Dois de novembro

Segundo a imprensa, o presidente Lula torce por Kerry, apesar de achar Bush o melhor para o Brasil. O professor Bresser Pereira admite que é possível, notando, porém, que, para a humanidade, o ideal seria a eleição do candidato democrata.

Esta diversidade de interesses não parece lógica.

Afinal, embora a propaganda oficial sustente que o brasileiro é um ser absolutamente único pois “não desiste nunca”, fazemos parte da raça humana e, portanto, tudo que é mal para ela, é mal para nós também.

É o caso do presidente Bush.

Sua vitória eleitoral fortaleceria uma política altamente perigosa para a paz mundial, pois segue as teses dos neocons (neoconservadores).

Noam Chomsky, um dos mais respeitados pensadores americanos, sustenta que eles “acreditam que os Estados Unidos devem governar o mundo, pela força se necessário, no interesse de reduzidos setores que concentram poder e riqueza, e não no interesse do povo…”.

Para o grupo dos neocons, no exercício do seu papel hegemônico, os Estados Unidos devem levar a democracia e o liberalismo econômico a todos os países do mundo. Qualquer potência estrangeira que desafie seu poder ou seus interesses seria reprimida e as ameaças externas prevenidas com intervenções militares, mesmo contra os princípios da ONU e do direito internacional. Para isso, o país terá de manter sua superioridade militar, fortalecendo sempre as forças armadas.

O grupo dos “neocons” surgiu nos anos 60 e 70, formado por intelectuais e políticos desiludidos com os liberais americanos. Eles apresentaram idéias próximas ao conceito do “destino manifesto”, que justificava as intervenções militares dos Estados Unidos na América Latina, por uma liderança que teria sido conferida pela Providência.

Nos anos 80, identificados com Ronald Reagan, os neocons ocuparam postos de destaque no seu governo. Finda a Guerra Fria, nos anos 1990, eles propuseram que o principal objetivo dos Estados Unidos fosse impedir que outra nação pudesse disputar a hegemonia mundial. O presidente de então, George Bush pai, não concordou. Fez o mesmo quando os neocons queriam que, após a derrota de Saddam Hussein na primeira Guerra do Golfo, o exército americano continuasse avançando até ocupar todo o Iraque pois “seria necessário para o acesso a matérias-primas vitais, especialmente o petróleo do Golfo Pérsico”.

Em 1997, os neocons criaram o “Projeto para o Novo Século Americano” (Project for the New American Century), sendo suas principais propostas aumentar os gastos com a defesa, reprimir os “regimes hostis aos interesses e valores americanos” e “preservar e ampliar uma ordem internacional favorável a nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios”.

Em 1998, coerentes com essa declaração, 18 proeminentes neocons conclamaram o governo Clinton a invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein.

Clinton não os atendeu mas, 4 anos depois, sob o impacto do atentado terrorista de 11 de setembro, Bush convenceu-se. Nessa altura, os neocons estavam bem posicionados no governo: Paul Wolfowitz, vice-secretário da Defesa; Dick Cheney, vice-presidente da República; John Ashcroft, secretário da Justiça; Irving Kristol, consultor do governo, entre outros. Os “falcões” do governo, como o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, aderiram às idéias deles, que se tornaram a base da “Estratégia de Segurança dos Estados Unidos”, apresentada oficialmente em 2002. Elas representam um “diktat” que põe em risco a paz e a segurança dos países do mundo.

A “pre-emptive war” contra o Iraque, primeira aplicação da Estratégia de Segurança, violou as regras da ONU, resultou na liquidação da soberania do país, na destruição de sua infra-estrutura e na morte de cerca de 20 mil civis, mais de mil soldados americanos e um número não calculado de soldados iraquianos.

As ameaças à Síria e ao Irã de terem a mesma sorte do Iraque por alegado apoio a terroristas e insurgentes só não foram concretizadas devido ao fracasso da invasão do Iraque, que faz perigar a reeleição de Bush.

A idéia da “pre-emptive war” pode contaminar outras nações que, na defesa de interesses inclusive duvidosos, se sentirão autorizadas a atacar países mais fracos, por pretensas ameaças à sua segurança.

O “unilateralismo”, que despreza o consenso internacional a eventuais ataques americanos, desmoraliza a ONU. O enfraquecimento do seu poder de dirimir questões internacionais pode levar à dissolução da entidade, como, aliás, aconteceu com a Liga das Nações, após sucessivas desobediências da Alemanha, de Hitler, e da Itália, de Mussolini.

A sistemática recusa de obedecer a tratados internacionais assinados por presidentes anteriores (acordos de Kyoto, Tribunal de Justiça Internacional, etc.), está minando a confiança das outras nações na palavra dos Estados Unidos, além de prejudicar causas de interesse da humanidade.

Na ótica neocon, o governo israelense deve ser apoiado de forma incondicional por ser um fiel aliado no Oriente Médio, região crítica, onde se concentra a maior parte do petróleo mundial, bem como terroristas, radicais islâmicos independentes e países que contestam interesses americanos. Isso Bush vem fazendo. É sabido que Sharon não deseja um Estado Palestino livre, conforme declarou seu principal assessor, Dov Weinglass. Apesar disso, Bush não hesitou em condenar Arafat como o principal obstáculo à criação do estado Palestino por ser “corrupto, incompetente e favorecer o terrorismo”. Essa clara posição pró-Sharon revolta ainda mais os árabes, fortalecendo os movimentos terroristas.

Uma eventual vitória poderia ser interpretada por Bush como aprovação à sua política externa. Seriam, então, maiores os riscos de ataques preventivos a países que desafiam a supremacia americana, desenvolvendo artefatos nucleares, como a Coréia do Norte. E de intensificação da agressividade do governo Bush contra os países islâmicos da sua lista negra, repercutindo no aumento dos atentados em toda parte.

Sem uma ONU forte e respeitada e leis e tratados internacionais sempre obedecidos, a insegurança seria geral. Todos os países que ousassem contrariar os interesses da América de Bush e dos neocons – arrogante, onipotente e sem limites – se sentiriam ameaçados.

Por isso, em recente pesquisa, o povo de 8 entre 10 países dos 4 continentes declarou preferir Kerry a Bush. Os únicos divergentes foram Israel (por razões óbvias) e Rússia (sob o impacto do terrível atentado na escola).

Em dois de novembro, os americanos vão decidir se preferem ser amados ou temidos. O mundo inteiro está torcendo.

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