“ Foi uma vitória incrível”, Trump trombeteou.
Como sempre, não se deve levar a sério o que ele diz.
Avaliando friamente, foram os democratas que venceram.
Certo que o Senado continuou nas mãos republicanas.
Que também saíram com mais governadores.
Vantagens que, aliás, eles já detinham antes do pleito.
Mas são apenas parte da história.
Há outros fatos a considerar.
Os democratas conseguiram 7% a mais na votação popular.
Índice bem superior aos 2% de vantagem de Hillary Clinton
sobre The Donald, na disputa presidencial de 2016.
Foi uma diferença significativa.
Se as eleições presidenciais se realizassem agora, o candidato do
Partido Democrata, estaria, provavelmente, arrumando as malas
para se mudar para a Casa Branca.
Nos três estados que decidiram a última eleição para presidente
em favor de Trump – Michigan, Pensilvânia e Ohio – foi o
partido adversário que ganhou.
Antes das eleições, o Partido Republicano tinha ampla vantagem
nos governos estaduais: 32 x 16. Na votação de 6 de novembro,
os democratas reduziram essa diferença de maneira maiúscula:
foi de 16 governadores a mais para apenas três. Agora, o placar
é 26 x 23, sendo que ainda pode diminuir, pois está
havendo recontagem de votos na Florida, onde a
diferença entre os dois primeiros foi mínima, menos de 0,5%.
Quanto ao Senado, seria muito difícil para os democratas
recuperarem a maioria.
Das 100 cadeiras, 33 foram submetidas à votação.
25 cadeiras eram de oposicionistas (23 democratas e dois
independentes, que votam sempre juntos). De outro lado, enq
apenas 8 ocupadas por republicanos seriam postas em jogo.
Portanto, enquanto o Partido Democrata poderia perder até 25
cadeiras nesta eleição, os republicanos só estavam ameaçados
em 7.
Apesar dessa desproporção, o partido de Franklin Roosevelt
perdeu apenas duas cadeiras, tendo ganho sete dos
rivais. E ainda pode eleger o senador pela Florida, pois ali
os votos estão sendo recontados.
Valeram muito as vitórias da oposição em estados onde os
partidários do presidente ganharam em 2016, a saber:
Pensilvânia, Michigan, Minesota, Ohio e Wyoming.
No Texas, que o partido do governo atual domina há décadas,
o senador republicano Ted Cruz, eleito no pleito anterior por
uma margem de 15%, desta vez quase perdeu para o
democrata Beto O´Rourke, que chegou somente 2% atrás dele.
Estando os democratas em forte crescimento no “estado da
estrela solitária”, não será surpresa se o seu candidato a
presidente nas próximas eleições, em 2020, acabe superando
The Donald ou outro candidata do GOP (Great Old Party,
apelido do Partido Republicano).
O Texas tem o maior número de votos eleitorais no país, por isso
mesmo tem sido fundamental para os candidatos republicanos.
Um dos principais fatores nas derrotas eleitorais democratas
em certos estados foram as chamadas supressions
(supressões), normas locais que reduzem o número dos possíveis
eleitores.
Nesta eleição, elas beneficiaram o Partido Republicano, que
possuíam o maior número de governos estaduais, a quem
compete editar as supressions vigentes nos seus territórios.
Na Dacota do Norte, por exemplo, exigia-se que o eleitor
provasse seu endereço residencial.
Milhares de índios foram barrados, já que eles não tem
endereços, vivem em reservas, onde não há nem rua, nem
números de casas. Os moradores recebem cartas através de
caixas postais. Provavelmente foi por isso que Haidi Htkamp, a
candidata democrata, perdeu. Grande parte dos seus adeptos é
composta por esses primitivos habitantes da América.
Na Georgia, Brian Kemp, o candidato republicano, era o
secretário de estado desde 2010. Nessa qualidade, ele expurgou
da lista de eleitores todos aqueles que supostamente haviam
morrido ou mudado para outro estado ou país.
Até 2016, um milhão e quinhentos mil cidadãos foram riscados.
Muito estranho, pois no quadriênio anterior, sem Brian Kemp
na sua secretaria atual, o número dos cidadãos excluídos das
eleições não passou da metade.
De acordo com advogados da Georgia, o expurgo na Georgia
atingiu especialmente cidadãos das classes pobres, das minorias,
como negros, hispânicos e LGBT- que tendem a votar nos
democratas, ainda mais nesta eleição, onde a candidata do
partido, Stacey Abrahans, é negra, militante de direitos civis
e defensora dos imigrantes. Ela perdeu muitos votos por conta
dos cidadãos que, conforme estipulou o secretário Kemp, teriam
mudado para outro estado.
Experts asseguram que, dos 687 mil expurgados, 341.143
continuam morando na Georgia (reportagem investigativa de
Greg Palast, publicada no Atlanta Journal-Constitution) .
A maioria deles é gente pobre, eleitores prováveis da candidata
democrata.
Estas transgressões foram levadas a justiça eleitoral, que
também está processando a recontagem de votos, devido
à escassa vantagem de Brian Kemp.
Nas eleições da Casa dos Representantes (Câmara Federal), os
democratas ganharam o controle por uma ampla margem,
apesar de uma brecha legal, aproveitada em muitos estados
governados pelos republicanos, a chamada gerrymandering
(manipulação).
Nos EUA, as eleições são distritais. Tendo ganho a maioria dos
legislativos estaduais, em 2016, o pessoal do GOP dimensionou
boa parte dos distritos de vários estados, de modo a favorecer
seus candidatos.
Como haverá uma redistribuição dos limites dos distritos nas
eleições de 2020, os democratas tendem a aumentar o número
dos seus representantes tanto nos legislativos federais, quanto
nos estaduais.
Sabe-se também que novas leis medidas vão ser
efetivadas, expandindo o número de eleitores aptos.
Cito a Florida, onde passará a ser admitido que ex-presidiários
tenham direito a votar (atualmente é proibido).
Serão um milhão e quinhentos mil pessoas que, segundo
previsões, tenderão a escolher candidatos democratas nas
próximas eleições, gente com visão, em geral, liberal.
Os conservadores republicanos não costumam ter muita
simpatia por aqueles que passaram uns tempos atrás das
grades.
Já a partir do próximo janeiro, tempestades (até mesmo
ciclones) devem ameaçar a navegação de Donald Trump nos
próximos dois anos do seu mandato.
Com a Casa dos Representantes dominada pelos democratas, é
possível se contar com o naufrágio de projetos de Trump que
desagradem ao partido rival.
A maioria obtida dá aos democratas o direito de nomear os
presidentes das comissões da casa.
Naquela incumbida de supervisionar Trump e seu governo, eles
prometem exigir que The Donald revele suas declarações fiscais.
Sempre que solicitado a isso, o presidente recusou
terminantemente. Há de ter suas razões.
Agora, ele vai ser obrigado.
Estão programadas investigações sobre escândalos de corrupção
de figuras importantes do governo Trump, como o secretário do
Interior, Ryan Zinke, e o secretário do Comércio, Wilbur Ross.
Espera-se que os representantes do partido de Obama procurem
Impedir que Trump atrapalhe o trabalho do conselheiro
especial Robert Mueller na investigação da
interferência da Rússia nas eleições dee 2016, com a possível
cumplicidade do presidente e de alguns familiares.
Os representantes Smith e Engel, que deverão presidir as
comissões referentes à política internacional,
enviaram carta a The Donald, condenando a saída americana do
Tratado Internacional para Redução das Forças Nucleares de
Alcance-Médio e do Tratado de Redução das Armas Estratégicas.
Não vão deixar essa decisão da Casa Branca passar batida.
Os dois também assinaram uma medida para acabar com o
envolvimento dos EUA na Guerra do Iêmen. Caso não seja
aprovada nesta legislatura, estão tranquilos, será aprovada
na próxima, quando seu partido terá maioria.
Engel, próximo presidente da Comissão de Assuntos do Exterior,
afirmou que, sem perda de tempo, analisará o modo com que a
Casa Branca está conduzindo a política externa dos EUA,
convocando os principais responsáveis por ela a audiências na
Casa dos Representantes (Washington Post, 7 de novembro).
The Donald e amigos próximos podem já ir se preparando
para encarar um interrogatório pouco ameno.
A representante Maxine Waters pinta como outra pedra no
sapato do presidente. Promete interpelá-lo para exibir seus
registros financeiros e documentos relacionados.
Ela vem sendo uma dura crítica de Trump, que já tuitou
chamando-a de “pessoa de baixo QI (The Hill, 8 de novembro).”
Sua posição de presidente da Comissão de Serviços
Financeiros lhe dará autoridade para promover investigações
nas transações bancárias de The Donald.
Maxine pretende também intimar o Departamento do Tesouro
e o Deustche Bank a apresentarem documentos relativos
a essas transações.
Por sinal, o Deustche Bank, uma das poucas empresas
financeiras que faz negócios com The Donald, está
sendo submetido a rigoroso escrutínio pelos reguladores
americanos e europeus, por suspeita de lavagem de dinheiro.
Pela prática desse mesmo tipo de ilegalidade, o banco já foi
multado em 630 milhões de dólares pelo Departamento de
Justiça dos EUA, em dezembro passado. Suas relações com o
morador da Casa Branca não cheiram propriamente a Chanel
número 2 e podem criar sérios problemas a The Donald.
Pelas leis americanas, todos os presidentes das comissões dos
legislativos tem poderes legais de exigir não só documentos,
como também a presença de qualquer pessoa, para depor em
audiências públicas.
Não se trata de um fato muito apreciado pelo presidente e seu
cercle intime.
Todas esses casos deverão fazer The Donald passar muita noites
em claro.
Há outros com igual potencial de desgaste, a serem agitados por
representantes democratas, os quais vem afiando suas
garras para os embates a partir do ano que vem.
Parafraseando, o ex-procurador geral Rodrigo Janot, enquanto
houver bala, eles vão atirar.
Além do grande aborrecimento que causarão ao governo
Trump, a fúria democrata pode influenciar de modo bastante
negativo a viabilidade da reeleição com que o presidente sonha.
Claro, ele não vai assistir esses ataques de braços cruzados.
Caso as coisas deem errado para seu governo, The Trump
certamente culpará a oposição democrata, por rejeitar
seus projetos, prejudicando a administração, e ainda
obrigando-o a gastar seu precioso tempo na defesa de acusações
contra sua honra.
Que o povo americano acredite… se quiser.