Islândia: como sair da crise sem entrar em outra

Para sair da crise econômica, os países europeus tem adotado as mesmas políticas: redução dos gastos do estado, aumento de impostos, cortes nas pensões e salários, privatizações em massa. Comprometendo-se com essa orientação restritiva, alguns, como Grécia, Irlanda e Portugal conseguiram financiamentos do FMI para fugir da insolvência.

Outros países, como Inglaterra e Espanha, administram suas economias, seguindo os preceitos do FMI, sem terem precisado até agora pedir seu socorro.
Todos estes países vão se equilibrando, tentando sair da crise aos tropeços. A um duro preço: queda radical nos níveis de vida e do bem estar social.
Ninguém gosta desta situação. Mas…C´est la vie : a receita do FMI é indigesta, mas não há outra…Sem o FMI, não há salvação.
Será verdade? O povo islandês diz que não.
Depois da 2ª. Grande Guerra, a Islândia desenvolveu-se rapidamente baseada na indústria da pesca. Com a chegada ao poder de um governo neo-liberal, todos os bancos do país foram privatizados. Seguiu-se um período (2003-2007) de grande expansão das operações financeiras, que mudou o perfil da economia islandesa com o crescimento da participação dos bancos.
No plano interno, o público foi estimulado a assumir muitos empréstimos para a compra de bens duráveis e imóveis. Enquanto isso, num esforço para atrair investimentos estrangeiros, os bancos da Islândia passaram a oferecer sofisticados serviços on-line, cujos custos reduzidos permitiam elevadas rentabilidades. O sucesso foi grande. Estabeleceu-se um fluxo contínuo de recursos proveniente especialmente de pequenos investidores ingleses e holandeses. Em 2007, o país ganhou o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das nações Unidas, com o quarto PIB per capita do planeta.
Mas, depois da bonança veio a tempestade. Em 2008, a crise mundial pegou os bancos islandeses com pesados passivos. Somente os 3 principais bancos – o Landbank, o Kapthing e o Glitnir- deviam  nada menos do que 10 vezes o PIB do país. Não tinham como pagar. Para salvar os bancos, o Estado foi obrigado a nacionalizá-los, adquirindo apenas os empréstimos de particulares e empresas locais. Os acionistas tiveram que continuar responsáveis pelas perdas nos ativos estrangeiros, que representavam um volume financeiro muito maior.
A essas alturas, a economia tinha entrado em parafuso e o paraíso se tornado um inferno. A Bolsa parou de funcionar depois de cair 76%. A moeda oficial desvalorizou-se 80% em relação ao euro. O desemprego rapidamente chegou a 9,3%.
E a Islândia declarou bancarrota. Para impedir danos maiores de imediato, a Islândia negociou com o FMI um empréstimo emergencial de 2,1 bilhões de dólares e mais 2,3 bilhões de euros com os países nórdicos. Não foi de graça. O governo teve de aumentar os juros para 18% ao ano.
Enquanto políticos locais e autoridades estrangeiras discutiam o caminho a seguir, o povo islandês agiu. Saiu às ruas em repetidas manifestações, exigindo e conseguindo a renúncia do governo do primeiro ministro Geir Haarde. As eleições foram antecipadas, com a vitória de uma coligação de centro-esquerda.
Em 2009, os governos da Holanda e da Inglaterra insistiram para que o governo da Islândia pagasse o montante de 3,3 bilhões de dólares, que os seus bancos deviam a 340 mil investidores ingleses e holandeses.  Apesar da economia continuar num processo de deterioração, com queda de 7% do PIB no ano, o Parlamento concordou, propondo que o pagamento fosse feito mensalmente pelos islandeses, durante 15 anos, com juros de 5% ao ano.
Novamente o povo disse “não”. Novas manifestações de protesto sacudiram a capital Reikiyavik. Exigia-se um referendo para decidir se a dívida dos bancos particulares deveria ser assumida pelo povo que, afinal, não fora responsável por elas.
As coisas esquentaram. A banca internacional ameaçou com fortes retaliações, inclusive bloquear a ajuda do FMI. O governo de Londres ameaçou congelar as poupanças e as contas correntes islandesas na Inglaterra. O país poderia ficar isolado.
Como afirmou o Chefe do Estado, Ragnar Grimsson:  “Foi-nos dito que, se recusássemos as condições da comunidade  internacional, nos tornaríamos a Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos  aceitado, teríamos nos tornado o Haiti do Norte.”
Em março de 2010, a população foi a referendo e 93% rejeitaram o pagamento das dívidas. Como reação, o FMI imediatamente congelou seus créditos. Mas o governo não se intimidou. Ordenou investigações para apurar as responsabilidades pela crise financeira. Os primeiros resultados já estão aparecendo. A Interpol lançou um mandado internacional de captura para o ex-presidente do Kaupgthing, um dos 3 grandes bancos que detonaram a crise. O próprio primeiro ministro nos anos do neo-liberalismo está sendo processado por negligência, teria facilitado as ações que conduziram à crise. Assustados outros banqueiros e executivos com culpa no cartório apressaram-se a sair do país.
Enquanto isso foi colocado ao FMI e aos bancos centrais europeus que a Islândia não se negava a apertar o cinto. Mas não o faria de modo brusco, pondo em prática de uma vez todo o arsenal habitual de arrochos. As economias seriam promovidas pelo estado suavemente, de modo a moderar os sacrifícios dos cidadãos. Essa austeridade menos severa que a verificada noutros lugares, foi decidida em consenso com a Sociedade. Assinou-se um pacto de “estabilidade social”, destinado a evitar cortes nos empregos e nas verbas sociais.
Aparentemente, as coisas vão bem. Opera-se uma reação à crise, impulsionada pelo aumento das exportações, conseqüência da desvalorização da moeda local. Depois de 2 anos de crescimento negativo, em 2011 o país deve crescer 2,2%. A inflação que era por volta de 12%, nos 2 anos anteriores, neste não passará de 5,5%. O desemprego caiu para 7%, bem menos do que os 9,73% de 2010. E a produção industrial embora com queda de 0,1%, tem índice bem melhor do que ano passado quando foi de 10%negativos.
Mas os islandeses não pararam por aí: decidiram elaborar uma nova 
constituição (a vigente vinha de 1918) que iria libertar o país do poder exagerado da finança  internacional e do dinheiro virtual. Para a escrever, foram eleitos 25  cidadãos, escolhidos  por 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político. Cada um dos membros desse colégio eleitoral, por sua vez fora recomendado por pelo menos trinta cidadãos.
O povo islandes vem participando ativamente da elaboração de sua nova Constituição, através da internet. Reuniões da Constituinte são transmitidas on-line. Os  cidadãos podem enviar os seus comentários e sugestões, vendo o  documento tomar forma.
Entre os pontos que já estão em discussão, estão a liberdade de informação e de expressão. Pretende-se proteger, como em nenhum outro país do mundo, o jornalismo de investigação, as fontes jornalísticas e os provedores de internet que alojem entidades de informação.
A Constituição que resultará deste processo  participativo e democrático será submetida ao Parlamento para  aprovação final depois das próximas eleições.
É assim que a Islândia está provando que se pode sair de uma crise econômica, sem traumatizar a sociedade. Com a participação direta do povo nas decisões e na criação de uma Constituição absolutamente única, livre de injunções políticas e econômicas.
Certo que esse exercício de democracia direta fica muito facilitada pela pequena população islandesa. São apenas 340 mil habitantes.
Não creio que desmereça a lição que eles estão dando ao mundo de superação de tabus, conformismos e dificuldades aparentemente insuperáveis.

Um comentário em “Islândia: como sair da crise sem entrar em outra

  1. Porque nao fala o governo e ate osw partidos no cado da Islandia, deixar falir bancos mal geridos, retomar agricultura e pescas, desvalorizar moeda cortar nas despesas lenta e fazeadamente para aumentar o investimento e a produçao interna e de exportaçao e punir mesmo rectroactivamente politicos, banqueiros etc responsaveis pela crise e agencias de rating tornaram a acreditar no pais, recusaram receita do fmi senao acabavam como a grecia,

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