Morsi, uma nova esperança para Gaza.

No dia 24 de junho, uma saraivada de tiros e explosões sacudiu a cidade de Gaza.

Não, não era um ataque de Israel.

As pessoas irradiavam felicidade, celebrando a vitória de Morsi nas eleições presidenciais egípcias.

Porque todos em Gaza acreditam que, com Morsi no poder, a fronteira com o Egito será reaberta para o trânsito de pessoas, carros e caminhões, permitindo a exportação e a importação. Tanto para atender às necessidades da população, quanto para promover a economia local.

Quando o Hamas chegou ao poder, em 2007, Israel e o Egito de Mubarak bloquearam suas fronteiras com Gaza. Nada  passava, nem gente e nem mercadorias.

Há 2 anos atrás, Israel deixou que entrassem certos produtos.

Com a queda de Mubarak , os militares assumiram o governo e passaram a conceder licença para que pessoas com mais de 40 anos fizessem o percurso entre Gaza e o Egito, através do terminal de Rafah. Apenas, porém, em dias e horas determinados.

Quanto ao transporte de mercadorias, as dificuldades para conseguir visto das autoridades egípcias eram para desanimar qualquer um.

Morsi é membro destacado da Irmandade Muçulmana. Foi desse movimento que se originou o Hamas, há 5 anos no  governo da faixa de Gaza. É lógico esperar que ela seja favorecida pelo novo presidente do Egito.

De fato, no ano passado e há dois meses, Morsi manteve várias reuniões com dirigentes do Hamas. Fez declarações, defendendo o fim do bloqueio pelo Egito.

No entanto, ele não tem suas mãos completamente livres, pelo menos por agora.

Nos 15 meses que os militares governaram o Egito, em função de sua inépcia e dos sucessivos choques entre os revolucionários da Primavera Árabe e as forças de segurança, o país ficou praticamente paralisado.

Some-se a isso a queda do turismo, importante receita do país, causada pelo medo dos estrangeiros serem envolvidos pelos conflitos.

O resultado é que a situação sócio-econômica do Egito, que nos últimos anos de Mubarak já era muito ruim, ficou ainda pior.

Morsi vai ter de acalmar os investidores nacionais e estrangeiros, preocupados com a possibilidade de um governo islâmico ser implantado e os inevitáveis conflitos que aconteceriam.

Terá de provar sua moderação e o caráter moderno e secularista do seu governo.

Além disso, será preciso organizar a administração pública e tomar medidas que tragam desenvolvimento e estabilidade.

Não há dúvida de que ele vai defender os direitos dos palestinos a um país livre e viável,  com base nas fronteiras de 1967. E ,provavelmente, estabelecer  boas relações com o Irã, inexistentes nos tempos de Mubarak.

Mas Morsi vai evitar atritos com os EUA e mesmo com Israel, embora sem renunciar a suas posições.

Tudo porque precisa mostrar ao mundo uma imagem de moderação e firmeza.

Alguns analistas acham que esta necessidade é tão grande que Morsi ,  por ora, apenas melhorará a situação de Gaza. Talvez aumentando as horas e os dias  em que o trânsito de pessoas poderá fluir, reduzindo  às restrições ao comércio entre Gaza e Egito e mesmo permitindo a passagem de menores de 40 anos em certas circunstâncias.

Desbloquear totalmente a fronteira de Gaza com o Egito geraria grandes problemas tanto com Israel (e portanto com os EUA), quanto com a junta militar egípcia.

Com o bloqueio da Faixa de Gaza, Israel quer criar uma situação tão desesperadoramente miserável que faria o povo acabar voltando-se contra o governo do Hamas.

Também  têm esse objetivo os freqüentes bombardeios que levam mortes e destruição à Faixa, em retaliação ao lançamento de mísseis por grupos fundamentalistas (são oposição ao Hamas).

Israel aproveita qualquer pretexto para atacar Gaza, mesmo quando os mísseis palestinos partem de outra região. Foi o que aconteceu recentemente: um atentado de terroristas vindos do Egito provocou o bombardeio de Gaza, matando tanto milicianos, quanto civis inocentes.

Por sua vez, os militares do Egito não veriam com bons olhos a abertura de Gaza,  pois temem uma aproximação maior dos movimentos fundamentalistas da faixa com os grupos ligados à al Qaeda no Sinai egípcio.

Enfrentá-los será muito difícil, não só porque eles têm as armas. Antes das eleições, decreto da junta militar retirou do presidente o direito de comandar as forças armadas, enfraquecendo sua autoridade.

Além disso, não se sabe quais são todas as restrições impostas às ações presidenciais.

É possível antever que Morsi terá muito trabalho para convencer os generais a não se oporem à abertura da fronteira em Rafah.

Militares israelenses e  dirigentes do Hamas têm uma visão coincidente quanto ao problema de Gaza: acreditam que, apesar dos obstáculos, Morsi promoverá a abertura das fronteiras com o Egito sem demora.

Diz  Yousef Rezgeh, assessor político do primeiro-ministro de Gaza: “Esperamos que a primeira medida a ser tomada pelo novo presidente egípcio será a remoção do bloqueio da Faixa de Gaza, reabrindo a passagem pela fronteira e facilitando o trânsito de materiais de construção e a entrada de ajudas financeiras fornecidas  por organizações árabes internacionais para a reconstrução desta região destruída pela guerra.”

Para vencer a oposição dos EUA (em favor de Israel) e dos militares egípcios à reabertura de Gaza, Morsi poderá mobilizar a opinião pública não só do seu país, mas também da comunidade internacional, evitando ações e declarações agressivas.

Na sua volta à legalidade no Magreb e em alguns países do Oriente Médio, a Irmandade Muçulmana tem adotado uma postura bastante moderada.

Um bom exemplo é sua atuação na Tunísia , onde, tendo assumido o governo através de eleições,uniu-se a partidos secularistas. E está resistindo com firmeza aos salafitas (muçulmanos ortodoxos), que pretendem impor as leis da sharia ao país.

Espera-se que Morsi exerça uma influência moderadora nos líderes do Hamas.

Não há dúvida de que será bem aceita como diz Ahmed Youssef, um intelectual de Gaza: “O Hamas em Gaza prestará atenção cuidadosamente ao que o Egito diz, simplesmente porque eles confiam nos novos líderes do Egito”.

Essa influência moderadora já se fez sentir quando a Irmandade Muçulmana apelou ao Hamas para fazer concessões ao Fatah, num acordo de divisão de poderes que nas eleições palestinas levaria a um governo de união.

Um  outra conseqüência da vitória de Morsi e da Irmandade Muçulmana é o fortalecimento do moderado Khaled Marshaal , atual Supremo Líder do Hamas, que pleiteia sua reeleição.

Em recente pronunciamento, Marshaal defendeu possíveis alianças com não-muçulmanos e a não-violência como forma de ação política.

A moderação de Morsi e sua liderança sobre os palestinos são fatores que podem ser decisivos  na luta pela abertura de Gaza ao mundo.

 

 

 

 

 

 

Um comentário em “Morsi, uma nova esperança para Gaza.

  1. Aguardava ansiosamente por sua análise do golpe no Paraguai. E você foi muito além daquele contexto. Excelente, como sempre. Abçs, Sílvia.

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