Momento de decisão no conflito da Coreia.

A irresponsável fanfarronada de Donald Trump, ameaçando a Coreia do Norte com “fogo e fúria como o mundo nunca viu” apressou definições decisivas sobre a conflito.

Logo depois do presidente vomitar suas tenebrosas ameaças, o outro possesso reagiu à altura.

Na verdade, foi além. Prometeu lançar quatro mísseis que cairiam perto da ilha de Guam, o que transcendia à guerra de palavras que vinha sendo travada.

Agora, havia algo de concreto. Especialmente porque Kim Jong-un informava também que o ataque a Guam já estava sendo planejado pelos especialistas do exército.

Esta ilha é uma importante base aérea e naval dos EUA. Mais do que isso, é parte dos EUA

Apesar dos mísseis não irem causar estragos, eles produziriam efeitos simbólicos marcantes. Pela primeira vez na história, águas territoriais americanos estariam sendo bombardeadas por uma potência inimiga.

Tio Sam não poderia ignorar esse desafio.

O general James Mattis, secretário da Defesa, deixou claro que causaria uma declaração de guerra. Dependendo   de Trump, evidentemente.

Mas qual seria a decisão dele?

Aliados próximos dão indicações que antecipariam a resposta a esta questão.

O senador Lindsay Graham, republicano, contou que, em recente reunião, The Donald não se demonstrou infenso à hipótese de guerra. Pelo contrário: caso os norte-coreanos realmente desenvolvessem um míssil nuclear capaz de atingir os EUA, ele afirmou que “teria de escolher entre a segurança do país e a estabilidade regional. ”

Graham foi mais claro: ”O Japão, a Coreia do Sul e a China, todos eles estariam na mira de uma guerra com a Coreia do Norte. Mas, se (os norte-coreanos) tiverem um míssil, eles poderão atingir a Califórnia, talvez outras partes da América. ”

E, rangendo os dentes de raiva, o belicoso Graham prosseguiu: ”Se acontecer uma guerra para parar (Kim Jong-un), que seja fora dos EUA. Se milhares morrerão, eles morrerão fora dos EUA. Eles não morrerão aqui.”

E o senado republicano completou: “ (Trump) falou isso na minha cara. ”

Como o presidente não negou nada do que lhe foi atribuído pelo amigo Lindsay, acredito que foi verdade.

Altas autoridades americanas também se manifestaram de maneira semelhante sobre a opção de guerra na Coreia.

General Dunford. Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas: “Não é não imaginável que haja várias opções para responder à capacidade nuclear da Coreia do Norte. O que não é imaginável para mim é permitir uma capacidade que possibilitasse um ataque nuclear contra Denver, Colorado (The Atlantic– 1 de agosto). ”

Mike Pence, vice-presidente dos EUA: “Ele (Trump) disse que não iremos tolerar que a Coreia do Norte tenha condições para ameaçar os EUA. Se eles tiverem armas nucleares que possam ameaçar os EUA, isso é intolerável na perspectiva do presidente. Portanto é claro que nós teremos todas as opções, o que inclui a opção militar. (Newsweek, 5 de agosto). ”

Por sua vez, Mike Pompeo, o chefão da CIA insinuou uma solução diferente, que os observadores interpretam como sendo: apagar o ditador comunista. Pompeo disse estar “esperançoso de que possamos encontrar um jeito de separar aquele regime desse sistema. ”

Acho que Trump só será o primeiro a atacar se sofrer uma violenta pressão política e militar a favor da guerra.

Para mim, tiradas como a ameaça “fogo & fúria” não passam de provocação para causar violentas respostas de Kim Dong-nu. E assim apimentar o a troca de ameaças e desviar a atenção do povo americano, hoje focada nos supostos acordos nefastos que The Donald teria firmado com Putin para enterrar a candidatura de madame Clinton.

Admito que as coisas podem ir longe demais. E Trump se veja obrigado a arriscar a existência dele, de sua família, de seus bens, do povo americano e do globo terrestre (nessa ordem) numa guerra nuclear com a pequena mas combativa nação corte- coreana.

Graças à China, o sinal vermelho que estava pintando voltou a ser amarelo.

Depois de meses de reclamações americanas, a China resolveu endurecer com seus vizinhos rebeldes. Suspendeu suas importações da Coreia do Norte. Como elas representam 80% do total exportado por Pyiongyan, o povo norte-coreano seria forçado a passar a pão e água. Só a água a prazo médio.

Funcionou. Como diria Bill Clinton, “é a economia estúpido. ”

Kim é adorado como um semi-deus, mas não teria como suportar uma ciclópica queda nas vendas internacionais do seu país. As consequências poriam seu trono em risco.

Todo ditador, apesar de fazer e acontecer tudo o que  quiser, precisa do apoio do seu povo. Quando o perde, fica com seus dias contados. Veja-se o caso de Trujillo, Mussolini, Pinochet, Somoza e tantos outros desta singular trupe.

Não sendo burro nem louco, Kim Dong-un deu um passo atrás, de olho na ideia de agradar a China e na volta das importações de produtos norte-coreanos.

Depois de aprovar os planos militares para o ataque às águas territoriais de Guam, anunciou que vai dar um tempo antes de lançar seus mísseis. Para evitar que esse possível ataque aconteça, os EUA “deveriam parar de uma vez com suas arrogantes provocações contra a Coreia do Norte e com suas exigências unilaterais. ”

Numa declaração à parte, o regime norte-coreano avisou os EUA que deveriam pensar duas vezes sobre as consequências da realização dos jogos de guerra, unindo exércitos americanos e sul-coreanos.

Para a maioria dos analistas a suspensão do lançamento de mísseis representa a primeira abertura da Coreia do Norte para uma negociação do controle de armas nucleares.

Tudo bem, mas não vamos esquecer que, segundo o ditador Kim, seus mísseis continuam preparados para serem lançados.

Diz Adam Mount, expert no programa de armas norte-coreano do Centro para o Progresso da América: “A escolha que nós encaramos é adotar medidas que reduzam a tensão ou encarar um ataque de mísseis a Guam. Eles não deram um passo atrás nem em uma, nem  em outra (escolha). ”

Agora, a bola está com os americanos.

Há quem diga que ao falar em “consequências dos jogos de guerra”, Kim Dong-nu estaria condicionando o cancelamento do lançamento de mísseis à suspensão dos exercícios militares EUA/Coreia do Sul.

Ninguém aposta que o orgulho americano admitiria sequer adiar as manobras militares previstas.

Bem que poderiam aprender com o que disse Robert McNamara no filme que o focalizou. Referindo-se à postura americana na guerra do Vietnam, o ex-secretário de Estado lamentou: “Nós nunca nos pusemos nos sapatos do inimigo e tentamos ver o mundo como eles vêm. ”

Se Trump desse importância à frase de McNamara e calçasse os sapatos dos norte-coreanos (caso eles os tenham), poderia enxergar o que os EUA fizeram na Coreia do Norte, na guerra que sacudiu a península, tempos atrás.

Veja só que quadro.

3 milhões de mortos e dezenas de aldeias arrasadas por bombardeios que lançaram no país 635 mil toneladas de bombas, incluindo 32.537 toneladas de napalm, um veneno químico que incendia as pessoas. Mais bombas do que os EUA lançaram durante toda a 2ª Guerra Mundial no Japão e em todas as regiões ocupados pelas forças japonesas nas ilhas Filipinas, na China, na Indonésia, em Singapura, na Indochina, em todo o front do Oceano Pacífico.

Daria para sentir o tamanho do medo que os norte-coreanos tem de que os EUA, um dia, resolvam repetir a dose.

Para o povo norte-coreano, os avançados bombardeios B-IB, que voam junto ao litoral e às fronteiras da Coreia do Norte, são fantasmas aterrorizadores, prontos para liquidar com “fúria e fogo” o país e as vidas dos seus habitantes.

A posse de armas nucleares e mísseis capazes de atingir território yankee seria o modo de manter os EUA longe. A única garantia de segurança. Se não tivessem renunciado a seus programas militares nucleares, o coronel Kadafi e Saddam Hussein ainda governariam seus países. Se  Trump tivesse um fio de sensibilidade, já teria sacado as razões do medo e do ódio dos norte-coreanos.

Para os tranquilizar Kim, Trump tem de demonstrar que os EUA não querem atacar a Coreia do Norte.

De um modo a não deixar dúvidas.

Só através de um diálogo, haveria chances o presidente americano conseguir convencer Kim.

Mas, seria impossível, no clima atual de beligerância.

Antes, cumpre reduzir as tensões. O que exigira um processo de concessões gradativas dos dois lados, até se chegar a negociação de um tratado de paz e não-agressão.

O líder comunista já deu o primeiro passo nesse caminho: adiou sine die o lançamento dos quatro mísseis contra Guam. Afirmou, indiretamente, que Trump deveria retribuir seu gesto cancelando os exercícios militares conjuntos EUA/Coreia do Sul, previstos para 21 de agosto.

Não é a única concessão que os EUA poderiam fazer agora.

O problema é que Trump anunciou há meses que só se sentará à mesa das negociações com Kim caso este cancele seu programa de mísseis nucleares.

O governo de Washington não suspenderia nada.

Ou seja, primeiro Kim descarta seu poder de barganha, depois conversamos…

Se a Casa Branca persistir nesta postura orgulhosa e injusta, a abertura ensejada pela suspensão dos mísseis norte-coreanos se transformará em uma porta fechada para a paz.

Para se chegar a um acordo, as concessões devem ser recíprocas. Será que o presidente concordaria com uma colocação tão óbvia?

Deu no site da Bloomberg de 15 de agosto: “O primeiro impulso de muitas pessoas do governo é proclamar vitória sobre a Coreia do Norte se os mísseis não forem lançados, o que em troca levará a Coreia do Norte a sentir que eles têm de lançá-los… ”

Parece que essa incontinência verbal ainda não aconteceu. O que é notável, considerando o retrospecto do líder republicano.

Como ele jamais irá cancelar ou mesmo adiar os exercícios militares conjuntos, vamos torcer para que Kim Dong-un se contenha e espere mais um pouco por algum ato americano de boa vontade.

Que poderia ser: retirar a frota de guerra que vagueia nas proximidades da Coreia do Norte; repatriar os sistemas anti- mísseis em fase de instalação perto de Seul e/ou suspender os voos dos temidos bombardeios B-IB.

Seja como for, nunca estivemos tão perto de um diálogo entre os dois países.

Kim Dong-un já fez sua parte.

Será que os americanos farão a deles?

Que façam logo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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