinato, recente, de um general sírio.
Os EUA farão o que puderem para destruir o governo de Bachar al-Assad. Não tanto por razões humanitárias, afinal o governo do Bahrain também atirou e continua atirando no povo, prendeu e torturou médicos por terem cuidado de manifestantes feridos, sem que a Casa Branca o condenasse.
O que move os americanos contra o governo sírio é a ideia de isolar o Irã, afastando um dos seus maiores aliados no Oriente Médio. E, por tabela, enfraquecendo o Hisbolá, que tem nos sírios seu grande apoio.
A Arábia Saudita, cujo regime é uma das ditaduras mais repressivas e retrógadas do mundo, também quer ver Bashar destruído, de olho no problema que isso causará ao sempre ameaçador e xiita Irã.
A esperança dos rebeldes reside justamente nestas razões políticas do “humanitarismo americano-saudita”. Eles pretendem resistir ao máximo, divulgar as violências do adversário pelo mundo afora até criar uma onda mundial de apoio efervescente. O que talvez anime Obama e Sarkosy, que tem eleições pela frente, a intervir militarmente. Exemplo que poderá ser seguido pela Arábia Saudita, que não tem escrúpulos de atacar quem lhe interesse (desde que tenha as costas quentes) e o Reino Unido, cujo governo conservador segue sempre seu líder do outro lado do Atlântico.
Mesmo assim, é complicado. Nem Obama nem Sarkosy e nem Cameron vão topar uma invasão, que iria custar dinheiro que suas economias enfraquecidas não tem para jogar fora. Terão de imitar a solução líbia. Só que a Síria não é a Líbia. Só com bombardeios não será vencida.
Resta a solução russa, apoiada pela China: as duas partes se reúnem e negociam a paz.
Infelizmente, dificilmente esta solução iluminará as mentes dos dois antagonistas.
Em primeiro lugar, porque Assad não aceitará sair da jogada. No máximo, o que poderia se conseguir seria a formação de um governo paritário e eleições livres (fiscalizadas pela ONU).
Em segundo lugar, porque é pra lá de duvidoso que os rebeldes aceitem. Talvez mesmo, quase impossível.
Em terceiro lugar, mesmo que haja concordância num plano semelhante, os EUA não vão topar. Tanto Obama, quanto a sra. Clinton já declararam mil vezes que Assad não merece mais governar. Simplesmente porque ele representa a continuação da amizade com o Irã e o do apoio ao Hisbolá. E a diplomacia yankee não quer perder este jogo que ela considera ganho.
Finalmente, é preciso falar sobre a questão religiosa.
70% da Síria é sunita, os outros 30% são alauitas, cristãos ortodoxos e xiitas. Assad é alauita, assim como a maioria dos seus ministros e chefes militares. Alguns deles são cristãos ortodoxos e xiitas. Ao que se sabe, pouquíssimos sunitas ocupam cargos de alguma importância. Fora isso, eles tem os mesmos direitos dos outros.
Mas o estado sírio é secular. Suas leis pretendem respeitar os princípios islâmicos, não a sharia (leis do Alcorão)
Já os rebeldes são, em geral, sunitas. Por sua vez, Assad é tido como um governo das minorias religiosas, tanto é que muito poucos cristãos aderiram aos rebeldes. Recentemente alguns dos destaques da comunidade referiram seus temores de um banho de sangue no caso da vitória rebelde.
Havendo eleições livres, o partido dos sunitas tem as maiores chances de vencer, justamente por serem maioria.
Pensando nisso, a constituição de Assad proíbe a formação de partidos religiosos, o que, aliás, não deixa de ser correto.
É claro que os sunitas podem driblar facilmente esta barreira: basta se unirem num partido cujo estatuto pregue o secularismo, respeitando os princípios islâmicos, sem mencionar o credo sunita.
Esta solução esbarra na exigência básica dos rebeldes: nada de Bachar. E bate de frente com o continuísmo do presidente que, tendo somente 11 anos de governo, teria, segundo sua constituição, mais 3.
E assim o drama sírio continua imerso em trevas e assim ficará à espera de uma luz que ainda não surgiu.