“Vejo a ocupação como um ato imoral, antes de tudo”. Amir Peretz, recém-eleito presidente do Partido Trabalhista de Israel.
A imprensa brasileira não deu a devida importância à eleição de Amir Peretz à presidência do Partido Trabalhista de Israel.
Com ele, o partido terá chance de ganhar as eleições que deverão se realizar em março de 2006. Nesse caso, Peretz será o chefe do governo israelense, o que tornará provável a paz com os árabes e a criação de um estado palestino, dentro das fronteiras anteriores a 1967. Peretz é o líder da ala esquerda do Partido Trabalhista.
Como prefeito de Sderot, deputado, militante da ONG pacifista “Paz Agora” e presidente do Histadruth, a principal central sindical do país, ele sempre defendeu o direito dos palestinos a uma nação e os interesses dos trabalhadores israelenses.
Em 2001,o Partido Trabalhista, que governou Israel 14 dos últimos 24 anos, perdeu as eleições para os direitistas do Likud liderados por Ariel Sharon.
Para enfrentar a crise que assola Israel nos últimos anos, o governo do Likud promoveu uma série de reformas neoliberais que desmantelariam os programas sociais do país. Como presidente do Histadruth, Peretz liderou uma série de greves contra elas.
Nessa ocasião, denunciou: “o Partido Trabalhista de Israel adotou uma política sócio-economica de direita que não difere das posições de Nethanyu – ministro das finanças – e do Likud”. Esta identidade de posições fez com que o debate político se fixasse unicamente no combate ao terrorismo.
Com isso, as classes populares, especialmente os judeus sefarditas – que se originam dos países árabes – mais pobres, acabaram voltando-se para o Likud cuja política belicista lhes parecia mais eficiente, depois do fracasso dos governos trabalhistas anteriores em lidar com o problema da Palestina e do terrorismo de maneira, digamos, civilizada.
Criou-se assim uma situação sui generis: enquanto os excluídos ficaram com a direita, o partido trabalhista tornou-se o partido da elite askhenazi (judeus vindos da Europa), mais culta e preocupada com os excessos do Likud. A aproximação entre os dois partidos reforçou-se quando os trabalhistas integraram-se no governo Sharon.
Peretz candidatou-se a presidente do seu partido com o objetivo de fazê-lo voltar a suas origens socialistas. O adversário, Shimon Peres, representante do “establishment” partidário, tinha o apoio de 19 dos 21 parlamentares trabalhistas e parecia o vencedor certo, com as pesquisas lhe dando 15% de vantagem sobre Peretz.
Mas Peretz ganhou, eleito principalmente com os votos da população pobre das cidades e aldeias habitadas majoritariamente por sefarditas.
Em sua primeira aparição pública como presidente, Peretz anunciou que exigiria de Sharon eleições em março de 2006; do contrário, seu partido abandonaria a coalisão já, causando a queda do governo. Declarou também que, eleito primeiro-ministro, chamaria imediatamente os árabes para negociar a criação do estado palestino. Para ele, isso além de justo, é do interesse de Israel, pois com o dinheiro aplicado na guerra e nos assentamentos seria possível combater eficazmente muitos problemas sociais do país.
As primeiras reações dos árabes foram positivas. “As boas surpresas são muito raras nesta região. Amir Peretz é uma delas”, disse Mohamed Dalan, ministro palestino dos Assuntos Civis; “estou feliz. O que ele declarou em Tel Aviv é certamente encorajador”, afirmou Zoufian Abou Zaïda, dirigente do Fatah; para Samir Qouta, psiquiatra autor de denúncias contra a aviação israelense, “ele [Peretz] fez entrar ar fresco nas casas dos palestinos. Seu discurso tocou o coração”.
Peretz reafirmou, em recente entrevista, seu compromisso com o fortalecimento do estado do bem estar social, contra a tirania do mercado. Perguntado se estava consciente dos efeitos do neoliberalismo na sociedade israelense, ele respondeu: “estou consciente… 30% dos operários, hoje, ganham menos de 450 dólares mensais. Como resultado criou-se nos últimos anos uma nova classe de operários pobres, que trabalham em tempo integral, geralmente em condições difíceis, e ganham um salário insuficiente para manter uma pessoa, quanto mais uma família”.
Observadores vêm com ceticismo às chances de Peretz. Acham que a sociedade israelense está firmemente imbuída da importância das reformas liberais – arrocho financeiro, corte de programas sociais, redução de salários, despedidas em massa – para tirar Israel da crise. Peretz iria na contramão dessa tendência quando prega o primado das reformas sociais.
Quanto ao problema palestino, nunca a opinião pública esteve tão raivosa contra os terroristas e os árabes, por extensão. O recente desmantelamento dos assentamentos de Gaza comoveu a população. Novamente Peretz propõe algo contrário ao que pensa a maioria: paz e amizade com os árabes e um estado palestino independente, nos termos dos acordos de Oslo.
No entanto, é preciso contar com a capacidade de persuasão de Peretz, um líder carismático, de grande identificação com os trabalhadores. Note-se que é um sefardita, como as camadas mais pobres, a mesma gente que votou maciçamente nele contra Peres. Ele dispõe de credibilidade junto ao povo, avalizada pelo seu passado de lutas. Nada desprezível, portanto. Pesquisa um dia depois da vitória de Peretz apresentou resultados encorajadores. O Likud faria 37 deputados (hoje, tem 40) e o Partido Trabalhista, 28 (hoje, possui 21).
Na homenagem a Rabin, no 10º aniversário do seu assassinato, Peretz falou perante 200 mil pessoas: “sonho com o dia em que as crianças israelenses e palestinas brinquem enfim juntas, sem se xingarem”. Este sonho agora começa a adquirir status de esperança. Em março, a esperança pode, quem sabe, ganhar força.
Mas, mesmo eleito primeiro-ministro, Peretz terá ainda de vencer muitos obstáculos para realizar um sonho que até outro dia parecia impossível: uma Palestina livre ao lado de uma Israel em paz.
Pelas suas origens sindicais, pelo seu passado de lutas contra as forças superiores do governo e do capital, Peretz tem sido comparado a Lula e a Lech Walesa. Tudo que se espera é que essa comparação acabe se ele chegar ao poder.
Para que tudo mude na Palestina, Peretz não pode mudar em nada.