O Labour esperando por um novo milagre.

Em 18 de abril 2017, vendo todas as suas tentativas de aprovar o acordo do Brexit derrotadas pela oposição e parte dos congressistas do seu Partido Conservador, a primeiro-ministro Teresa May decidiu convocar eleições extraordinárias (snap elections) para 8 de junho de 2017. As pesquisas favoreciam esta decisão pois no mês de abril, o Partido Conservador vencia o Labour, seu rival, com uma confortadora margem média de 20 pontos
Parecia mais do que provável que seriam eleitos partidários suficientes para assegurar a May maioria na Câmara dos Comuns e mãos livres na negociação do Brexit com a União Europeia.
Ela não contava com os efeitos da mudança que acontecera no Partido Trabalhista.
Depois de governar o país por 10 anos, a facção de Tony Blair levara o partido a irrisória votação no pleito de 2015.
Nos dois governos de Tony Blair, o Labour se afastou dos seus princípios originais para adotar as políticas de ajuste fiscal, privatizações e redução de benefícios sociais, em moda a partir da última década do século 20.
Ele e seu sucessor, Gordon Brown, aproximaram-se tanto das posições do Partido Conservador que, em 2010, a maioria dos ingleses preferiu o original em vez da cópia e impôs uma dura derrota ao Labour.
Além de perder o governo para os conservadores, os trabalhistas sofreram uma redução de 97 parlamentares, enquanto os adversários ganharam mais 108.
Na eleição de maio de 2015, o Labour blairite (adepto de Tony Blair) seguiu afundando, vendo sua bancada perder 24 deputados.
No entanto, os conservadores, embora elegendo somente 26 parlamentares a mais, ganharam a maioria na Câmara dos Comuns, com um placar de 320 membros do partido contra apenas 230 trabalhistas.
Diante desta verdadeira catástrofe, o Labour soube se renovar: em setembro do mesmo ano de 2015, elegeu uma direção socialista-democrática, sob a liderança de Jeremy Corbyn.
O slogan desse novo trabalhismo- PARA OS MUITOS, NÃO PARA OS POUCOS- resume com clareza seus objetivos.
O partido propôs ideais consideradas tabus como a re-nacionalização das ferrovias, das empresas de energia e de outros serviços públicos, que vinham atendendo mal ao público.
Conforme pesquisa YouGov, em fins de maio de 2017, a maioria da população declarou optou pela estatais nas seguintes áreas: Água 59% x 25%; Energia 52% x 25%; Correios 65% x 21%; Ferrovias 60% x 25%; Educação 81% x 6%; Transporte Urbano 50% x 35%.
Um ambicioso programa de pesados investimentos em saúde e educação para todos seria financiado por novos impostos sobre as corporações e pessoa com ganhos acima de 103 mil dólares anuais. Haveria também um fat cat, imposto especialmente alto para os rendimentos acima de 425 mil dólares.
Estima-se que o dinheiro arrecadado dos grandes rendimentos e salários chegaria a 62 bilhões de dólares anuais
Por outro lado, 95% da população ficavam isentas de pagar impostos.
Ideias assim não poderiam ser aceitas pelos blairites, maioria na bancada trabalhista, nem, é claro, pelas grandes corporações.
Desde a posse de Corbyn, rolou uma violenta campanha contra ele, com largo apoio na imprensa, inicialmente para depô-lo, depois, visando desconstruir sua imagem. Os adversários chegaram a acusa-lo de anti-semitismo, absurdo diante da sua notória posição contrária ao racismo.
Cerca de dois anos depois, com a imagem da nova linha socialista-democrática reforçada pelo ingresso de grande número de cidadãos, que elevou o total de membros a 500 mil, o Labour iniciou sua campanha às eleições de 2017, focalizando as mudanças ideológicas.
A opinião pública britânica mostrou-se sensível. As pesquisas apontavam rápido crescimento da tendência pelo voto trabalhista.
E um milagre aconteceu.
Em apenas dois meses de campanha, os trabalhistas reduziram a vantagem inicial conservadora de 20% para apenas dois pontos – 42% versus 40%.
No cômputo geral, os conservadores elegeram 318 parlamentares, tendo perdido 13 dos que possuíam na legislatura anterior, enquanto os trabalhistas elegeram 262, ganhando mais 30.
E os ventos continuaram soprando a favor dos trabalhistas que passaram os conservadores, pouco depois da publicação dos resultados eleitorais.
Essa tendência se manteve durante certo tempo, sendo que a preferência pelo Labour chegou a seu ápice em julho de 2017, quando pesquisa do YOU GOV o mostrou com 8 pontos de vantagem sobre os conservadores.
A partir daí a situação foi se alterando aos poucos com os debates sobre o Brexit.
Dividido entre apoiar a saída da União Europeia ou permanecer, o partido relutou em se pronunciar sobre a questão.
A atuação de Corbyn no debate concentrou-se preferencialmente em exigir cláusulas favoráveis à manutenção dos direitos dos trabalhadores.
Mais tarde, com o advento de Boris Johnson ao poder, Corbyn desdobrou-se para impedir que fosse permitida a retirada da União Europeia mesmo sem acordo.
Era necessário cortar as azas de Bojo (apelido de Johnson), ansioso por um voo urgente, ainda que solo.
Corbyn conseguiu bloquear essa possibilidade, alarmante para os interesses da população britânica.
Mas, como ele hesitou em tomar partido a favor ou contra um novo referendo do Brexit, desagradou à maioria dos eleitores trabalhistas, defensores da permanência na Europa .
Esse mal-estar tornou-se crescente e a partir de primeiro de outubro de 2018, os conservadores já haviam conseguido recuperar a liderança nas pesquisas, com dois pontos de vantagem sobre seus rivais.
Com o crescimento acelerado dessa superioridade, Bojo insistiu em uma eleição extraordinária em 2019, certo de que resultaria na conquista da Câmara dos Comuns por uma maioria de conservadores adeptos de suas políticas.
Mesmo consciente da situação difícil do seu partido, Corbyn não se opôs, aceitou a data de 12 de dezembro deste ano para a realização do pleito.
Teria portanto pouco mais de um mês para conseguir inverter o domínio dos conservadores, hoje por volta de 12% à frente dos trabalhistas.
Existem ainda outras circunstâncias negativas que se acrescentam à realidade atual. Pesquisa da Ipsos Mori, publicada em 20 de setembro do corrente, mostrou que Corbyn dispunha do mais baixo nível de aprovação já recebido por uma liderança da oposição desde 1977.
Surfando nas pesquisas, Bojo apresenta-se como quem
acertaria um acordo com os europeus rapidamente.
Já Corbyn afirma que, em caso de vitória, costuraria um novo acordo, mais justo e eficiente. E mesmo que a União Europeia o aceitasse, seria submetido a novo referendo popular.
Não é uma tese popular pois metade da população inglesa ânsia por tirar da frente esse problema o mais breve possível (pesquisa Ipsos Mori, 20-09-2019).
A estratégia trabalhista parece tentar convencer o público de que o Brexit não é tão importante. Valeria mais eleger um governo comprometido com políticas corajosas, ausentes do programa conservador, como a re-nacionalização de serviços públicos e outros setores onde a iniciativa privada fracassou; educação para todos, do ensino fundamental ao universitário; taxas pesadas sobre os ricos e os lucros e dividendos; revalorização do Sistema Inglês de Saúde, negligenciado pelos governos conservadores.
A história das campanhas políticas mostra que o povo costuma reagir melhor a apelos emocionais (livrar-se do Brexit) do que racionais (medidas concretas).
Ainda assim, o Labour espera por uma vitória.
Afinal, milagres não são impossíveis.
Já aconteceram nas eleições de 2017 e a fé, dizem, move montanhas.

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