Os EUA, Israel e a Arábia Saudita compartilham um grande objetivo no Oriente Médio: colocar o Irã de joelhos.
O atrevido país dos aiatolás tem a audácia de disputar a liderança na região com os EUA e seus associados sauditas. Constantemente ataca o regime sionista de Israel, defendendo sua substituição por um regime igualitário para todas as raças e religiões.
Como é natural, as três potências buscam se aliar para desferir um golpe mortal no inimigo comum.
Mas há um porém. Sem a paz com os palestinos, seria impossível unir Riad a Telaviv, pois traria aos sauditas as maldições de todos os muçulmanos, para quem a luta por um Estado palestino independente é uma cláusula pétrea.
A pesquisa Índice da Opinião Árabe, do Centro Árabe de Estudos Políticos, Qatar, em todo o mundo árabe, mostra que 75% sustentam que a paz na Palestina interessa a todos os seus países.
Graças à ocupação da Cisjordânia, Israel é visto como uma das bestas do Apocalipse pelos povos árabes. Na pesquisa da instituição sediada no Qatar, 67% dos respondentes pensam assim. E 90% consideram Israel a maior ameaça à segurança nacional do seu país.
Ampla maioria (87%) é contra a ideia do seu país estabelecer amplas relações diplomáticas com os israelenses, a menos que os sonhos de independência dos palestinos sejam atendidos.
Nesse caso, Israel seria aceito. E aí poderia juntar forças com a Arábia Saudita e os EUA para enfrentarem os iranianos, até militarmente, se fosse conveniente.
Segundo o New York Times de 5 de dezembro de 2017, Kushner, o príncipe consorte da dinastia Trompa, foi enviado a Riad com o plano do seu sogro para superar esse obstáculo.
Ele apresentou ao príncipe Mohamed bin Salman (MBS, como é conhecido), eminência parda do reino saudita, um briefing do plano chamado por seu presidencial sogro de “o acordo do século”.
MBS o recebeu com esfuziante alegria: maravilha, seria o caminho para se chegar à tão desejada paz.
É verdade que parecia ter sido escrito em parceria com o primeiro-ministro Netanyahu, tal seu viés pró-Israel. Praticamente nenhuma das principais reivindicações palestinas estavam comtempladas.
Confiando na docilidade de Mohamed Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, o príncipe convocou-o para lhe apresentar a solução que desataria o nó que amarrava os planos da Tríade (EUA, Arábia Saudita e Israel), certo de que só colheria aplausos.
Afinal, para compensar as posições dos palestinos esquecidas, o plano propunha a concessão de bilhões em investimentos para dar um jeito na precária situação da região.
Diante do horror estampado no rosto lívido de Abbas, o príncipe insistiu – inclusive teria apelado para o pragmático brado de Bill Clinton, “é a economia, estúpido.”
O presidente palestino limitou-se a balbuciar um esquálido “vou pensar”. Afinal, durante anos ele havia considerado Washington o farol que levaria o barco palestino para um final digno de um musical da Metro dos anos 50. E agora, o farol parecia estar levando o barco contra pontiagudos rochedos.
Chegando em casa, Abbas telefonou a uns tantos líderes árabes para lhes dar a infeliz nova. Todos foram unânimes em rogar pragas contra Trump e MBS.
Nos dias seguintes, Abbas demonstrou não ter assimilado a situação. Foi vago, falando a repórteres que nada havia de muito concreto, tudo continuava igual…
Saiu do seu estupor quando, praticamente uma semana depois, The Donald anunciou com muitas fanfarras o reconhecimento de Jerusalém como capital indivisível de Israel e novo local da embaixada americana no país.
Seria o fim de uma das principais metas de todos os palestinos.
Aí, não tinha jeito, para não ser chutado do seu cargo, Abbas teve de romper as negociações de paz com os EUA, já que Trump se revelara um falso mediador, francamente do lado de Israel.
Houve troca de ataques e lamentações de ambas as partes.
E pior: chefes de governos árabes, bons amigos da Casa Branca, como a Arábia Saudita, os Emirados do Golfo e o Egito, lançaram seus protestos.
O príncipe MBS ficou sem moral para falar em juntar todo esse pessoal com os EUA e Israel, numa guerra de morte ao Irã.
Trump deixou a questão de lado durante alguns meses. O rugir da Coreia do Norte era um problema mais urgente.
Uma vez acalmada sua troca de invectivas com o ditador Kim Jong un, voltou suas atenções para o Irã, contra quem jogou no lixo o acordo de paz nuclear, lançou novas sanções e ameaçou fechar o rico mercado americano às empresas europeia que negociassem com o inimigo.
Mais recentemente, partiu para o jogo bruto, ameaçando Teerã, com “consequências que nenhum outro país do mundo já sofrera.”
Com isso só conseguiu unir o orgulhoso povo iraniano ao presidente Rouhani, que, aliás, vinha sendo questionado, inclusive pelos reformistas locais, seus aliados.
Descendo ao mundo frio da realidade, Trump imaginou uma jogada para forçar a Arábia Saudita, os Emirados do Golfo, a Jordânia e outros países anti-Irã a se mexerem para ajudá-lo a enfiar goela abaixo de Abbas a aprovação do seu “acordo do século”.
Sendo atendido, além de abrir um sorriso no semblante querido de Netanyahu, a paz entre Israel e o mundo árabe seria possível. E assim a tríade, devidamente aplaudida em todos os recantos do Oriente Médio, poderia acabar com o regime iraniano.
Dirigindo-se à Arábia Saudita e aos os demais países interessados nessa empreitada, The Donald pôs suas cartas na mesa.
Vocês querem que os EUA os liderem contra seus inimigos iranianos até mesmo numa eventual guerra? Ótimo, mas tem uma condição: antes tratem de conseguir dobrar Abbas para ele e o seus aceitarem a pax americana, o que nos liberará para trazer Israel para nossa aliança anti-Irã, sem que os seus súditos e as massas do todo o mundo árabe explodam em protestos possivelmente com consequências que nenhuma outra região do mundo sofreu (parafraseando as impactantes ameaças do presidente Trump ao governo de Teerã).
Seria um Royal Straight Flush (a jogada máxima no Poker). Com a pressão da poderosa Arábia Saudita à frente, todos os Emirados do Golfo e outros países liderados por Riad se lançariam à missão de levar Abbas para o bom caminho (o deles).
O príncipe saudita começou a fazer a sua parte.
Em seu glorioso feérico tour pelos EUA, em março, brindado pelo carinho maciço massa de empresários e políticos locais, MSB declarou em entrevista à revista The Atlantic: “Os israelenses têm direito de viver pacificamente em seu próprio país.”
Considerando que a maioria dos líderes árabes ainda tem muitas dúvidas sofre esses direitos, foi certamente uma posição surpreendente e vista com cautela nas chancelarias do Oriente Próximo.
Eis que em abril, o príncipe foi muito mais adiante.
Numa reunião com líderes de lobbies americanos-pró-Israel, MBS tascou: “Está na hora dos palestinos receberem as propostas (americanas) e concordarem em vir para a mesa de negociações ou calar-se e parar de reclamar (Canal 10 de Israel, 30-4-2018, e Haaretz, 1-5-2018).”
Segundo o Haaretz, os lobistas literalmente caíram de suas cadeiras de espanto. E Trump pulou de alegria: com o príncipe no barco, Abbas não teria coragem de dizer não.
Afinal, era MBS quem mandava na política externa saudita, não era?
Não era.
Um diplomata árabe de alto nível, em Riad, declarou à Reuters: “Na Arábia Saudita, o rei é quem decide nesse assunto, não o príncipe coroado.”
E, agora, passo a comentar fatos noticiados pela Reuters e pelo Middle East Eye, nas suas edições de 30 de julho, baseados em informações confiáveis, referendadas por dois diplomatas que participam das conversações sobre a questão palestina.
O rei Mohamed bin Salman declarou com todas as letras que não apoiaria um plano de paz que não tornasse Jerusalém Oriental a capital do novo Estado palestino e negasse a volta dos refugiados expulsos por Israel.
Essa posição, Salman comunicou a vários dirigentes de países árabes. Especialmente àqueles que The Donald tinha apelado para pressionarem Abbas a seu favor.
Em reunião com o próprio Abbas, o rei afirmou seu apoio aos palestinos. Ele continuava comprometido com a chamada Iniciativa de Paz Árabe, proposta, em 2002, pelo príncipe Abdulla, então príncipe herdeiro da Arábia Saudita, com apoio da Liga Árabe. Seus pontos básicos são: a fundação de um Estado Palestino independente, nas fronteiras de 1967 (com trocas de terras entre Israel e o novo país), tendo Jerusalém Oriental como capital, e uma “solução justa” para os milhões de refugiados palestinos expulsos por Israel nas guerras de 1948 e 1967.
Basicamente, é o que os palestinos querem.
Em compensação, todos os estados árabes reconheceriam Israel e estabeleceriam relações diplomáticas completas com esse país. Em 2007, os EUA, a Europa, as Nações Unidas, a Liga Árabe e a Autoridade Palestina aprovaram esse plano. Só Israel rejeitou.
Depois se colocar favorável à independência palestina, Salman ainda concedeu uma ajuda de 200 milhões de dólares a Abbas para compensar os cortes na ajuda americana feitos por Donald Trump. Posteriormente adicionou mais 80 milhões.
Depois da decisão real, o Egito e a Jordânia sentiram-se encorajados a afirmar que eles também não aceitariam um plano de paz sem apoio palestino. O governo de Aman justificou-se: se fechasse com The Donald e Israel teria de encarar uma revolta da população local, que poderia chegar longe demais.
Sabe-se que o “acordo do século” é radicalmente oposto à Iniciativa Árabe de Paz. Ele prevê independência limitada, sendo o Estado palestino, reduzido a um grupo de territórios não contíguos; a manutenção de quase todos os assentamentos; Jerusalém capital só de Israel, além de passar de largo à questão dos refugiados.
Anuncia-se que a divulgação do plano Trump está por pouco. Talvez ele tenha promovido algumas alterações para o tornar mais palatável aos árabes.
Não espere nada de significativo, algo que Netanyahu aceitaria.
The Donald é fiel a Israel.
Mais exatamente aos lobbies israelenses que dominam o Congresso dos EUA; aos poderosos grupos econômicos, que os financiam; aos jornais e emissoras de rádio e TV, que dependem dos anúncios desses grupos; ao iludido eleitorado evangélico-sionista. É um impressionante bloco, que representa muito dinheiro, muito poder, muitos votos.
A política de Israel, first pode ser benéfica a Donald Trump. Mas é prejudicial aos EUA, interessados em se apresentarem no Oriente Próximo como um amigo dedicado e paternal dos árabes. Afinal a região é de alto valor econômico e geo-político para o império.
Veja o que diz o general David Petraeus, ex-comandante dos EUA no Oriente, um militar que nada tem de progressista ou liberal. Para ele: “A raiva árabe (em relação aos americanos) na questão palestina limita a força e a profundidade da parceria dos EUA com os governos e o povo da região.”
Os fatos não mentem jamais. A pesquisa Índice da Opinião Árabe, citada acima, desenha uma forte rejeição a Washington.
Os EUA tiveram a política externa mais contestada, com 79% de reprovações, contra 12% de aprovações; foram considerados a segunda maior ameaça à segurança de cada país (Israel lidera negativamente) e sua política em relação à Palestina ganhou a condenação de 87% dos respondentes.
Na minha opinião, Trump achava que, com os investimentos e ajudas previstas no seu plano, Abbas e seus seguidores, pressionados pelos países do Golfo, acabariam vendendo a independência palestina.
Agora que o rei saudita se recusou a protagonizar essa armação, tudo poderá ficar mais difícil.
Talvez seja uma chance única para que Macron e Merkel recoloquem a solução dos 2 Estados na mesa de negociações.