Abdul Hakim Belhaj, um dos principais líderes militares da revolução líbia, iniciou um processo, em Londres, contra o governo inglês, pelas torturas que teria sofrido por parte do MI6 (serviço secreto inglês). Ele pede apenas desculpas oficiais e que os implicados no seu caso sejam investigados.
Trata-se de um adversário histórico de Gadhafi. Enquanto muitas das figuras do NTC (Comitê de Transição Nacional) eram até pouco tempo membros do governo do ditador, Belhaj o combate há 20 anos.
Inicialmente como chefe da guerrilha LIFG, ele lutou na Líbia contra Gadhafi, tendo mesmo tentado assassiná-lo em três oportunidades.
Em l998, o grupo foi dissolvido e seus líderes, inclusive Belhaj, foram para o Afeganistão, onde aliaram-se aos talibãs na luta contra o exército soviético.
Quando os americanos invadiram o Afeganistão, Belhaj fugiu do país, viajando para Beijing onde pensava estar a salvo de perseguições (ele fora ligado aos talibãs), durante a gravidez de sua esposa. Mesmo ali, não se sentindo seguro, decidiu viajar para a Inglaterra, terra onde pretendia conseguir asilo político. Mas, na escala do avião na Malásia, ele e a esposa foram retirados por agentes do MI6, que os levaram para a Tailândia.
Ali, caíram nas malhas da “rendition”, programa do Presidente Bush que autorizava a CIA a raptar suspeitos de terrorismo e transportá-los clandestinamente até países onde se podia torturar tranquilamente, sem que a imprensa se metesse. Primeiro foram levados para uma prisão tailandesa, onde agentes da CIA e colegas locais os submeteram a bárbaras torturas.
Prestativos, os agentes do MI6 informaram à Líbia que tinham prendido Belhaj. Colocado, então, num avião americano, ele foi transportado até Tripoli. Lá ficou 6 anos nas piores prisões locais, sofrendo interrogatórios, seguidos de torturas, protagonizadas por pessoal de Gadhafi e agentes ingleses.
Foi solto em 2010, quando o filho e sucessor de Gadafi, quis dar uma de democrata, em benefício de sua biografia. Logo que começou a revolução, Belhaj aderiu, tornando-se, comandante do exército de Tripoli.
Atualmente, continua nessas funções e exerce grande influência no governo interino.
Os documentos retirados dos arquivos da polícia secreta líbia provam tudo o que Belhaj afirma, conforme testemunho de jornalistas da BBC. Fato atestado por Peter Bourechaert, porta-voz do Human Rights Watch, que também teve acesso aos documentos: ”Ele foi capturado e seqüestrado pela CIA, junto com sua esposa grávida e levado para Tripoli para ser interrogado, através de um dos chamados “ Vôos Negros”. Nos arquivos, está muito claro que agentes da CIA estavam presentes em alguns dos interrogatórios.”
Autoridades da CIA defenderam-se, dizendo que sua ”ação integrava uma política autorizada pelo governo” e insistiam: “estávamos defendendo a nação contra o terror”.
William Hague, Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, limitou-se a dizer que a acusação dirigia-se ao governo anterior e que a Grã-Bretanha agora estava focada no futuro da Líbia.
Pode ser, mas o que Belhaj requer não é um pedido de desculpas do governo Cameron mas do estado Inglaterra, que ele representa agora, não importa quem estava no poder na época das ações denunciadas.
Carta de sir Mark Allen, ex- diretor de contra-terrorismo do MI6, a Moussad Koussa, chefe da Inteligência líbia, em 18 de março de 2004, não deixa dúvidas sobre a responsabilidade britânica: “Congratulo-me com você pela chegada de Abdula AL-Sadiq (nome de guerra de Belhaj). Foi o mínimo que poderíamos fazer por você e pela Líbia para demonstrar o notável relacionamento que nós construímos através dos anos.”
Essa política de “rendition”, autorizada pelo governo Bush e apoiada pelo governo Blair, da qual Belhaj foi vítima, foi aceita por muitas nações européias. Algumas cederam prisões, onde os suspeitos, raptados em outros países, poderiam ser interrogados e torturados secretamente, sem que se chegasse ao conhecimento do público. Foram, portanto, co-autoras das violências.
Outras nações, simplesmente, permitiram que os “vôos negros” da CIA, usassem seus aeroportos para fazerem escalas e reabastecerem os aviões. Foram cúmplices.
O deputado suíço, Dick Many, realizou uma investigação sobre o assunto e acusou 14 países de permitirem os vôos clandestinos da CIA.
O Conselho da Europa calcula que, em 2007, 1.245 vôos operados pela CIA fizeram escalas no Continente.
Apesar da amplitude das “renditions”, apenas duas dessas viagens sinistras resultaram em processo. Numa delas, em Milão, os réus, um grupo de agentes da CIA que raptaram um cidadão árabe e o levaram para ser torturado no Egito de Mubarak, foram julgados “in absentia” (fugiram) e condenados. Mas os EUA se recusam a extraditá-los.
No governo Obama, as “renditions” foram interrompidas. Essa promessa, ao menos, ele cumpriu.
Mas, tudo indica que os responsáveis por esses crimes, claramente assim definidos pelo Direito Internacional, continuarão soltos.
No caso de Belhaj, ele pede apenas, que a orgulhosa Grã-Bretanha se humilhe e confesse sua ação contrária aos direitos humanos e às leis do mundo civilizado.
Parece pouco, mas é muito. Porque, se isso acontecer, o governo atual estará admitindo mais do que a hipocrisia e a falta de respeito pelos direitos humanos do governo Blair.
Estará também colocando o governo Bush ao seu lado no banco dos réus da consciência da humanidade.
Luiz Eça
21/12/2011