O Marechal Tantawi, chefe da junta militar egípcia, era chamado de “o poodle de Mubarak”. É desnecessário explicar porque.
Não poderia se esperar muito de forças armadas lideradas por alguém assim.
Ao assumirem o poder, após a queda do ditador, elas foram pródigas em afirmações democráticas.
“Nós conservaremos o poder até termos um presidente”, prometeu o general Mahmoud Hegazy, em março, quando se marcaram eleições presidenciais para setembro de 2011.
Mas a lei de emergência, que dá amplos poderes às forças de segurança, o julgamento de civis por tribunais militares e a benevolência no julgamento dos elementos mais comprometidos com as violências da ditadura, chocavam o povo.
Os grupos revolucionários fizeram grandes manifestações de protesto a princípio, pedindo o fim dessas posturas.
Diante da violência da repressão e da prisão e condenação de muitos ativistas, passou-se a exigir a saída dos militares do poder.
Nesses confrontos, a participação da Irmandade Muçulmana foi discreta.
Adotou uma linha de moderação, procurando tornar-se aceitável aos militares, de olho numa transição pacífica do poder.
Sua estratégia era que, acalmando a junta militar, poderia assegurar que ela mantivesse seus compromissos democráticos.
Confiava que, havendo eleições, a Irmandade Muçulmana, através do seu Partido da Liberdade e Justiça, venceria sempre e conquistaria o governo do Egito.
Como o tempo mostrou, não deu certo.
Sua linha de oposição bem comportada foi vista pelos grupos revolucionários secularistas como algo próximo da traição, um indício da existência de um compromisso secreto com os militares.
Nas eleições parlamentares e, posteriormente, na escolha das 100 personalidades que escreveriam a Constituição, as suspeitas evoluíram para um antagonismo.
Em nada mudou, mesmo quando a Irmandade, percebendo que as intenções da Jnta eram de permanecer mandando, passou a também pedir sua saída.
Pelo contrário: a divisão entre os que fizeram a revolução só se acentuou.
Em primeiro lugar porque depois de tornar-s o maior partido no Congresso, a Irmandade aliou-se aos salafitas – seita islâmica fundamentalista – o que pôs mais lenha na fogueira. Temeu-se que a união desses dois grupos de ideologia religiosa pretendesse impor ao Egito um regime islâmico, tendo as leis da sharia como base da nova Constituição.
Em segundo lugar porque a aliança Irmandade Muçulmana- salafitas, tendo mais da maioria dos parlamentares eleitos, manobrou para ter um controle completo do corpo de 100 constituintes.
Para os partidos secularistas, a Irmandade pretenderia um domínio total do poder, para transformar o Egito numa república islâmica, com uma Constituição eivada de leis medievais, tendo os direitos humanos e as liberdades seriamente restringidos.
Radicalizou-se assim o clima entre dois grupos opostos dentro da Primavera Árabe egípcia: os secularistas e a Irmandade Muçulmana e seus aliados salafitas.
O primeiro confronto deu-se quando os secularistas, considerando-se sub-representados no corpo dos 100 constituintes, protestaram contra a “voracidade” da Irmandade Muçulmana.
Habilmente, os militares aproveitaram essa situação para entrar na disputa, acatando o protesto dos secularistas e dissolvendo a comissão que faria a Constituição.
Houve então novas démarches.
Desta vez menos ambiciosos, os deputados da Irmandade concordaram em eleger uma comissão mais aceitável pelos secularistas.
Mas, nas eleições presidenciais, as forças que fizeram a revolução dividiram-se em 4 candidatos enquanto os militares apresentaram um único, apoiado pela “máquina política” de Mubarak que não fora desfeita.
O resultado do primeiro turno fazia prever uma grande vitória dos revolucionários no segundo turno, já que seus candidatos somaram 75% dos votos contra apenas 25% do candidato dos militares.
Mas a desunião dos adversários do regime de Mubarak prevaleceu na campanha do segundo turno.
A Irmandade Muçulmana tentou obter o apoio dos outros grupos revolucionários, mas não se chegou a um acordo.
O resultado é que Morsi, o candidato da Irmandade, foi para a campanha sem apoio dos partidos secularistas. Eles pregaram o boicote das eleições ou o voto nulo, alegando que nenhum dos candidatos merecia ser eleito. Que Morsi estava longe de representar a revolução. Que com ele, o Egito se tornaria uma república islâmica, dominada por fundamentalistas no estilo dos aiatolás iranianos.
Grande parte da população ficou perplexa, temendo o fim do sonho democrático e socialmente justo da Primavera Árabe.
Foi nesse clima desanimador que dois dias antes da eleição, a Suprema Corte Constitucional, egressa dos tempos de Mubarak, ordenou o fechamento do Parlamento egípcio, devolvendo o poder legislativo às Forças Armadas.
Era um golpe na revolução egípcia.
Talvez para disfarçar, a Junta Militar manteve as eleições presidenciais para os dias já definidos.
Mas seu jogo tinha cartas marcadas.
Na noite do domingo, segundo dia da votação, os militares anunciaram seu “anexo constitucional”: um decreto que limitava os poderes do presidente. Por exemplo: ele não poderia cuidar do orçamento, que passava a ser função da junta militar. Também fica proibido de declarar guerra, sem a anuência da junta.Ao contrário do que acontece nos países democráticos, ele não é o chefe das forças armadas.
Foi também atribuído ao Supremo Comando das Forças Armadas a função de organizar a nova comissão constituinte.
E assim fechou-se o círculo.
Não se pode esperar muito de uma Constituição de responsabilidade das Forças Armadas egípcias. É verdade que terá de ser aprovada por um referendo popular, mas sendo organizado pelos militares, resultará numa aprovação.
O Poder Legislativo e o Orçamento ficarão nas mãos da junta pelo menos até a eleição do novo parlamento. Fato que acontecerá somente depois da aprovação da constituição por referendo lá pelo fim do ano ou começo de 2013.
Somente aí o poder seria entregue aos civis. Poder provavelmente compartilhado com os militares, pois ninguém duvida que assim seria disposto pela constituição que eles farão.
Prevendo a inevitável reação popular, a junta também decretou leis que criminalizam diversas formas de oposição. Uma delas, muito curiosa, considera crime obstruir o trânsito, coisa que fatalmente acontece nas manifestações da praça Tahir.
Somente agora que a casa está caindo que as forças da Primavera Árabe egípcia resolveram unir-se contra o inimigo comum. O primeiro comício de protesto na praça Tahir foi realizado no dia 19, com muitos milhares de participantes.
Foi o ponto de partida do que muitos consideram uma segunda revolução.
Os militares, porém, não pretendem deixar seus adversários ganharem força.
Ameaçam com mais duas jogadas ilegais.
Enquanto todos os cálculos apontam com uma vitória de Morsi por mais de 900 mil votos, a campanha do general Shafiq afirma ter sido ele o vencedor. E a junta militar anuncia que os resultados oficiais só serão conhecidos no dia 21, deixando dúvidas sobre uma possível manipulação em favor do candidato do governo.
Além disso, já está correndo um processo na Justiça, pedindo a dissolução do Partido da Liberdade e da Justiça, sob alegação de que se trata de um disfarce da Irmandade Muçulmana. O que o tornaria duplamente ilegal: por ter sido a Irmandade proscrita nos tempos de Mubarak e por ser proibido partidos religiosos.
Isso, automaticamente, invalidaria a eleição de Morsi. Não está claro se Shafiq seria então empossado ou outra medida seria tomada: a nomeação de um presidente interino ou nova eleição.
De qualquer maneira, qualquer dessas jogadas pseudo legais constituiriam um golpe dentro do golpe.
Talvez os generais se satisfaçam com o que já fizeram, com medo de uma reação internacional negativa.
De qualquer modo, com suas novas leis, eles já tem praticamente todos os poderes para governar o Egito do jeito que quiserem.
Contam, é claro, com uma oposição violenta dos revolucionários, agora por fim, unidos. E fizeram leis especiais para poder conter essa oposição de uma maneira formalmente correta e assim não desagradar o Ocidente.
Esta preocupação com aparências legais é seu ponto fraco.
Provavelmente os impedirá de chegar a extremos e assim dará mais condições para que os revolucionários unidos possam fazer com que volte a ser Primavera no Egito.
Artigo vasado, sempre cuidadosamente,com pesquisa profunda, não deixa de
ser o “crepúsculo de uma morte anunciada”. Mais de meio século de dominação populista-facista, supõe o enorme interesse de um exército, que não se envergonhou, de servir Nasser e toda a sequencia de sevandijas, cuja lista vem até Mubarack. Interesses que não estão dispostos a abrir mão de nada. Bem, liberais, esquerdistas, cidadãos do mundo, não deveriam ignorar essa situação cristalina, aliás sustentada e mantida com zelo pelos EUA, Israel e outros associados, principalmente nos últimos 30 anos. Ora essa gente não está brincando: cospe-se em Mubarack, sem mudar absolutamente nada. Diga-se aliás que a Irmandade Muçulmana, não tem tambem um passdo de vestal.
Aconteceu portanto, o que se previa !