A bola fora da Arábia Saudita.

Os observadores não duvidam de que a crise entre Arábia Saudita e Irã foi provocada pelos sauditas.

A execução do  eminente teólogo e líder xiita Nimr, por pretextos ridículos, provocaria necessariamente a reação de Teerã.

Nimr havia sido preso em 2012 por organizar um protesto exigindo um fim à discriminação contra os xiitas (minoria no reino).

Ele incomodava as autoridades por seus sermões no qual criticava a corrupção e o luxo desmedido da família real.

Torturado, segundo denúncias, foi por julgado e condenado à morte em 2014 por “desobedecer o governo”e “incitar o ódio sectário”. E, por fim, assassinado um ano depois.

Como se esperava, os EUA e a Europa foram suaves em suas declarações( são grandes fornecedores de armas ao reino), com  exceção de Federica Mogherini, chefe da diplomacia da União Européia, para quem a execução rouxe “sérias reocupações em relação à liberdade de opinião.”

Na maioria dos países islâmicos aconteceram grandes manifestações de protestos.

O governo de Ryadh, como é seu hábito, pouco se preocupou com a condenação inevitável da opinião pública mundial.

Ele sabia o que estava fazendo.

Enfurecia o rei Salman e seus cortesãos a crescente evolução do prestígio do Irã na comunidade internacional.

A Arábia Saudita e o Irã sao rivais há muitos anos, especialmente depois que, na revolução contra o xá em 1979, o governo revolucionário do aiatolá Komeini acusou os sauditas de serem agentes dos EUA na região.

As duas potências são antagônicas em muitos aspectos.

O regime saudita é uma monarquia absolutista, onde quem manda é o rei, sem parlamento, nem oposição ou eleições, sem quase todas as liberdades civis.

O país é maciçamente sunita, seguindo os princípios do wahabismo, o corrente mais fundamentalista e conservadora do islamismo.

Não há nenhuma liberdade, sendo as mulheres objeto de todo tipo de discriminação.

Ela se opõe frontalmente à religião e a expansionismo do Irã. Uma poderosa república, onde há eleições, parlamento e até imprensa com relativa liberdade.

A monarquia saudita teme o contágio das idéias políticas do Irã, pois ele apóia movimentos xiitas no exterior e tem boas relações com governos seculares, de religião dividida ou até mesmo sunitas, como o Egito e a Turquia.

Por fim, enquanto a Arábia Saudita segue a liderança americana no Oriente Médio, o Irã defende uma posição independente. E ainda por cima, está cada vez mais próximo da Rússia.

Por sua imensa riqueza em petróleo e ter a principal cidade santa islâmica, Meca, em seu território, o governo de Ryadh aspira à hegemonia no Oriente Médio. No que também se choca com o Irã que deseja o mesmo.

A crise do pretenso programa nuclear iraniano, que enfraqueceu seriamente a economia do país e o colocou quase como um pária na comunidade internacional, foi muito bem recebida em Ryadh.

Enquanto sucediam-se boatos e informações de cocheira sobre indícios, que a mídia considerou claros, de uma atividade militar nuclear oculta, ia-se moldando com nitidez maior a imagem do Irã como uma besta-fera.

Os governos Bush e Obama chegaram a criar uma ampla e custosíssima defesa anti-missil na Europa Oriental, alegando ser necessária para defender os países da Europa de ataques atômicos vindos de “origens suspeitas.”

Com a eleição do moderado e hábil Rouhani, as negociações entre as grandes potências e o Irã preocuparam a monarquia saudita.

Houve uma iniciativa de fazer os iranianos saírem do sério, estragando seu bom comportamento nas negociações.

Os sauditas iniciaram uma tremenda guerra aérea contra o movimento houthi no Yemen, sabidamente aliados xiitas do Irã.

A justificação foi recolocar no poder o presidente Hadi (aliás, eleito sem concorrentes), Destronado pelos houthis.

Mas os iranianos não se tocaram. Fizeram os protestos de estilo e deixaram os sauditas envolvidos numa guerra que dura dez meses, sem chances de acabar logo.

Apesar do poderio militar dos sauditas e aliados árabes ser muitas vez mais poderoso do que o dos houthis.

Nessa guerra, os aviões sauditas ficaram muito mal na fotografia pois já mataram mais de 5 mil civis, tendo bombardeado dois hospitais , um grande centro de tratamento de cegos e um casamento, onde 132 convivas foram mortos.

A paz nuclear com o Irã acabou firmada, mesmo tendo contra Netanyhau e a Arávbia Saudita, grandes aliados dos EUA..

Custou muito a Obama acalmar o rei Salman e seus validos, prometendo a maior segurança, além de lhe vender 60 bilhões de dólares dos mais avançados armamentos americanos.

Infelizmente para os filhos do deserto, suas penas ainda não acabaram.

O Irã vem aparecendo com destaque na guerra contra o ISIS (considerado o maior inimigo do gênero humano) no Iraque.

Sua atuação diplomática na guerra da Síria tem sido tão cooperativa que  os líderes do Ocidente, que na conferencia de paz anterior lhes negaram passagem, agora os convidam a participar.

E conhecendo o tom moderado e racional                                                   que o presidente Rouhani tem dado à diplomacia do seu país, pode-se esperar que até a rainha da Inglaterra o convide para o chá das cinco.

Mas algo que tem deixado o rei Salman dormir mal é que estão para serem retiradas as sanções contra o Irã;.

Grupos internacionais esperam avidamente para invadir um mercado aberto, tanto à produção de um sem número de artigos que lá não existem, quanto para importar esses mesmos artigos com a fome que o mercado do Irã tem de bens de consumo.

E, last but not least, o Irã está pronto para desovar um grande estoque de petróleo, retido pelas sanções, e de buscar investidores para parceiros na exploração das riquezas ainda virgens do país e, especialmente, das máquinas e motores necessários a seu desenvolvimento..

Foi pensando nesse novo Irã que está surgindo, forte como Hercules e esperto como Ulisses, que o rei saudita e seus príncipes pensaram numa jogada para, pelo menos, colocar uma pedra, uma pedra no meio do caminho.

Com a execução de Nimr, contra os apelos dos aliados americanos e ingleses, pensavam em inspirarf uma reedição do seqüestro dos funcionários do consulado americano em 1979.

Cuja conseqüência foi o isolamento mundial de Terrã.

Isso deixaria Ruhani numa saia justa pois os radicais na política e na polícia do Irã defenderiam a invasão doconsulado.

De fato, ela aconteceu, com danos a móveis, tapetes persas, computadores, objetos de arte etc.

Mas Rouhani ordenou a expulsão dos desordeiros e a prisão de 40 deles, que, ainda amargam as doçura do cárcere.

Lógico, ele e Khamenei não deixaram de condenar duramente a execução do clérigo xiita.

Decepcionado, o rei Salman rompeu relações com o Irã e concitou países aliados a formarem a seu lado.

Alegou que o governo de Teerã tinha obrigação de prever as desordens e proteger a embaixada.

Se os EUA e alguns países do Ocidente aderissem ao rompimento, o Irã poderia voltar ao limbo.

Não deu certo.

Apenas Estados satélites como Bahrein, Qatar e os Emirados apressaram-se a também romper com Teerã.

Salman contava, ao menos, com o apoio de pelo mesmo os três principais países sunitas do Oriente Médio.

Ficou na mão.

Apesar de ter sido salvo da bancarrota pelos bilhões sauditas, o governo do Egito até agora bewgou fogo..

Os turcos também não se manifestaram.

O Paquistão, outro país islâmico de peso, preocupou-se mais em acalmar sua grande minoria xiita, revoltada contra a execução de Nimr.

O governo de Ryadh vai ter de amargar esta derrota.

 

 

 

Um comentário em “A bola fora da Arábia Saudita.

  1. Interessante a entrevista do príncipe herdeiro da Arábia Saudita publicada neste domingo, mostrando uma postura de moderação e abertura, contrária a atual atuação de seu país.

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