Patrocinada pelos Estados Unidos, a Europa e o financista George Soros, a chamada “revolução laranja” venceu as eleições na Ucrânia em 2004, depois de imensas manifestações populares.
Seria a democracia e a liberdade do mercado que chegavam a um país dominado pela corrupção, o autoritarismo e a ineficiência dos sucessores da extinta União Soviética. Vitória para Bush, comprometido até os olhos com os vencedores – que prometiam afastar a Ucrânia da Rússia e torná-la membro da Comunidade Européia e da OTAN.
Dois anos depois, nas eleições parlamentares (importantes porque agora os congressistas devem aprovar o primeiro-ministro) – surpresa! –, as coisas azedaram. O presidente Viktor Yushchenko foi vencido pelo seu adversário, Viktor Yanukovych – que por ele foi derrotado em 2004. Foi uma lavada: 32% a 14%. Yushchenko sequer ficou em segundo, posto obtido por sua ex-aliada, Julia Tymoshenko, com 22% dos votos. A decepção do governo foi grande, mas a do povo tinha sido muito maior.
Nos dois anos de Yushchenko, a inflação aumentou enquanto o índice de crescimento caiu pela metade. Não foram cumpridas as promessas de reverter as “privatizações camaradas”, que beneficiaram oligarcas locais, os quais sequer foram punidos por suas violações. Yushchenko cancelou algumas dessas privatizações, mas não reestatizou as empresas, que passaram a ser disputadas ferozmente por alguns dos principais membros do seu governo. A privatização de uma altamente lucrativa indústria de Nikopol em benefício de um parente do presidente anterior foi anulada. Por ela brigaram “o rei do chocolate” e secretário do conselho nacional de Segurança e Defesa, o oligarca Petro Poroshenko, e um amigo da primeira-ministra Julia Tymoshenko, a multimilionária heroína da “revolução laranja”. Tymoshenko trocou com Poroshenko escandalosas acusações de corrupção, que levaram Yushchenko a demiti-la. Enquanto isso, a Europa demonstrava desinteresse em ter a Ucrânia como membro (o que o povo queria) e os Estados Unidos abriam as portas da OTAN (o que o povo não queria).
A revelação de que o filho de Yushchenko tornara-se, de uma hora para outra, um milionário, com um padrão de gastos agressivamente ostentosos, também colaborou para sua derrota. Por fim, desta vez, Yanukovych foi hábil. Defendeu a idéia de uma Ucrânia ponte entre Europa e Rússia, agradando assim a todos. Mandou embora os chefes de sua campanha de propaganda de 2004, toscos burocratas da era soviética. E seguiu a receita vencedora dos seus adversários de então: contratou hábeis e experientes marquetólogos americanos, como Manefort e Ahearn, das campanhas de Reagan, Ford e Bush.
Para formar o novo governo, Yushchenko precisa do apoio de um dos outros dois partidos. A imprensa internacional acha que será o de Tymoshenko, a quem considera a grande vencedora do pleito – estranhamente, pois ficou 10% atrás de Yanukovych. O mais lógico, porém, seria a união com ele, que é bem visto pela Rússia, ao contrário de Tymoshenko, apoiada claramente por Bush. Note-se que a Ucrânia depende muito dos russos, que subsidiam as importações de gás, as quais pesam muito no orçamento do país. Além disso, há milhões de trabalhadores ucranianos que trabalham na Rússia e remetem anualmente grandes quantias a seu país. Sem falar nos 44% dos habitantes do país de origem russa.
Mesmo que Yushchenko opte por sua antiga primeira ministra, a Rússia ganhou este round. O fracasso da “revolução laranja” depõe contra as excelências das propostas liberal-democratas.
Em março, Putin fez 2 x 0. Na Bielorrússia, chamada de “a última ditadura da Europa” pelos americanos, o presidente Alexander Lukashenko derrotou seu rival Alexander Milinkevich por 82% contra 6% dos votos. Como aconteceu na Ucrânia, aqui também houve um maciço envolvimento do Ocidente contra o governo pró-Rússia. De acordo com o New York Times, grandes somas foram enviadas pelo National Endowment for Democracy dos EUA, pela Westminster Foundation do Reino Unido e pela primeira-ministra da Alemanha para a Khopits, uma rede de ativistas anti-Lukashenko. A Polônia refundou uma emissora de rádio estatal na fronteira para veicular programas contra o governo belarusso, o que a alemã Deutsche Welle também fez.
O governo Bush apressou-se a taxar de suspeitos os 82% de Lukashenko, embora não tenha questionado os 97% obtidos pelo amigo Mikhail Saakshvili na Geórgia, apontada como exemplo de democracia.
A condenação principal veio dos observadores da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa), que consideraram as eleições eivadas de irregularidades, como prisão de líderes oposicionistas, intimidação de eleitores e pressões sobre jornais oposicionistas. No entanto, para os observadores da CEI (Comunidade de Estados Independentes – ex-soviéticos), as eleições foram abertas e transparentes.
Embora Lukashenko seja um tipo violento, muito longe de um democrata, o fato é que ele venceria qualquer eleição, limpa ou fraudada. A prova é que, meses antes das eleições, a pesquisa Gallup mostrava que o presidente tinha as preferências de 55% do eleitorado contra 17% do rival. Veja por quê.
Lukashenko recusou a terapia de choque neoliberal que arrasou as economias das antigas repúblicas soviéticas na era pós-comunismo. E veja os resultados: nos últimos 5 anos, o PIB cresceu 7,5%, em média. A Bielorrússia tem o mais alto nível de vida entre os estados da CEI. O número de pobres foi reduzido pela metade nos últimos sete anos. Em 2005, a economia, que é 80% estatal, teve um crescimento entre 8 e 9%, o desemprego não passou de 2% e o aumento salarial médio foi de 24%.
Trazer para o seu lado as antigas repúblicas soviéticas é um objetivo fundamental da política externa americana. Muitas delas são ricas em petróleo, minerais e gás, frutos tentadores para as empresas dos Estados Unidos. Além disso, diversas localizam-se numa região da maior importância estratégica, junto às grandes reservas petrolíferas do Irã e dos países árabes. Bush já conseguiu colocar bases militares por ali, prontas para serem acionadas em caso de guerra com o Irã. Cercar a Rússia com um cordão de países amigos dos americanos será uma forma de impor respeito à única potência que não precisa ter medo dos americanos. Como eles, os russos dispõem de milhares de ogivas nucleares. Talvez elas azedem mais o humor de Bush do que as derrotas eleitorais no leste europeu.