Num dos seus últimos discursos na campanha eleitoral inglesa, a primeiro-ministro Theresa May disse que leis de direito humanos poderiam, eventualmente, atrapalhar o combate ao terrorismo.
Nesse caso, May pontificou, mudaremos essas leis.
É uma declaração digna de um Saddam Hussein, um Pinochet ou mesmo do marechal Sissi, do Egito, para quem direitos humanos são questões insignificantes.
Não acredito que madame May iria chegar aos extremos de passar por cima de direitos humanos, legalizando torturas, prisões sem acusação- com prazo indefinido- ou discriminação racial.
A verdade é que o programa Prevent, de contra-terrorismo, aplicado por May quando secretária do Interior e que atualmente aplica como premier, tem disposições verdadeiramente assustadoras. Isso, embora seu objetivo seja interessante: evitar que pessoas suscetíveis de virarem terroristas embarquem nessa sinistra viagem.
Os meios para chegar lá é que são altamente discutíveis.
Responsáveis por escolas, conselhos municipais, clubes e prisões deveriam detectar pessoas do “grupo de risco” (isto é islamitas suspeitos), antes que o vírus penetre nelas. Para, em seguida, levar seus nomes às autoridades.
Nas escolas e universidades esse papel cabe a professores e monitores; nos conselhos, aos líderes; nos clubes, aos diretores e nas prisões, aos diretores, guardas r fermsid funcionários.
No pico do Prevent, certas autoridades regionais afoitas estimulavam estudantes, conselheiros, vizinhos e colegas de trabalho a terem os olhos abertos para identificar possíveis futuros terroristas. Claro, todos esses “espiões ”são orientados sobre como identificar um terrorista em embrião, decidindo se os sintomas são particularmente reveladores.
Claro, isto pode levar a exageros.
Por isso mesmo, o Prevent, embora lançado em 2003, devido a muitas críticas de educadores e políticos, demorou anos para ser divulgado e implementado em todo o país.
Mesmo assim, os exageros continuaram.
Há algum tempo atrás, as autoridades concluíram que deveriam ser observadas mesmo crianças a partir dos 4 anos de idade.
Num caso citado em estudo da Open Society, menino árabe de 4 anos desenhou um pepino ao lado de uma faca e disse a uma funcionária da escola, na sua linguagem infantil, que se tratava de uma cuker-bum. Pensando que ele quisera dizer cooker bomb (fogão-bomba, coisa inexistente que parecia aterradora), a escola avisou à mãe que as autoridades poderiam levar embora seu filho, como um terrorista em potencial (The Guardian, 19 de outubro de 2016). Entende-se que algo assim pudesse acontecer na Alemanha de Hitler ou na União Soviética de Stalin. Mas, na democrática Inglaterra…
É um exemplo do clima de terror deflagrado pelo Prevent.
Cito mais algumas das medidas do programa: proibição de palestras de extremistas nas universidades; detenção de suspeitos pela polícia durante 28 dias, reduzido em 2011 para 14 dias; exílio de suspeitos para regiões indicadas pela polícia (como Mussolini fazia com oposicionistas); cassação de passaportes de suspeitos; vigilância de mesquitas; poderes para a polícia intervir em escolas, universidades e conselhos regionais caso não estivessem sendo aplicadas medidas para impedir radicalizações ; cassação da cidadania de indivíduos envolvidos com movimentos terroristas, etc
Entre 2003 e 2016, 600 mil pessoas foram treinadas para atuarem como verdadeiros espiões do Prevent.
Nesse período, 8 mil pessoas foram consideradas e tratadas como vulneráveis à pregação terrorista, sendo 400 crianças menores de 10 anos. De acordo com a polícia, apenas 20% delas foram consideradas possivelmente capazes de, um dia, virem a praticar ações terroristas.
Durante a vigência do Prevent, aconteceram no território inglês cinco atentados terroristas, todos com perdas de vidas humanas. O que não depõe a favor da eficiência do programa.
Não há dados sobre as consequências do Prevent na comunidade islâmica, até onde contribuiu para ela se sentir discriminada, isolada e revoltada contra o governo inglês.
Diante das inúmeras críticas, foi solicitada à Open Society Justice Iniciative uma análise do Prevent.
Seu relatório concluiu que a política- chave do contraterrorismo é extremamente falha, potencialmente contra- producente e se arrisca a atropelar os direitos humanos dos jovens muçulmanos. E a Open Society recomendou que o governo do Reino Unido repensasse suas medidas de modo amplo, particularmente na aplicação do Prevent na educação e na saúde.
O relatório termina com a seguinte consideração: “Sendo erradamente atingidos pelo o Prevent, muitos muçulmanos questionaram o espaço deles na sociedade inglesa (The Guardian, 19/10/ 2016).
Theresa May só falou em modificar a lei anti-terrorista ,em maio de 2017, durante a campanha eleitoral.
Foi logo após o atentado na ponte de Westminster e no Parlamento.
O povo inglês estava horrorizado e May acreditava que havia uma exigência generalizada de que o governo agisse com mão extremamente forte na repressão do terrorismo. Tratou de se aproveitar da situação para anunciar que iria mudar as leis-antiterrorismo, para torná-las ainda mais duras do que já eram. Foi nessa ocasião que a premier falou em mudar leis de direitos humanos caso criassem problemas para ações contra terroristas.
May apresentou então algumas das medidas que realizaria se continuasse no poder: mais poderes para as autoridades intervirem nas escolas, universidades, conselhos locais, clubes sociais e prisões, que falhassem na criação de políticas para impedir a radicalização; proibição das empresas de seguros reembolsarem pagamento de resgates, porque implicariam em aumento dos recursos de grupos terroristas; aumento de 14 para 28 anos da detenção pela polícia de indivíduos suspeitos; expulsão pelas universidades de estudantes que pregarem ideias radicais; aumento das penas de prisão de condenados por envolvimento com o terrorismo; facilitar a deportação de estrangeiros suspeitos, além das pesadas medidas já previstas na anterior lei anti-terrorismo.
Por seu lado, Jeremy Corwin, formulou algo completamente diferente: “Nenhum governo pode evitar ataques terroristas. Mas, é responsabilidade do governo minimizar as chances de atenrados, garantindo que a polícia receba os recursos de que ela precisa e que nossa política externa reduza, em vez de estimular, as ameaças a este país. ”
E afirmou também a existência de “conexão entre as guerras que nosso governo tem apoiado ou lutado em outras regiões e o terrorismo aqui, em nossa casa.”
Seria necessário recontratar os 20 mil policias demitidos por May, além de equipar melhor os órgãos de segurança para protegerem o país.
No entanto, a solução definitiva seria, em vez de combater o mal pelos seus sintomas, combater as causas. Evitar que jovens muçulmanos, enfurecidos pelas intervenções militares inglesas, vinguem seus mortos, praticando atentados contra o povo inglês ou se alistem nas hostes do ISIS, al Qaeda e quejandos.
Daí a necessidade de suprimir as razões do ódio, reduzindo as intervenções militares ao mínimo, somente em casos muito especiais. E com o apoio formal da ONU.
May e seus pares acharam uma graça louca. Afinal, de acordo com o marketing tradicional, um povo aterrorizado não quer saber de soluções indiretas e abstratas, quer é violência para deter os terroristas. E já!
Estavam errados.
Os fatos parecem demonstrar que a posição de Corwin é correta.
No atentado de 2006, no ataque ao subway e a um ônibus em Londres, matando um total de 51 pessoas, dois dos três terroristas suicidas deixaram um vídeo bastante revelador: “continuaremos e usaremos violência até vocês retirarem seus soldados do Afeganistão e do Iraque. Até que nós sentirmos segurança, vocês serão os alvos.”
No ano seguinte, relatório secreto do comando militar e do serviço de inteligência ingleses, vazado no The Obsever, concluía; “A guerra do Iraque contribuiu para a radicalização dos terroristas do atentado de 7 de julho e provavelmente continuará a provocar o extremismo entre os muçulmanos ingleses. ”
Em 2004, relatório encomendado pelo Pentágono, especificava uma lista de causas do terrorismo: ”A intervenção direta dos EUA no mundo islâmico”; ”Nosso apoio a Israel”; “apoio a tiranias islamitas em países como Egito (de Mubarak) e a Arábia Saudita” e, acima de tudo “a ocupação americana do Iraque e do Afeganistão.”
E terminava assim: “Os muçulmanos não odeiam nossa liberdade, mas sim, nossas políticas. ”