A disputa pelas mentes do povo americano sobre o acordo com o Irã está cada vez mais dura.
Os 8 principais lobbies pró-Israel uniram-se numa frente- o Citizens for a Nuclear Free Iran – liderado pelo mais poderoso deles, a AIPAC.
Essas organizações juntas somavam recursos de 145 milhões de dólares em 2013. Atualmente deve ser ainda mais. Ninguém duvida de que a AIPAC vá usar tudo que pode na sua campanha.
Entre as 8 organizações que defendem o acordo, destacam-se a JStreet (grupo israelita progressista) e o Move ON.
Seus orçamentos são bem mais modestos : cerca de 33,500 milhões de dólares.
As duas partes lançaram seus ativistas para tentar convencer o Congresso de suas posições, nos 60 dias que ele terá para aprovar ou rejeitar o acordo.
Os lobbies pró Israel levam vantagem, pois somente a AIPAC conta com 100 mil membros.
Eles já iniciaram uma vasta campanha de opinião pública, colocando artigos e editoriais em jornais e entrevistas favoráveis nas rádios e emissoras de TV de todos os EUA, graças ao poder de pressão dos muitos milionários que do movimento.
A propaganda vai ter um papel fundamental, calculando-se que a AIPAC e aliadas gastarão entre 20 e 40 milhões de dólares na publicação de anúncios de imprensa e comerciais de rádio e TV.
Para enfrentar essa tremenda massa de recursos o grupo da JStreet dispõe de uma verba publicitária de 10 a 20 vezes menor (apenas dois milhões de dólares).
A estratégia da campanha anti-acordo foi definida em reuniões dos líderes republicanos com Netanyahu, em Telaviv, e com o embaixador israelense nos EUA.
Sua mensagem básica é: a guerra não é necessária, existiria uma terceira alternativa. Com a rejeição do acordo pelos EUA, as sanções seriam mantidas e até aumentadas até que o Irã topasse desmontar todas as suas instalações dee enriquecimento de urânio. Os aiatolás acabariam topando pois seu país está em situação crítica, dependendo desesperadamente da suspensão das sanções para sair do buraco.
A eficiência da verificação da observância das cláusulas ~restritivas do acordo é contestada.
A frente israelo- republicana garante que os iranianos poderiam iniciar seus projetos nucleares secretamente. Caso o Ocidente percebesse, até que seus fiscais fossem ao país para checar as ações suspeitas, o governo de Teerã teria tempo para apagar todos os vestígios, tornando a verificação inócua. Como os iranianos “são falsos e indignos de confiança”, certamente lançariam mão desses expedientes, podendo até produzir uma bomba nuclear escondido.
Por sua vez, os defensores do acordo insistem que rejeição significa guerra.
E mais: os EUA ficariam desmoralizados perante seus aliados em todo o mundo. Como os europeus assinarão o acordo e querem conquistar o apetitoso mercado iraniano, retirariam suas sanções, deixando a Casa Branca falando sozinha.
Já que foram as sanções das potências européias as que mais prejudicaram o Irã, livres delas os iranianos poderiam se recuperar, fazendo uma banana para as sanções americanas.
Outro fator a considerar é que, caso Rouhani fracasse em obter o aceite do Ocidente, seu governo moderado, que busca promover o respeito aos direitos humanos e contestar leis retrógradas do país, ficaria desmoralizado. Fortalecidos, os conservadores de Teerã jamais aceitariam a terceira alternativa de Netanyahu.
Provável mesmo que tirariam o Irã das negociações, talvez iniciando um programa nuclear, desta vez militar, abrindo caminho para uma guerra no Oriente Médio.
Quanto à capacidade do Irã esconder dos inspetores eventuais ações proibidas, os especialistas na área afirmam ser impossível, resíduos de atividades nucleares demoram muito a desaparecer.
Esta argumentação é enfraquecida por um ponto favorável aos objetivos de Netanyahu e companhia: a falta de confiança do povo americano nos iranianos.
Obama rebate, repetindo que o acordo é garantido por “verificações”, não por “confiança.”
Mas, está tendo um sucesso muito relativo.
Em fins de abril, quando havia certeza de que se chegaria a um acordo com o Irã, pesquisa da Quinipiac University mostrava uma clara maioria dos americanos a favor do acordo: 58% x 33%.
Nos meses seguintes, a campanha dos lobbies foi se intensificando.
Em julho, a opinião pública mostrou estar em dúvida.
A pesquisa PEW apontou a vitória dos lobbies judaicos por 48% x 38%> E, segundo a pesquisa da CNN 52% achavam que o Congresso deveria rejeitar o acordo, contra apenas 44% a favor da aprovação.
Por outro lado, o acordo vencia por 58% x 40%, de acordo com a CATO/YouGov, e por 56% x 37%, pela pesquisa do Washington Post.
Essa contradição mostra que povo americano ainda não se decidiu se é a favor ou contra.
Nota-se uma tendência de crescimento da posição contrária. Mesmo apoiando o acordo, a maioria dos americanos consultados duvida que os iranianos o cumpram (42%, Washington Post). Algumas pesquisas sugerem que Teerã já tem ou breve terá armas atômicas, o que seria uma ameaça para os EUA (CNN).
O argumento da falta de confiança nos iranianos pode acabar pesando mais do que a eficiência das “verificações” e das chances de guerra.
Existe no público americano uma profunda aversão ao Irã, tido como inimigo dos EUA e da própria civilização ocidental, capaz de tudo para destruí-la.
As raízes desse sentimento vem de 1979, na revolução que derrubou o regime do xá e instituiu a República Islâmica do Irã, quando um grupo de estudantes seqüestrou diplomatas e funcionários americanos na embaixada em Teerã. O governo do aiatolá Komeini negou-se a intervir e somente depois de 414 dias de negociações eles foram libertados.
Isso pegou tão fundo no público americano que o presidente Jimmy Carter foi derrotado por larga margem pelo candidato republicano.
O ódio entre as duas nações começou até bem antes, em 1953.
O governo democraticamente eleito do premier Mossadegh, foi derrubado por um golpe de estado da CIA por ter nacionalizado o petróleo. Com apoio dos EUA, o xá assumiu poderes ditatoriais, instituindo uma repressão violenta, marcada por torturas, assassinatos e prisões de opositores, que durou até a revolução de 1979.
Irã e EUA continuaram a se opor em diversas outras situações : no auxílio prestado pelo presidente Ronald Reagan ao Iraque de Sadam Hussein, na guerra contra o Irã; no fornecimento de armas iranianas aos movimentos Hamas e Hisbolá, hostis aos EUA; mais recentemente, nas sanções que os EUA convenceram a Europa a fazer, com efeito devastador na economia de Teerã.
Durante estes 35 anos, governos, políticos e imprensa americana rivalizaram na demonização do Irã.
De acordo com o jornalista Larry Clinton (artigo no New York Times),o povo americano vem sendo cooptado por uma propaganda de governo “estritamente semelhante à da campanha de Hitler contra a Polônia.”
Terreno fértil para acolher bem os ataques de Netanyahu e partidários.
As partes interessadas na aprovação do acordo nuclear tem contribuído para isso.
Durante as negociações entre o Irã e os P+5 (Alemanha, EUA, França, Reino Unido, China e Rússia), Obama não cessou de ameaçar o Irã com o célebre bordão “todas as opções estão sobre a mesa”, insinuando possível ataque militar.
Mais recentemente, no afã de amenizar a ira de Netanyahu, admitiu que o Irã seria anti-semita. Falso, os judeus são protegidos por lei especial, tem liberdade religiosa, 20 sinagogas, um grande hospital, escolas de hebreu e tem direito de eleger um representante para o parlamento, o qual, aliás, acompanhou Rouhani na sua primeira visita a Nova Iorque.
Por sua vez, o Supremo Líder Khamenei e próceres conservadores repetem exaustivamente condenações ao governo americano, descrito como um adversário cruel e traiçoeiro.
Não dá para Obama passar a dizer que os iranianos são gente séria e de palavra, quando está repetindo exaustivamente que o acordo se baseia em “verificações”, na falta de um interlocutor confiável.
Não é tarde,porém, para se expressar de forma favorável à pessoa do presidente Rouhani. Não timidamente como já fez, mas ressaltando sua moderação, espírito de paz e esforço para democratizar e modernizar seu país. Seria uma forma indireta de mostrar que também há good guys no Irã, começando pelo seu presidente.
Ganhar o povo americano é importante para os dois grupos com posições divergentes sobre o acordo.
No congresso, a vitória dos comandados por Netanyahu é quase certa, pois os republicanos são maioria.
Nesse caso, Obama já prometeu que vetará.
Se ele contar com pesquisas de opinião favoráveis, terá mais força para convencer os parlamentares democratas a não darem os 12 votos necessários para derrubar seu veto.
Afinal, no ano que vem tem eleições.