Há poucos dias, a Agência de Energia Atômica da ONU (IAEA) publicou um relatório com indícios claros de que o programa nuclear do Irã teria objetivos militares. A nossa grande imprensa publicou os itens principais deste relatório, concluindo que agora não havia dúvidas das más intenções iranianas.
Por sua vez, o governo de Teerã, através do seu representante na IAEA, Ali Asghar Soltanieh fez uma contestação pormenorizada do relatório da agência.
Como nossa grande imprensa ignorou-a, achei que seria interessante apresentar neste site um resumo da defesa iraniana. Afinal de contas, é importante sempre ouvir os dois lados de uma questão.
Soltanieh começou lembrando que o próprio relatório admitia que “nenhuma grama” de urânio enriquecido no país fora desviado para fins ilícitos.
Negou a existência de um imenso e suspeito “container de aço” na base militar de Parchin, pois a mesma fora visitada repetidas vezes pelos fiscais da IAEA, sem nada ter sido encontrado.
O relatório falava que se baseara, em grande parte, em fotografias tiradas do espaço que mostravam uma estrutura que, para a IAEA, seria uma câmara maciça de aço para experiências de combustão relacionadas a armas nucleares. O representante iraniano ponderou que as fotos não eram recentes, tendo sido feitas no começo dos anos 2.000. Depois disso, nas visitas a Parchin, os fiscais da IAEA não viram nada semelhante.
O relatório afirma que teria aceito como fatos reais muitas informações sobre o Irã prestadas por diversos países, devido à sua”quantidade” e também por serem “abrangentes”. Para o governo de Teerã, esse conjunto de informações não passava de “desinformação”, já que vinha dos serviços de inteligência de Israel, dos Estados Unidos e do Ocidente, países inimigos, interessados em provar a tese do programa nuclear militar iraniano. Não teria, portanto, nenhum valor probatório. Nem a “quantidade”, nem a “abrangência” desses documentos seriam suficientes para obter a confiança de uma agência das Nações Unidas, que deve ser objetiva e imparcial.
Segundo a contestação iraniana, outro aspecto do relatório repetiria alegações anteriores de que o Irã teria feito simulações computadorizadas sobre ogivas em mísseis. Em resposta, o Irã citou o repórter investigativo, Gareth Porter, o qual teria provado que o míssil em questão teve sua produção abandonada há muitos anos atrás.
Mais argumentos do governo iraniano são apresentados a seguir.
Muitas das atividades iranianas relacionadas com armas, citadas pelo relatório, foram realizadas em 2003 e até mesmo antes, o que fortaleceria a conclusão da inteligência americana de que o programa nuclear do Irã tem sido pacífico desde 2003. Para revisar negativamente esta conclusão seria necessário um fato absolutamente irretorquível (um “smoking gun”), que está claramente ausente no relatório da IAEA.
Seymour Hersh (prêmio Pulitzer), o jornalista que denunciou Mai Lai, já havia há alguns meses atrás, informado que os EUA não tinham, na verdade, nenhuma evidência de proliferação de armas nucleares iranianas. Fato que ele teria apurado, entrevistando altos funcionários do governo americano.
Em seguida, a contestação narrou um gol contra marcado pelo relatório da IAEA. Ele mencionou que o governo de Teerã havia contratado um especialista ucraniano em armas nucleares, para assessorar o programa iraniano. Descobriu-se que, na verdade, esse cientista, Vyacheslav Danilenko, era especialista em “nanodiamantes”. Nada tinha a ver com armas nucleares.
Um argumento que mesmo eu, que sou leigo no assunto, acho importante, foi apresentado pelo representante do governo dos aiatolás. Diz ele que, para a acusação de proliferação contra o Irã ter peso, seria necessário haver evidências de desvio de materiais nucleares, o que não se viu nas inspeções regulares das instalações de enriquecimento de urânio do Irã, nem nas câmeras de segurança que podem detectar qualquer desvio de materiais.
Não tenho notícias de respostas dos EUA, Israel ou Europa Unida às contestações iranianas. Também não tenho conhecimentos suficientes para saber se elas são válidas.
Sei que, talvez haja alguma razão nas suspeitas lançadas sobre a imparcialidade do diretor-geral da IAEA, Yukia Amano.
Especialmente por causa de algumas das revelações dos Wiki Leaks.
Graças a eles, o jornal inglês, The Guardian, publicou duas correspondências, bastante, digamos, bizarras.
A primeira de Glynn Davis, embaixador americano em Viena, para o Departamento de Estado.
Seu texto: “Em várias reuniões com funcionários da USG (governo americano), antes da sua partida de Viena, no término da Conferencia Geral da IAEA, o novo diretor-geral, Amano, demonstrou uma NOTAVEL IDENTIDADE DE PONTOS DE VISTA CONOSCO sobre a realização das missões da entidade na verificação das salvaguardas, segurança nuclear e promoção dos usos pacíficos do átomo, assim como na reforma da administração da entidade.’
A segunda correspondência é de Geoffrey Pyatt, representante dos EUA na IAEA.
Geofrey diz: ”Em reunião com o embaixador americano…no final das duas semanas de reunião do Corpo de Diretores e Conferência Geral da IAEA da ONU, em meados de setembro, o diretor geral da IAEA, Yukiya Amano, AGRADECEU O APOIO DOS EUA A SUA CANDIDATURA e empenhou-se em enfatizar que APÓIA OS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS DOS EUA para a IAEA da ONU. Amano repetiu, várias vezes, que terá de fazer concessões ao G-77, que exigiu dele que busque decisões corretas e independentes, mas que ESTÁ FIRMEMENTE NO CAMPO DOS EUA, EM TODAS AS DECISÕES ESTRATÉGICAS, da indicação do pessoal de alto nível, ao modo de ENCAMINHAR A QUESTÃO DO PROGRAMA PARA CONSTRUIR ARMAS NUCLEARES.”
Estes fatos não foram alvo de uma investigação séria. Afinal, Amano é presidente da IAEA, teria ao menos, de se explicar.
No entanto, nenhum país demonstrou estranheza. Apenas o Irã limitou-se a declará-lo faccioso.
Por sua vez, os EUA e sua fiel Europa apressaram-se a condenar o Irã, sem mais análises, e visualizar sanções ainda mais destruidoras. É verdade que desistiram de punir o setor energético devido às repercussões negativas para as economias deles. Arriscavam-se a provocar uma alta galopante do petróleo que viria em péssimo momento, agora que países europeus e os EUA debatem-se numa profunda crise econômica.
Obama procurou os dirigentes da China e da Rússia para convencê-los a não vetarem novas sanções no Conselho de Segurança da ONU.
Não conseguiu nada. A China disse que é hora da diplomacia e não de punições ou ameaças contra o Irã que, incidentalmente, é um dos seus principais parceiros econômicos.
A Rússia, que ajudou o Irã a instalar sua única usina nuclear em funcionamento, foi mais incisiva. Exortou a IAEA a informar quais países lhe forneceram os documentos que conteriam os novos detalhes apresentados. Claro, se a IAEA topar e forem Israel e EUA, como é previsto, todo o relatório fica sob suspeita. De qualquer maneira, disse Sergei Lavrov, Ministro das Relações Exteriores: ”O relatório do Diretor Geral da IAEA não informa nada novo. Apenas reafirma que o Irã não forneceu necessárias explicações para os assim chamados desenvolvimentos com propósitos militares.”
Todos estes assuntos vão ser discutidos na reunião dos 35 países-membros da IAEA, no fim da semana. Não sei se Obama terá a coragem de apresentar a “Operação Sting”, aquele complô, envolvendo um vendedor de carros usados beberrão, misteriosos membros da Guarda Revolucionária, a gang dos Zetas, um agente “undercover”, a CIA e outros personagens de um enredo típico de um filme dos 3 Patetas.
Outro dia, comparei com o Agente 86, mas não fui justo com ele.