Se a anexação da Crimeia deu sanções, porque não a do Golã?

Em 2014, a Rússia invadiu a Crimeia e anexou a península a seu território, violando a soberania da Ucrânia, garantida pelas leis internacionais.

Em resposta, a União Europeia uniu-se aos EUA, impondo aos russos sanções que afetaram pesadamente sua economia,  causando fuga de capitais e um tombo no rublo, além de atingirem duramente os setores da energia e de equipamentos militares.

Moscou revidou, banindo importações de frutas, queijos e outros alimentos, o que deixou os países europeus amargando perdas substanciais na exportação desses produtos.

Comentando as discussões que precederam as sanções, Biden, o vice-presidente americano, foi claro : “È verdade que eles (os europeus) não queriam fazer aquilo (as sanções). Foi a liderança americana do presidente Obama, insistindo e quase tendo de constranger a Europa…”

Empresas do velho mundo temiam que a retração, efeito colateral das sanções, prejudicaria sensivelmente seus grandes interesses na Rússia. ”Para elas,” disse Anton Boerner, chefe da BGA (Associação Alemã de Atacado e Comercio Externo), “as sanções econômicas seriam uma catástrofe”.

Para os russos, foi algo parecido.

No ano seguinte à decretação das sanções, o PIB caiu 2,8%.

Em 2017 Moscou começou a se recuperar e em 2019 espera-se um crescimento de 1,6%; (Alex Kudrin, 5º Forum Internacional da Universidade Financeira”).

Israel também incorreu na violação da soberania de outro país. Em 1967, invadiu e ocupou as colinas de Golã, parte integrante do território da Síria.

Nos anos seguintes, o objetivo de Telaviv foi proceder a uma limpeza étnica da região.

Em 2010, investigação do jornal Haaretz apurou que cerca de 131 mil sírios foram expulsos do Golã. Além disso, o exército israelense destruíra 200 aldeias sírias (+972, 18-07-2017).

Por outro lado, Israel estimulou a transferência de colonos judeus para assentamentos no Golã. Hoje, eles já somam 30 mil nas terras e cidades dos sírios e drusos.

Em 1981, o governo israelense decretou a anexação do Golã, tornando-o, unilateralmente, parte do Estado de Israel.

Foi uma medida totalmente ilegal, repudiada pela ONU (resolução 497, de 1981) e por todos os países do mundo, inclusive os EUA. O próprio Ronald Reagan, na época presidente do país, criticou a anexação, declarando-a “nula e sem efeitos, viola os princípios internacionais, que proíbem a aquisição de territórios pela força.”

Tanto na Crimeia, quanto no Golã houve anexações, igualmente ilegais pois, conforme as leis internacionais, nenhum país pode conquistar territórios de outro país.

Este princípio foi desrespeitado no século 20 quando Adolf Hitler passou para a Alemanha a região dos Sudetos, que integrava a Checoslováquia.

É verdade que a anexação russa foi agravada pelo seu apoio à rebelião do leste ucraniano, algo também condenado pela leis internacionais.

Sucede que, ao contrário dos israelenses, os russos não expulsaram povo algum e promoveram um referendo no qual a população local optou pelo ingresso da Crimeia na Federação Russa. Muito mais por ser a maioria dos habitantes russa, do que pela presença possivelmente intimidante de tropas do governo de Moscou– as quais, aliás, não interferiram no pleito.

Na Crimeia, não houve limpeza étnica, nem transferência de populações, como aconteceu no Golã, onde a anexação a Israel, foi imposta, sem se ouvir o desejo da população.

Seja como for, as duas anexações merecem punições igualmente duras.

É simples assim.

No entanto, a realidade é bem outra.

Enquanto os russos foram severamente sancionados, Israel não sofreu nada.

O fato de nenhum país reconhecer o Golã como território israelense nunca incomodou o primeiro-ministro Netanyahu. Afinal, ele estava blindado pelo poderio dos EUA, seu protetor.

Para a Síria conseguir reposto seu direito violado pelas armas israelenses tem sido uma missão impossível. A ONU, a quem cabe a função de garantir justiça nas relações entre as nações, revelou-se impotente diante dos EUA. O país de Jefferson e de Washington, embora não aceitasse (até a semana passada) a tomada do Golã, vetaria qualquer medida que desagradasse Israel na questão.

Até agora, a comunidade internacional fez de conta que não reconhecer a anexação do Golã à força seria suficiente para punir Israel.

Só que as sanções aplicadas à Rússia, por fazer a mesma coisa na tomada da Criméia, são incomparavelmente piores.

E põe pior nisso.

Além das infrações das leis internacionais incursas na anexação israelense, lembro que a diferença marcante entre as duas punições adotadas para infrações iguais fere o conceito da isonomia – universalmente aceito na civilização moderna.

Quando as constituições democratas afirmam unanimemente que “todos são iguais perante as leis,” estão se referindo também a Estados.

Não dava para imaginar que os EUA, pátria da democracia poderiam desrespeitar princípios tão augustos.

O problema é que com o transtornado Donald Trump, tudo é possível.

Na semana passada, ele reconheceu publicamente que a absorção do Golã por Israel era não só válida legalmente, como até necessária.

Foi um escândalo internacional.

A União Europeia fez questão de conclamar que continuava condenando a anexação israelense.

Até o respeitado New York Times lamentou em editorial a decisão do morador da Casa Branca, considerando-a “uma provocação sem sentido”…que teria a ver mais com as políticas de Israel do que com os interesses americanos.”

Agora, não dá mais para dizer que o mundo inteiro não aceita a ação ilegal e violenta da Israel, já que seu líder mais forte a defende.

Não resistindo à tentação de agradar seu mestre, o vice-presidente Mike Pence proferiu: “Nós (os EUA)_ficamos ao lado de Israel porque sua causa é a nossa causa, seus valores, os nossos valores, sua luta, a nossa luta (al Jazeera, 26-03-2019).”

Aí foi demais. Não precisava ofender os EUA.

Não creio que sejam valores americanos o apartheid (pelas novas leis, Israel é um país só de judeus, excluindo-se os 20% habitantes árabes), o massacre da oposição (vide assassinato a tiros de 189 manifestantes palestinos pacíficos junto à fronteira de Gaza) e a ocupação militar de uma nação estrangeira (nos casos da Palestina e do Golã).

Os dados já estão lançados. Qual o lance dos europeus, agora que The Donald mudou uma posição antes compartilhada com seus aliados do Ocidente?

Engolirão o desaforo?

Ou aproveitarão para mostrar aos EUA que já estão usando calças compridas?

Seria fantasia pretender que ousassem levar à ONU a proposta de sancionar Israel, sem chance diante da imensa força dos EUA.

Acredito que haja uma solução mais realista, caso os líderes da Europa queiram deixar claro que não aceitam dois pesos e duas medidas nas relações internacionais.

Cancelar as sanções contra a Rússia.

Ganhariam o apoio dos seus países, onde Trump dispõe de imagem desastrosa.

Receberiam aplausos das empresas que negociam com Moscou, inclusive os fazendeiros, até ultimamente dependentes de subsídios para suportar as perdas advindas do fechamento do mercado russo para os alimentos que produzem.

Claro, teriam de enfrentar a fúria de Donald Trump.

Vão ver que, apesar de The Donald não dar a mínima para leis em geral, há uma que ele segue.

A lei da selva.

 

 

 

 

 

 

 

 

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