Os EUA pressionam a Europa para sancionar o Irã.

É hábito de Washington tentar convencer aliados a assumirem como deles problemas que são dos EUA.
Nos termos do Acordo Nuclear com o Irã, em outubro deste ano vencem sanções que proíbem Teerã de importar ou vender armamentos.
Através de Mike Pompeo, seu secretário de Estado, o governo Trump afirmou em reunião do Conselho de Segurança da ONU que essas sanções têm de ser renovadas. Caso contrário a segurança dos países signatários do acordo (Alemanha, Reino Unido, França, Rússia e China) estaria seriamente ameaçada pelo dito perigo iraniano.
Esta advertência é totalmente inadequada.
Os EUA não têm nada a ver com a questão pois não fazem parte do Acordo Nuclear, do qual se retiraram há dois anos. Não passam de xeretas, pretendendo dar ordens onde não tem direito algum.
Quem decide sobre renovação ou fim das sanções previstas no Acordo Nuclear são, evidentemente, seus membros atuais: França, Alemanha, Reino Unido, Rússia e China.
Aliás, o Irã nunca ameaçou atacar qualquer signatário do acordo. Sua briga é com Israel, por motivos político-religiosos e com a Arábia Saudita, apoiada por seu patrono, os EUA, pela hegemonia no Oriente Médio.
Claro, o inimigo principal de Teerã é o governo americano, mas nenhum dos seus estadistas são suicidas, portanto jamais começariam uma luta armada contra os sobrinhos de Tio Sam.
O trêfego Pompeo, na ânsia para mostrar serviço a seu chefe, usou um exemplo errado para mostrar o soi disant perigo que pesaria sobre os europeus: “se vocês falharem ao decidir, o Irã estará livre para comprar aviões de caça da Rússia, com alcance de milhares de quilômetros, colocando cidades como Riad, Nova Delhi, Roma e Varsóvia na mira dos iranianos.”
Em um tuíte anterior, Pompeo havia esclarecido que o avião a que se referia era o moderníssimo SU-30, a pérola da aviação russa. Como é lógico, o Irã não iria se satisfazer com menos.
Se num exercício de fantasia, um SU-30 iraniano voasse (com más intenções) até qualquer cidade dos países europeus do acordo, cairia no meio do caminho de volta, pois só teria combustível para o trajeto de ida.
Acredito que, com o fim da sanção, o governo de Teerã vai mesmo adquirir o citado avião russo para poder encarar seus inimigos, Israel e Arábia Saudita, que já contam com o mais aperfeiçoado avião de caça americano.
Sem um avião equivalente, os iranianos estariam em sérias dificuldades num possível conflito contra os dois vizinhos com quem se dão tão mal.
Quem ficaria extremamente feliz com a inferioridade militar iraniana não seriam os europeus, mas os EUA. Trump não admite a rebeldia do Irã diante do diktat americano, e, pior ainda, sua inaudita pretensão de disputar a hegemonia no Oriente Médio.
Como se sabe, depois de retirar os americanos do Acordo Nuclear, Donald Trump condenou o Irã à destruição.
Com sua campanha de “máxima pressão”, The Donald proibiu os outros países de manter relações econômicas com os iranianos e de investir no país.
Os desobedientes, ainda que tradicionais aliados de Tio Sam, não poderiam mais entrar no mercado americano, de longe o mais rico do mundo. Nem utilizar os serviços dos bancos da terra da livre iniciativa.
Não dá para se avaliar as perdas para as empresas do Velho Continente que já esboçavam volumosos negócios com Teerã. Foi um adeus aos lucros bastante melancólico.
Quanto ao Acordo Nuclear com o Irã, que Trump estigmatizara como nefasto, batendo a porta ao sair, os europeus tinham opinião diferente: “estes projetos, enfatizado pela resolução 2231 do Conselho de Segurança, atendem aos interesses de todos na não-proliferação (das armas nucleares) e fornece à comunidade garantias da natureza exclusivamente pacífica e segura das atividades nucleares iranianas (Olof Skoog, representante da União Europeia).”
Muitos países da região já se manifestaram no mesmo sentido. A França, a Alemanha e o Reino Unido elogiaram o acordo, com a publicação de uma declaração conjunta que afirmava ser a proposta dos EUA “incompatível com nossos esforços atuais para preservar o Acordo Nuclear com o Irã.”
O qual, aliás, já está correndo riscos pois o Irã, não tendo recebido o socorro econômico das nações da Europa prometido por elas no acordo nuclear, começou a desobedecer aos poucos as obrigações que lhe cumpriam fazer.
Tudo indica que os países do acordo com o Irã não são nem tão ingênuos, nem tão submissos ao aliado do outro lado do Atlântico quanto Pompeo gostaria.
Mas ele não desiste, dispõe de outra tática: acusar o Irã de ser um país outlaw (fora da lei), mais exatamente, o maior patrocinador mundial do terrorismo.
Essa acusação, incansavelmente repetida pelos governos, políticos e imprensa dos EUA nos últimos decênios, acabou pegando na América. Até mesmo uma dona de casa do Míddle West, cujos principais interesses intelectuais vão das receitas de bolo aos sermões dominicais do pastor, acha que esta pecha pesa sobre o país dos tapetes.
Em discurso no Conselho de Segurança da ONU, o secretário de Estado de Trump garantiu que o Irã seria responsável direto por diversos ataques contra navios-tanques no golfo de Omã, tendo ainda fornecido armas e mísseis aos houthis, povo que se acha em guerra contra a Arábia Saudita.
Em maio de 2019, foram atacados quatro navios-tanques em águas territoriais da União dos Emirados Árabes (UEA). Na ocasião, os EUA e seus aliados, a Arábia Saudita e o Reino Unido, culparam o Irã, que negou tudo. A UEA, por sinal também aliada de Tio Sam, liderou uma investigação que não apurou quem foi o autor dessas malazartes.
Dois dias depois, quatro mísseis danificaram seriamente campos petrolíferos sauditas, que respondiam por boa parte da exportação petrolífera do reino. O monarca Salman e seu dileto filho, MBS, subiram nas tamancas. Os dois e Pompeo puseram a culpa no Irã, claro.
Investigação das Nações Unidas concluiu que essas armas seriam de fabricação iraniana. Alguns analistas discordaram: os houthis poderiam ter copiado projetos e desenhos de misseis do Irã, eles dispunham da tecnologia, tendo já feito muitos lançamentos desse tipo contra objetivos sauditas.
Em junho do mesmo ano, a história se repetiu. Dois navios-tanques sauditas foram alvo de atentados quando navegavam pelo Estreito de Ormuz, em direção ao Golfo de Omã.
Adivinha quem apontou o dedo para o Irã?
Acertou.
Mas, Pompeo não apresentou provas da sua acusação.
Acontece que, justo no mesmo dia desta censurável ação bélica, o Supremo Líder Khamenei estava recebendo o primeiro-ministro do Japão. Era muito importante para Irã convencer o visitante a continuar comprando petróleo iraniano. Devido às sanções de Trump, as exportações petrolíferas de Teerã estavam se reduzindo ao máximo e os aiatolás não se arriscariam a passar uma imagem negativa a um dos seus raros clientes.
Admito que todas ou algumas das ações ilegais atribuídas por Mike Pompeo ao Irã possam até ser reais.
A falta de provas faz que todas elas não passem de dúvidas.
O que parece lógico é que Trump não tem direito de opinar em questões de um acordo do qual ele deixou de ser parte há anos.
Por enquanto, os europeus signatários do Acordo Nuclear com o Irã tem considerado os EUA um penetra, que insiste em palpitar no que não mais lhe concerne (usando frases polidas, que os europeus são finos).
Por enquanto.
Em outubro, no dia da decisão, tudo pode mudar.
Não esqueça que Pompeo tem por si, não necessariamente a verdade, mas o dinheiro e a força da mais poderosa nação do orbe.

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