As coisas vão mal para Donald Trump, que começa a se sentir encurralado.
Reflexo do seu baixo astral é a desistência em hospedar os membros de reunião do Grupo dos Sete, que reúne os países mais ricos do mundo, como ele queria.
Era um hábil golpe de propaganda, que poria nas manchetes internacionais a joia dos seus hotéis de luxo, com preciosos reflexos no marketing da cadeia.
Furioso com as críticas, The Donald, declarou a repórteres na Casa Branca, que mudara de ideia forçado pela “enlouquecida e irracional hostilidade da mídia e dos democratas.”
De acordo com membros do seu próprio partido, a verdade é bem outra. Congressistas republicanos o preveniram de que ele fora longe demais, mesmo seus mais fiéis seguidores não tinham mais como defender suas ações (The Guardian,22-10-2019)”.
Altas figura republicanas estavam francamente descontentes, algumas demonstrando franca rebeldia.
O senador Mitch McConnell, líder da maioria, ousou publicar artigo no Washington Post, criticando a política do governo na Síria. O senador Mitt Rooney, que competiu com Obama na eleição presidencial de 2012, considerou a política externa presidencial “um ponto de inflexão na história da América.” E Bill Weld, também postulante da candidatura presidencial republicana, foi ácido: “Pior do que (o escândalo) ? Quase nada a comparar. Watergate foi uma simples mentira… Este (impeachment de Trump) é um tecido de mentiras, para usar uma expressão inglesa.”.
Enquanto rolam diabruras presidenciais, fatos profundamente indigestos vão se acumulando, acelerando a marcha do fantasma do impeachment.
As pesquisas são cada vez mais negativas. A CNN revela que a metade dos americanos já quer a saída de Trump, e para já. Contra, apenas 43%. Por sua vez, o Fifthy Five Eight aponta que, na média de diversas pesquisas, o impeachment ganha por 47,4% versus 43,6%.
A traição aos curdos contribui para tornar a defenestração de The Donald mais palatável ao cidadão comum.
Em vídeo, que passou em todos os noticiários das emissoras de Tv, vê-se grupos de curdos atirando pedras e batatas em veículos americanos em retirada… e atingindo a figura de Trump em cheio.
Por todo o país, jornais e emissoras manifestam a vergonha nacional diante do abandono dos aliados curdos. Muito grave, especialmente para um povo orgulhoso (e põe orgulhoso nisso) como o americano é.
Ainda mais porque os curdos haviam bravamente lutado ao lado dos EUA para destruir o ISIS, numa guerra que custou onze mil soldados ao povo que Washington está deixando na mão.
Aparentemente pego de surpresa com o volume dos protestos, o presidente reagiu com justificações toscas.
Os curdos não são anjos, afirmou, “eles não estavam conosco na Normandia (no ataque ao nazismo na Segunda Guerra Mundial).” Nem poderiam.
Naquelas alturas eram uma população dispersa, sem estar unida numa organização capaz de enviar soldados para participar da invasão da Europa sob Hitler.
“Vamos deixar a Síria e Assad proteger os curdos e lutar contra a Turquia pela sua terra, eu disse aos generais, porque vamos lutar em favor da Síria e de Assad para proteger a terra dos nossos inimigos ?”perguntou o morador da Casa Branca.
Estranho, afinal até outro dia, os EUA consideravam que essa terra pertencia aos curdos, não a Assad.
Trump tentou explicar sua incongruência : “Nós tínhamos um grande relacionamento com os curdos, mas nunca concordáramos, vocês sabem, em proteger os curdos até o fim da vida deles (Huffington Post, 22-20-2019),”
A explicação não pegou. Mazloum Kobani, comandante das forças curdas, jurou que o presidente prometera manter por longo período o apoio às forças curdas no controle de sua sua terra, no nordeste da Síria (Reuters– 23-10-2019).
Tentando salvar sua face, The Donald bravateou que, caso os turcos resolvessem ocupar a terra dos curdos, os EUA arrojariam sobre o país de Erdogan as mais tenebrosas sanções, acabando com a economia da Turquia.
Enquanto isso não acontece, as tropas americanas retiraram-se para bases no vizinho Iraque, com dois objetivos: evitar o ressurgimento do ISIS e que os russos e sírios tomem as instalações petrolíferas localizadas no limiar do território curdo. A este respeito, Trump confidenciou: “Talvez nós mandaremos uma das nossas grandes companhias petrolíferas ir até lá e produzir adequadamente.”.
Em primeiro lugar, não há expectativa de que o ISIS, hoje dividido em pequenos bandos espalhados no deserto, possa formar outra vez uma força capaz de tomar campos petrolíferos e enfrentar exércitos nacionais.
Quanto à ideia de garantir o controle das instalações de petróleo no nordeste sírio, trata-se de um típico desejo imperial do líder republicano. Um tanto bizarro porque estas instalações pertencem à Síria.
Mas, e daí? O mundo é americano, e nosso governo pode tomar o que for conveniente, mesmo violando frontalmente o direito internacional. Coisa que ele desconsidera mas que ainda tem certo peso neste planeta.
Brett McGurk, ex-enviado especial do governo de Washington para a coalisão anti-ISIS falou a um thinktank sobre esse tema: ”Gostemos ou não, ele (o petróleo) é de propriedade do Estado sírio (Vice News, 22-10-2019).”
Uma eventual realização do sonho petrolífero do presidente iria provocar fortes protestos, até dos aliados europeus, e um conflito bélico com a Rússia e partners (Síria e Hisbolá), a princípio isolado, mas com condições de se ampliar e virar o pesadelo de uma guerra nuclear, a nível global.
As ações e declarações de Trump na questão curda, além de pequenos incidentes de percurso como a escolha de um um dos seus hotéis para a reunião do G 7, enfraquecem a imagem de The Donald e fortalecem a causa dos seus inimigos pró- impeachment.
Em outubro, o processo se agudizou com novos e mais comprometedores depoimento de personalidades públicas.
O mais perigoso para o presidente foi o do encarregado de negócios dos EUA na Ucrânia, Willian Taylor, um diplomata de primeira classe (hierarquicamente muito superior à do nosso Arnesto).
Ele apresentou aos investigadores do impeachment suas notas, trocadas com outros diplomatas, e outros documentos, inclusive uma mensagem de texto na qual dizia: ”Como eu falei ao telefone, penso que é loucura reter assistência de segurança pra ajudar uma campanha política.”
Referia-se aos 400 milhões de dólares em armas para a Ucrânia que Trump mandara suspender até que o presidente ucraniano Volensky buscasse provas de atuação corrupta de Biden, um dos prováveis adversários do republicano nas eleições presidenciais de 2020.
Taylor forneceu abundantes informações sobre os abusos de The Donald no uso do seu poder para forçar um presidente estrangeiro a ajudar sua campanha de reeleição, prejudicando outro concorrente (The Hill, 23-10-2019).
Se você ficou chocado diante da incrível falta de ética do marido da maravilhosa Melanie, lembro um comentário de Henry Kissinger, que foi secretário de Estado de Richard Nixon: “não devemos confundir política externa com atividade missionaria.”
Ele veio com esta sacada quando censurado por chocantes intervenções nos assuntos internos de outros países.
Certamente Trump é adepto desta, digamos, filosofia…
Seu filho, Donald Junior parece ser um fiel discípulo do daddy. Ele informou que a Casa Branca está de olho nos republicanos que estão saindo da linha. Recentemente, este jovem promissor, retuitou uma lista de 23 representantes republicanos que, suspeitosamente, demoraram a assinar uma censura a Adam Schiff, o líder ds investigações do impeachment.
Lista que tende a crescer. Segundo o senador democrata Michael Bennet contou à CNN, muitos colegas republicanos estão “horrorizados com o comportamento do presidente… horrorizados por ter o assessor-chefe da Casa Branca admitido que tudo não passou de um quid pro quo (troca de benefícios).”
Em fins de outubro, The Donald, por fim, lançou uma estratégia para combater o impeachment.
O objetivo é evitar ao máximo que a punição, depois de aprovada pela Casa dos Representantes, seja submetida ao julgamento final do Senado ou que, pelo menos, ali chegue desidratada e sem fortes apelos emocionais ao público.
A ideia é lançar ataques impactantes, em várias frentes, com o objetivo de “desviar, distrair e desacreditar”. Terão por si o grande poder de comunicação da parça Fox News, pronta para atacar a legitimidade da investigação, demonizando os líderes opositores e lançando dúvidas onde for possível(The Guardian, 26-10-2019)”.
Os congressistas republicanos já começaram esta legítima opereta bufa. 30 deles invadiram a sala onde se realizam os depoimentos secretos, clamando por transparência, pois, clamavam, todo o processo deveria ser desenvolvido publicamente. Com isso, conseguiram que se perdesse cinco horas, antes do início da inquirição da testemunha do dia.
Em 24 de outubro, o senador Lindsey Graham (Partido Republicano), presidente do comitê judiciário do Senado, propôs resolução condenando o inquérito como injusto, secreto e projetado para deixar mal o presidente Trump.
Para apagar essa fogueira, Nancy Pelosi, presidente da Casa dos Representantes, anunciou que, no dia 31 de outubro, irá formalizar o processo de impeachment, passando para os republicanos os textos dos depoimentos secretos já realizados, sendo que os próximos passariam a ser públicos.
Acho que o plano para salvar o presidente pode confundir e atrasar o andamento do processo, mas não impedirá que chegue ao Senado, sob o peso de evidências sérias, que, aliás, já existem- principalmente o depoimento de Willian Taylor.
É preciso também levar em conta uma possível indignação nacional, que tornaria problemática a rejeição do impeachment pela maioria republicana no Senado. Pois seria uma decisão fortemente impopular, capaz de impedir a reeleição dos senadores republicanos que ficarem contra a vox populi.