Em outubro de 2015, segundo as agências de notícias internacionais, Ahmadinejad, presidente do Irã, declarou que Israel seria “varrido do mapa.”
Pouco depois, ele negou.
Não adiantou, a comunidade internacional não acreditou nele.
A verdade é que Ahmadinejad discursou em farsi, uma língua complicada, que raros ocidentais dominam (e mal), o que provocou traduções diferentes.
Como a do Middle East Media Research Institute (que tem especialistas respeitáveis), que saiu no New York Times. O presidente iraniano teria dito que “o regime israelense de ocupação deveria sumir das páginas da história,” o que não é a mesma coisa.
No entanto, a comunidade internacional continuou com a versão beligerante.
Não mudo de ideia nem quando o insuspeito The Christian Science Monitor apresentou tradução feita em 20017 por Ahran Norouki do Mossadegh Project (também publicada no Washington Post e no The Atlantic) igual à que negava as intenções sinistras do presidente do Irã.
Ou quando o próprio ministro da Inteligência israelense, Dan Meridor, afirmou que a famosa diatribe não fora feita pelo estridente Ahmadinejad (Ynet News, 17-08-2012).
Foi assim que se firmou como verdadeira a ideia da ameaça iraniana a Israel, do perigo mortal que o regime dos aiatolás representaria para Telaviv. Com armas atômica, então, esse país de fanáticos mal vestidos poria em risco a segurança, não só de Israel, como de todo o planeta.
Daí as pressões das grandes potências, que, em 2006, aprovaram duras sanções econômicas para forçar o Irã a desistir do seu programa nuclear, supostamente militar.
Em 2009 , Ahmadinejad e os setores de linha dura perderam as eleições presidenciais para o moderado Rouhani. O novo governo começou a implantar seu projeto de procurar estabelecer relações normais com o Ocidente e de liberalizar e modernizar o país, atulhado de leis reacionárias e antiquadas.
A sociedade iraniana recebeu tão bem as propostas de Rouhani que o reelegeu em maio deste ano, apesar da difícil situação do povo, atingido pelos problemas econômicos causados pelas sanções ocidentais.
A primeira conquista do governo moderado foi assinar um acordo com o chamado P5+1 (EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha), para fechar seu programa nuclear durante pelo menos 10 ano. Em troca, as grandes potências se obrigaram a suspender as sanções que inibiam o crescimento do Irã.
No entanto, Israel e EUA insistem que, mesmo com o acordo nuclear, o perigo iraniano continua de pé.
Discurso de Rouhani, em 2-8-2013, no dia do Quds, parecia dar razão a eles. Nesta data, a agência semi -oficial ISNA citou trecho do discurso do presidente, onde ele afirmava ser Israel “uma velha ferida…que deveria ser removida”.
No dia seguinte, a ISNA corrigiu-se. A frase completa de Rouhani fora: ”Israel é uma ferida…ocupava terras árabes, e o dia do Quds lembrava ser imperativa a luta contra a tirania.”
O que é bem diferente.
Mas Israel e os EUA seguem de dedo em riste: clamam que o Irã vem intervindo em vários países, constituindo-se num fator de desequilíbrio no Oriente Médio. A ambição dos iranianos seria conquistar a hegemonia na região.
De olho nesse objetivo, além de apoiar subversões de grupos islâmicos ditos terroristas, Teerã ainda estaria promovendo o contínuo fortalecimento de suas já poderosas forças armadas.
Um programa de mísseis balísticos, alguns intercontinentais, seria peça básica desse plano.
Teerã teria, em breve, condições para atacar a Arábia Saudita e Israel. Até mesmo, os EUA e a Europa. Carregando ogivas nucleares, os mísseis intercontinentais iranianos poderiam espalhar a mortandade nesses países.
Para evitar uma eventualidade tão assustadora, aprovou-se na ONU recomendação para o Irã deixa de fabricar mísseis balísticos intercontinentais, com ogivas nucleares.
Teerã justifica seu programa balístico como sendo necessário à defesa nacional, não para atacar outros países, coisa que não está, nem esteve em seus planos.
De fato, o Irã, depois da revolução que derrubou o governo do xá Reza Palevi, jamais fez guerra a país algum. A guerra com o Iraque foi defensiva, contra a invasão do território nacional pelo exército de Saddam Hussein.
Na Síria, o Irã apoia militarmente o regime legal. O presidente, Assad, foi eleito em pleito democrático (embora com uns poucos senões). Quem age ilegalmente são os rebeldes e os países que os patrocinam: EUA, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, entre outros.
Os EUA também agiram à margem das leis internacionais quando invadiram e ocuparam o Iraque durante alguns anos, sem qualquer motivo justo.
Tipo de Infração que Israel está cansado de fazer. Já invadiu o Líbano duas vezes e atacou a faixa de Gaza em duas ocasiões.
A Arábia Saudita é outra nação agressiva. Em 2015, ela formou uma coalisão para invadir o Iêmen e bombardear seu povo implacavelmente. Coalisão que é a principal responsável pelas mortes de 10 mil civis, epidemias de cólera e dispepsia e outras desgraças, que criaram no Iêmen a maior crise humanitária do nosso tempo.
Acho que Teerã ameaça a Arábia Saudita, Israel e os EUA muito menos do que é ameaçado por eles.
A Arábia Saudita tem proclamado várias vezes que os países árabes devem dar um fim nos projetos do Irã. E vem articulando a formação de um grupo de países com esse objetivo.
As forças militares sauditas são equipadas com armamentos, importados dos EUA, e também do Reino Unido e da França, que apesentam o state of art em tecnologia.
È verdade que, neste ano, o orçamento de defesa iraniano aumentou. Mas seus 13 bilhões de dólares representam apenas 1/5 do gasto militar saudita. O exército do Irã conta com muito mais soldados do que o de Riad. Isso é contrabalançado pela evidente superioridade dos armamentos americanos e ingleses das forças militares sauditas.
A aviação iraniana, com seus antiquados MIGs, não é páreo para os avançados caças e bombardeios made in USA, que voam e atacam pelo governo do rei Salman e do seu filho e herdeiro, o príncipe Mohamed bin Salman (vulgo MbS).
Admito que alguns altos clérigos e generais do Irã, vez por outra exibem seus músculos para Israel, de forma extremamente agressiva.
Mas são só words, words, words (como diria Shakespeare).
Por sua vez, os grandes de Israel também fazem isso. Mais de uma vez, o primeiro-ministro Netanyahu apelou para que os EUA bombardeassem o Irã. Também me parece um moralmente condenável o assassinato, alguns anos atrás, de diversos cientistas nucleares iranianos, por obra do Mossad e contratados locais.
Num confronto com o Irã, o favorito seria Israel.
Sua aviação é considerada uma ds melhores, se não a melhor do mundo.
Suas forças armadas, que recebem, anualmente, 3 bilhões de dólares em armamentos e munições iguais ás das forças americanas, tem mais chances num choque contra as iranianas.
O programa de mísseis anti-balísticos de Israel já foi mais longe do que o do Irã. Seu míssil de mais longo alcance, o Jericho III, pode atingir alvos a até 11.500 km de distância. Enquanto o Khoramanschar, míssil balístico líder iraniano no quesito longo alcance, não vai além de 2.000 km.
E o Jericho III ainda dispõe de uma característica ausente no Khoramanshar : quando lançado contra alvos a distâncias relativamente próximas, não pode ser interceptado por sistemas anti- mísseis.
Note-se ainda que, havendo um conflito armado, tanto a Arábia Saudita quanto Israel, contarão com a solícita ajuda da aviação, exército e marinha americanos. Para isso existem bases militares dos EUA espalhadas pelo Oriente Médio.
Se, num caso de guerra, a Rússia enviar armas ao Irã, já será muito. Duvido que Putin ouse enfrentar os americanos diretamente.
Acho que dizer que Israel e a Arábia Saudita temem o Irã não passa de piada. Sem graça.
Diante do seu poder ofensivo inferior, Teerã decidiu investir na capacidade de dissuasão. Ou seja, de convencer seus mais belicosos inimigos a não atacarem o Irã, do contrário sofreriam retaliações nada agradáveis.
De fato, os mísseis de mais longo alcance do Irã, que atingem alvos a 2.000 km, (military.today.com) podem alvejar Israel, a Arábia Saudita e as bases americanas na região. Sabendo que estariam sujeitos a ver mísseis Khoramashar explodindo em seus territórios, os dirigentes desses países tenderão a pensar duas, três ou mais vezes, antes de iniciarem uma guerra contra Teerã.
O general Mohamad Jafari, chefe do exército iraniano, e o general Mohamad Bagheri, chefe do estado-maior conjunto das forças armadas, já afirmaram claramente que seus mísseis não passarão dos 2.000 km. A Europa e os outros continentes estão fora do seu alcance.
Enquanto isso, atingindo 11.500 km, o míssil israelense Jericho III poderá acertar alvos na Europa, Estados Unidos, Oriente Médio, África e parte da América do Sul (dados do military.today.com).
Estranho.
Os EUA, a Europa e a Arábia Saudita não acham nada demais.
A resolução 2231, da ONU, pede ao Irã que restrinja suas atividades relacionadas com mísseis projetados para transportarem armas nucleares. Pede, mas não impõe que o Irã obedeça.
O Irã obedece: seus mísseis não são projetados para transportarem armas nucleares. Ao contrário de diversos mísseis intercontinentais fabricados por Israel.
Pela lógica (muitas vezes ausente na política internacional), Israel deveria ser obrigado, pelo Conselho de Segurança da ONU, a interromper a fabricação desses mísseis. Certamente, com o apoio entusiástico do presidente Macron, tão preocupado com os mísseis iranianos intercontinentais, os quais não tem como atingir sua douce France. Coisa que o Jericho III, de Israel, pode fazer com a maior facilidade.
Talvez ele acredite, como tantos estadistas ocidentais, no “perigo iraniano”, capaz de tudo quanto é torpe (como garante a Casa Branca). Contrastando com o “pacífico” Israel, aliado, parceiro de negócios e incapaz de praticar atentados.
A não ser contra palestinos, árabes israelenses, libaneses, iemenitas e cidadãos de outras raças, que sempre fazem papéis de vilão nos filmes americanos.