Membros do governo Netanyahu e do Hamas estão discutindo uma trégua para suspender os atritos na fronteira entre Israel e Gaza.
Naftali Bennett, ministro da Educação e líder do partido direitista Lar Judaico, é raivosamente contrário, não admite qualquer acordo com o Hamas. Para ele, esse movimento é terrorista e pretende destruir Israel.
Falar com essa gente, só com com balas de canhão, ruge o belicoso político.
Em entrevista à rádio israelense 103FM, Bennett declarou-se “a favor do assassinato da liderança do Hamas (Middle East Eye, 30-82018).”
Não é a primeira vez que o líder do partido “Lar Judaico” faz esse desconcertante tipo de proposta.
Em 2013, ele manifestou apoio à execução extra-judicial de inimigos do regime. E, cheio de orgulho patriótico, ele contou: “já matei muitos árabes na minha vida e não tenho problema nenhum com isso.”
Parece que essa posição está um tanto disseminada entre os ministros de Telaviv.
Em dezembro de 2015, o político direitista Avigdor Lieberman declarou desejar o assassínio de Ismael Hanyien, líder do Hamas. Na ocasião, o palestino e o primeiro-ministro Netanyahu, debatiam a possível devolução de soldados israelenses, presos pelos insurgentes numa das guerras de Gaza.
Um ano depois, em setembro de 2016, agora ministro da Defesa, Lieberman confirmou ao Canal 21 o que dissera na entrevista de 2015: “Agora, minha perspectiva é exatamente a mesma de então, eu estou ainda mais convencido. “A respeito desse assunto, Lieberman afirmou a repórteres: ”Se eu fosse o primeiro-ministro, se eu fosse o ministro da Defesa, eu ofereceria ao Hamas o seguinte acordo: ou devolvem nossos rapazes ou seus corpos, ou vocês morrem…vocês tem 48 horas, (ou) vocês serão simplesmente eliminados.”
Na verdade, o assassinato no exterior de inimigos do regime é visto com naturalidade nas rodas políticas de Israel.
Neste ano, Ronen Bergam, correspondente internacional do jornal Yediot Aharonot, trouxe dados esclarecedores do fato.
Seu livro, Rise and Kill First (Levante-se e Mate Primeiro) -a história secreta dos assassinatos seletivos de Israel– oferece um quadro amplo dos assassinatos de figuras hostis ao regime pelo Mossad (principalmente), o Shin Bet e o setor de inteligência do exército.
De acordo com as pesquisas de Bergman, eles executaram cerca de 2.700 operações de assassinato no exterior durante 70 anos do Estado de Israel, muito mais do que os atingidos mortalmente pelos “serviços especializados“de qualquer outro país, depois da 2ª- Grande Guerra.
Grande número dessas operações fracassou, mas ainda assim, de 1948 até 2000, início da 2ª Intifada, mais de mil pessoas (muitas eram expectadores inocentes) morreram nos 500 atentados cometidos. Somente nos três anos da 2ª Intifada, Israel efetuou mais de mil desses ataques, dos quais 168 deram certo. Desde então realizaram-se pelo menos 800 operações, matando principalmente líderes civis e militares do Hamas, Hisbolá, Organização Pela Libertação da Palestina, Síria, Irã (cientistas nucleares) e Egito.
Bergman baseou seu texto em mil entrevistas com agentes dos serviços secretos e personalidades, como os ex-primeiros ministros Ehud Barak e Ehud Olmert e um antigo chefe do Mossad, Meir Dagan, além de milhares de documentos.
Muitos dos ouvidos falaram sob anonimato, por estarem em serviço, outros, aposentados, não esconderam seus nomes.
A responsabilidade de primeiros- ministros nos assassinatos em países estrangeiros é total pois cada operação tinha de ser previamente aprovada por eles.
O governo de Israel nunca admitiu que mandara matar qualquer inimigo. Mas, também não negou, acho que mentir é condenado pela sua religião.
Argumenta-se que uma política tão peculiar seria justa porque, na morte de cada um dos líderes inimigos selecionados teria se evitado a morte de milhares de pessoas que ele ajudaria a causar. Num exemplo extremo, em certos casos desses assassinatos seletivos, a outra opção seria Israel deflagrar uma guerra.
Essa teria sido a razão do assassinato de cientistas nucleares iranianos, fundamentais para o desenvolvimento do programa nuclear do Irã.
Há aspectos divergentes a se considerar.
Nos assassinatos seletivos do Mossad, viola-se o direito a um julgamento justo, desfrutado pelos cidadãos do mundo civilizado, desde 1215, com a Magna Carta imposta ao déspota João Sem Terra, rei da Inglaterra.
Viola-se também a soberania do país onde o assassinato foi praticado.
O chato é que nenhum país tratou como escândalo qualquer assassinato praticado por serviços de segurança de Israel no exterior.
Estranhamente, passaram batido vários casos ocorridos no Ocidente, alguns até com indícios consistentes. Nenhum dos países, cuja soberania foi ignorada, protestou enfurecido, não houve solidariedade em massa de aliados, nem expulsão de diplomatas israelenses.
Também foi ignorado quando, além do indivíduo visado, inocentes que estavam por perto acabaram vítimas das armas do Mossad.
Sem falar nos erros de julgamento, quando se riscou do mapa dos vivos, figuras que seriam importantes para a paz na Palestina.
A mesma postura permissiva não beneficiou a Rússia, recentemente.
Acusação (por enquanto, sem provas) de que o governo Putin estava por trás do envenenamento de um ex-agente causou indignação mundial. 15 países condenaram os russos e expulsaram dezenas dos seus diplomatas.
Apesar de tudo, reconheço que, em certos momentos da história, poderíamos, não justificar, mas compreender os motivos israelenses.
Até a paz com o governo egípcio, o país estava cercado de inimigos por todos os lados, que aliás, já tinham movido duas guerras (mal sucedidas) para tentar acabar com o regime sionista.
Mas isso não acontece mais. E há muitos anos.
Não há praticamente inimigos perigosos em volta de Israel, ameaçando seu governo.
O Egito e a Jordânia têm relações diplomáticas e econômicas com Telaviv. São mesmo países amigos.
Entre os inimigos limítrofes, a Síria, sofrendo terrivelmente os efeitos de guerra civil devastadora, não representa perigo algum. Na verdade, é o contrário: a aviação e Israel já bombardeou cerca de 100 vezes o território sírio, visando atingir forças do Irã e do Hisbolá que lutam por Assad.
O Líbano está longe de morrer de amores por Israel. Mas, seu exército é infinitamente inferior, nem sonha em atacar o território israelense.
Novamente é o contrário que acontece. O país já foi muitas vezes sobrevoado por aviões israelense, en route para alvos em território sírio. Claro, nunca Netanyahu se deu ao trabalho de pedir licença ao governo de Beirute.
Gaza dá trabalho, seus mísseis incomodam, irritam, até assustam. E não passam disso. Até agora quase mal algum fizeram. São muito mais duras as constantes retaliações dos aviões de Israel, que matam e destroem, com incomparável eficiência.
Deixando de lado a contiguidade com o território de Israel, encontramos no Oriente Médio a Turquia, que mantém relações completas com Telaviv; a Arábia Saudita e seus estados vassalos do Golfo Pérsico parceiros dos israelenses na hostilidade ao Irã; o Kuwait e o Sultanato de Omã, que nunca atacaram Israel, sequer imaginam uma possibilidade tão remota.
Resta o Irã, esse, sim, um inimigo implacável. Mas sem condições reais de enfrentar Israel com chances de vitória.
Além das foças armadas israelenses contarem com os mais avançados armamentos, teriam ao seu lado o poder esmagador dos EUA.
Não vejo Israel como um cordeiro cercado de lobos ferozes. Talvez, nos dias de hoje, os papéis estejam invertidos.
Claro, gente como Avigdor Lieberman e Naftali Bennett jamais irá abandonar suas pregações desumanas.
No entanto, bem que o governo de Telaviv poderia reconhecer que assassinatos seletivos no exterior não são mais úteis. De modo algum.
Pelo contrário, essa prática, quando se torna notória, só serve para denegrir ainda mais a imagem ora desgastada de Israel.
Acredito estar crescendo a consciência internacional de que valores como a justiça e os direitos individuais são artigos de primeira necessidade.