Até 10 de julho, dia em que escrevo este artigo, os EUA e seus aliados recusavam-se a assinar o acordo nuclear sem o embargo de importações de armamentos convencionais.
É um claro jabuti, já que o acordo é para impedir o Irã de fabricar bombas nucleares.
Não para impedir que ele se fortaleça militarmente via importação.
Diz o New York Time,s em 6 de julho: “Os representantes dos EUA e dos seus parceiros europeus –França, Alemanha e Reino Unido – opunham-se ao levantamento dos embargos (de compras de armamentos), argumentando que ele apenas poria combustível nos conflitos na Síria e no Iraque, assim como no Iêmen e no Líbano, pois o Irã aceleraria o seu armamento das milícias xiitas.”
E Nicolas Burns, ex sub-secretário de Estado para assuntos políticos, revelou : “…nós também nos preocupamos com as atividades do Irã,armando as milícias xiitas no Iraque. E, com o Irã se movendo agressivamente, contestando o poder dos nossos parceiros sunitas, então isso é hoje um problema maior.”
Mais explicitamente: se os aiatolás puderem comprar as armas modernas que eles não tem, vão agir agressivamente contra os good guys sunitas e incendiar o Oriente Médio.
O Irã até agora não aceita essa imposição.
Argumenta com o óbvio: “não há evidências de que o embargo de armas tenha alguma relação com a questão nuclear.”
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Sendo uma das principais potências da região, o Irã precisa dispor de forças armadas poderosas.
Bem próximo de suas fronteiras estão duas fortes nações totalmente hostis a ele: a Arábia Saudita sunita e Israel.
No momento, os exércitos deles tem poder de fogo bem maior do que os iranianos.
Conforme o Global Firepower, seu orçamento de defesa em 2015 é de 6,3 bilhões de dólares, contra 58,7 bilhões da Arábia Saudita e 17 bilhões de Israel.
Acho que o Irã tem pelo menos tanta necessidade de fortalecer suas forças armadas quanto a Arábia Saudita e Israel.
Tem de ficar à altura deles em matéria de armamentos, avançados especialmente.
Tudo leva a crer que não os usará para atacar outras nações, como a história tem mostrado.
Nos 36 anos de governo da revolução islâmica, o Irã jamais provocou uma guerra.
A única em que se envolveu foi em sua defesa ante a invasão promovida pelo ditador iraquiano Saddam Hussein, por sinal sunita.
Mas agora, dizem os negociadores yankees, ele vem fornecendo armamentos a milícias xiitas, injetando combustível nos conflitos do Iraque, Síria, Líbano e Iêmen.
Não é bem assim.
As milícias xiitas iraquianas são aliadas do governo local e dos próprios EUA na guerra contra o ISIS.
Até comandantes americanos admitem a importância da participação dessas milícias.
Se o Irã lhes enviar mais e melhores armas, mais eficientes serão no combate aos selvagens milicianos do ISIS.
No caso da Síria, os iranianos apóiam militarmente o governo, reeleito num pleito com grande comparecimento de votantes.
Não se pode considerar que são ação seja ilegal.
Já os EUA apóiam os rebeldes.
Acusam o governo de Assad de violências e torturas, no entanto os grupos que lutam contra ele- a Al Qaeda, por exemplo- estão longe de serem gente preocupada com direitos humanos.
Quanto ao Líbano, os milicianos xiitas, pertencentes ao time do Irã, foram quem lutaram contra Israel e obrigaram seu exército a se retirarem na última invasão. Armar esse pessoal me parece justo, ainda mais porque já se fala em Israel num possível novo ataque por terra-mar e ar.
A participação do Irã na guerra do Yêmen, como você verá mais adiante, foi irrelevante.
Analisando esses quatro casos vê-se que o Irã, longe de incendiar o Oriente Médio, varias vezes tem sido mais um bombeiro.
Já o mesmo não se pode dizer de Israel e da Arábia Saudita.
Israel invadiu o Líbano duas vezes e a Síria uma, anexando as colinas de Golã desse país e tornano-as parte do território israelense.
A ONU condenou veementemente, pois o direito de conquista não é reconhecido pelas leis internacionais. Mas Tio Sam estava a postos para proteger seus amigos preferenciais.
E ficou nisso.
Por sua vez, a Arábia Saudita vem bombardeando o Iêmen há três meses.
Teria duplo objetivo: forçar os houthis, que derrubaram o presidente Hadi, a devolverem o poder a ele. E barrar a expansão do Irã, que estaria financiando e controlando os houthis, xiitas como o regime de Teerã.
Os dois motivos são discutíveis.
É certo que o presidente Hadi foi afastado ilegalmente.
A verdade,porém, é que ele fora eleito como o único candidato, num acordo político promovido pela Arábia Saudita.
Não é algo muito típico numa democracia.
Os analistas acreditam que possivelmente o Irã tenha fornecido parte do arsenal dos houthis. Não seria tanto assim, pois a maioria dos armamentos dos rebeldes são americanos, tomados às forças de Hadi.
Michael Horton, autoridade em assuntos iemenitas e consultor dos governos dos EUA e do Reino Unido, duvida. “Os houthis não precisam de armas iranianas. Eles tem bastante. E não precisam de treinamento militar. Eles combatem a Al Qaeda pelo menos desde 2012. E estão vencendo.”.
Oficiais de inteligência americanos, citados por Bernadette Meehan, porta voz do Conselho Nacional de Segurança, também não concordam com os sauditas: “Nossa avaliação é que o Irã não exerce comando e controle sobre os houthis (Huffington Post– 21 de abril).”
Mas o fato do Irã ser aliado dos houthis (todos dois são xiitas) basta para o governo de Ryadh bombardear cidades em todo o Iêmen, matando cerca de 2.600 civis (conforme a ONU) e destruindo casas, usinas, mercados e escolas.
Além de impor um bloqueio naval, para revistas, que dura indefinidamente, barrando a entrada de navios com alimentos, medicamentos e outros bens.
Como o Iêmen costuma importar 90% dos alimentos que consome, a ONU estima que perto de 80% da população precisa urgentemente de alimentação. A também de água e cuidados médicos.
Para conduzir esta guerra implacável, a Arábia Saudita conta com apoio logístico, assistência militar e a participação dos Estados Unidos no bloqueio naval.
Por sua vez, a comunidade internacional conta com eles para ajudar a resolver de uma vez a crise iraniana.
Sinal amarelo!
No momento em que se desenhava um acordo, os americanos ameaçam virar a mesa, alegando razões pra lá de discutíveis.
Sua insistência em condicionar sua assinatura à continuação do embargo de armas convencionais pelo Irã cheira muito mal.
Acho que o governo Obama quer agradar seus grandes aliados no Oriente Médio, Israel e a Arábia Saudita, furiosos porque está pintando um happy end na questão nuclear iraniana.
Eles viam no fracasso e conseqüente manutenção das sanções uma forma de liquidar o inimigo Irã como potência econômica e militar.
Um Irã de rastros não teria como disputar com a Arábia Saudita a hegemonia no Oriente Médio.
Quanto a Israel, é política do país impedir que qualquer país islâmico hostil possa igualar (ou quase) seu imenso poder bélico.
Para os israelenses, trata-se dé uma questão de segurança nacional.
Obama acha-se diante da Esfinge de Giseh.
Se não chegar à solução certa pode perder imensamente.
Visivelmente, ele quer marcar sua gestão como gestor do acordo nuclear, aprovado, aliás, por 6 em cada 10 americanos.E por números ainda maiores na Europa e outras partes do mundo.
Mas ele teme perder a Arábia Saudita, cujo poder sobre grande parte do Oriente Médio e sobre o mercado do petróleo sempre esteve às ordens de Washington.
Teme ainda as reações do aliado especial Israel e, mais ainda, do Congresso – sempre ao lado de Telaviv. Que pode ainda vetar o acordo.
A qualquer momento, pode acontecer um desfecho da questão.
Seja qual for, a verdade é que agora, os EUA pretendem sacrificar os interesses de um país islâmico e da paz, por razões injustas.
Depois Obama vai dizer que os muçulmanos não estão certos quando dizem que os EUA estão contra eles.
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