“Um paciente com cólera nunca deve morrer ,” assegura o especialista em saúda pública, David Sack. ”Se ele procurar um centro de tratamento a tempo e ainda está respirando, poderemos salvar sua vida. ”
Isso raramente acontece no Iêmen. Nos dias de hoje, o atendimento aos portadores de cólera praticamente inexiste pois a infraestrutura de saúde pública foi dizimada pela guerra.
Tudo começou em 2015, depois que o governo Hadi foi derrubado em 2015 por uma revolução domovimento houthi.
Para repor o presidente deposto, a Arábia Saudita atacou o regime dos rebeldes, liderando uma coalisão de nações, apoiada pelos EUA e o Reino Unido.
Assim começou a guerra do Iêmen, cujo papel principal cabe aos aviões sauditas, que vem submetendo o país a bombardeios constantes e brutais.
Os sofrimentos do povo iemenita, um dos mais pobres do mundo, é terrível.
Em Saana, a capital, onde os houthis governam, muitos hospitais e centros de saúde, semi-destruídos pelos ataques aéreos, não tem como tratar os doentes de cólera. Por sua vez, o serviço de distribuição de água, também arrasado, é incapaz de providenciar água limpa para a população.
E a cólera avança pois a água impura é um dos principais fatores de propagação da doença (The two ways, 10 de julho).
Em outubro de 2016, nas regiões já dominadas pela coalisão saudita, o governo parou de pagar os funcionários públicos. Em consequência, os profissionais de saúde entraram em greve. Sem o trabalho deles, amontoaram-se pilhas de lixo e restos de material séptico. Isso contaminou os poços da água bebida por grande número de iemenitas, criando-se condições favoráveis à propagação da cólera.
O surto da moléstia se acelerou em abril deste ano, depois que uma chuva de água suja poluiu todos os poços. Com isso, o número de casos de cólera no Iêmen, somente nesse mês, igualou o número de casos de cólera em todo o mundo, durante todo o ano de 2015.
Em julho, a ONU interveio, amenizando essa situação. Passou a pagar incentivos financeiros para 30 mil profissionais de saúde voltarem ao trabalho, numa campanha emergencial de combater à epidemia (MIddle East Eye, 12 de julho).
Mas a cólera já atingiu patamares extremamente elevados. Atualmente, existem 300 mil casos suspeitos de cólera. Mais de 1.600 doentes morreram nas últimas dez semanas. E essa espiral continua, fora de controle.
Além da cólera, outro infortúnio ameaça o povo do Iêmen: a fome.
O Programa Mundial de Alimentação da ONU informa que 17 milhões de iemenitas (numa população total de 25 milhões de habitantes) não dispõem dos alimentos necessários. Mais de 7 milhões não sabem quando será a próxima vez que terão o que comer.
A guerra movida pela Arábia Saudita e aliados é a causa principal não só da epidemia de cólera, como também da fome generalizada.
Segundo o Yemen Data Project, 13,081 bombardeios foram lançados pela coalisão saudita até 2 de junho deste ano. Além de concentrações militares dos inimigos, eles atacaram usinas de eletricidade, transportes, pontes, armazéns de combustíveis e de alimentos, comboios de ajuda humanitária e redes de água. E mais: um terço de todos os raids aéreos atingiram bairros residenciais e outros alvos civis, até mesmo um funeral, quando 138 pessoas foram mortas.
Em cerca de 9 mil ocasiões, aviões dos EUA reabasteceram em voo bombardeiros da coalisão liderada pelos sauditas (Intercept, 13 de julho).
Segundo a ONU, as forças aéreas da Arábia Saudita e aliados mataram mais de 3.133 civis, desde o início do apoio americano.
Embora em grau menor, a culpa pelo morticínio é compartilhada pelos houthis e as forças do aliado Saleh, ex-presidente do país. Eles também atacaram áreas civis. E ainda plantaram minas terrestres, além de por vezes e obstruírem a passagem de comboios com ajuda humanitária.
A ONU fez o possível para enfrentar os efeitos dessa guerra que se prolonga há mais de dois anos e quatro meses.
O secretário geral da entidade, Antonio Gutierres, reuniu representantes de diversas potências e fez um apelo para que contribuíssem com um total de 2,1 bilhões de dólares destinados à assistência da 12 milhões de pessoas, em risco de morrerem de fome, cólera ou doenças provocadas por sub-alimentação.
Apenas um terço desses países prometeram ajudar.
Quando chegou a hora do “vamos ver”, decepção! Os recursos oferecidos ficaram muito aquém do prometido. E mesmo assim, diminuíram sensivelmente de um ano para outro. Chegaram apenas 203 milhões de dólares, em 2016. Em 2017, foi ridículo: nada além de 35 milhões de dólares.
Jeremy Konydink, que foi diretor da USAID no governo Barack Obama, comentou os grandes cortes de Trump nas verbas de assistência ao Iêmen e outros países carentes: ”A ajuda humanitária é um tipo de assistência que salva vidas, cortar essa assistência significará matar muita gente.”
E Konydink escreveu no The Guardian: “Este orçamento (com os cortes de Trump) vai prejudicar dezenas de milhões de vida, economizando migalhas. É cruel e inadequado às mais profundas tradições americanas de ajudar os necessitados em todo o mundo. ”
E os poderosos do mundo seguem se empaturrando de finas bebidas e iguarias, enquanto negociam entre si as maneiras de como aumentando as guerras e a fome, terão mais e mais lucro.