Nem bem o avião da Malasian Airlines caiu e já os EUA estavam acusando a Rússia.
Obama culpou Moscou de ter fornecido o sistema de mísseis BUK, que os separatistas ucranianos teriam disparado causando a tragédia. As fotos fornecidas pelo governo ucraniano seriam irretorquíveis.
Ecoando o presidente, o secretário de Estado John Kerry foi enfático, em entrevista à CNN: “Está muito claro que esse sistema (o BUK) foi transferido da Rússia para as mãos dos separatistas”.
Putin negou de pés juntos, mas não colou.
A palavra dos chefes americanos pesou mais.
Os governos europeus vinham resistindo às pressões da Casa Branca para impor sanções realmente severas à Rússia, por causa de suas intervenções na ações na Ucrânia. Sabiam que trariam um efeito bumerangue: suas economias também iriam sofrer..
O governo Obama soube explorar a tragédia, que matou 298 pessoas, para convencer seus aliados. Kerry foi hábil: “Esperamos que isso desperte algumas nações da Europa que continuam relutantes em agir.”
E os europeus foram na onda da dupla Obama-Kerry: como duvidar das afirmações categóricas de estadistas tão respeitáveis numa questão tão séria?
Sob o impacto emocional criado na época, a Europa Unida lançou pesadas sanções conta os russos.
Os resultados foram os esperados.
A Rússia é quem está perdendo mais. Só para dar um exemplo: sua economia crescerá irrisórios 0,20% em 2014, bem menos do que os 1,3% de 2013.
Mas acabou sobrando também para a Europa.
Já são sentidas perdas no comércio dos europeus com a Rússia, que no ano passado alcançavam um movimento altamente lucrativo de 370 bilhões de dólares..
Além disso, algumas das gigantescas multinacionais de energia – British Petroleum, Shell e ENI – tem enormes investimentos em gás e petróleo na Rússia, setores impactados pelas sanções.
Some-se ainda as retaliações de Moscou, fechando o mercado russo para importações de frutas e vegetais de alguns países europeus.
Não é a toa que a economia do Velho Mundo, que ensaiava uma recuperação da crise, começa a dar uma preocupante marcha –a -ré.
Até mesmo a sempre sólida e orgulhosa Alemanha não está fora deste panorama sombrio.
Existem cerca de 6.200 empresas alemãs, operando em território russo.
Os lucros que a maioria delas remete normalmente para seu país de origem fatalmente diminuem em conseqüência da crise provocada pelas sanções na economia da Rússia.
Antes da decretação das últimas sanções, declarou Anton Boerner, chefe da BGA, área de exportação – em entrevista ao Dortmunder Ruhr Nachrichten : “Para elas (as empresas alemãs na Rússia), as sanções econômicas seriam uma autêntica catástrofe.”
E o pior de tudo é que, ao que parece, foi muito barulho por nada.
Na edição de 19 de outubro, o Der Spiegel relata que a BND – a agência de inteligência alemã – informou que, embora os separatistas tenham disparado o míssil fatal, o sistema BUK utilizado não fora fornecido pela Rússia, mas sim roubado de uma base militar do governo ucraniano.
Segundo o BND as fotos fornecidas pelas autoridades de Kiev “tinham sido manipuladas”.
E não é que a Rússia era inocente…
Bem, Inês é morta, os europeus caíram na jogada.
Agora, é muito difícil voltar atrás. No embalo de sua indignação com Putin, aceitaram as duras condições apresentadas por Obama para uma possível suspensão das sanções.
Os russos já renegaram alguns termos que lhes foram impostos.
Estão retirando as tropas estacionadas junto às fronteiras com a Ucrânia, pressionaram e conseguiram que os separatistas aceitassem um cessar-fogo com o governo Poroschenko e estão negociando preços mais baixos para Kiev pagar pelo gás que consumiu – mas não vão renunciar à Criméia. Acredito que poderiam topar um novo plebiscito para a população local optar se quer ou não continuar russa.
Nem o governo de Kiev, nem Obama, nem seus mais fiéis aliados europeus devem concordar com isso.
Impasse criado, com severos danos tanto para Moscou, quanto para a Europa Unida.
Se os europeus tivessem coragem, desviariam sua ira para Obama e Kerry, que os lançaram nessa situação difícil, com motivos frágeis, levados por sua ânsia em prejudicar Putin.
Leviandade? Há quem ache que foi bem mais do que isso.
Na ocasião em que Obama e Kerry lançavam seus raios contra a Rússia, o Los Angeles Times relatou briefing do serviço de inteligência dos EUA: “As agências de inteligência dos EUA até agora não podem determinar a nacionalidade ou identidade do grupo que lançou o míssil.”
E o reporter investigativo Robert Parry escreveu em Consortium News, de 3 de agosto: “Alguns analistas da Inteligência dos EUA concluíram que os rebeldes e os russos não foram provavelmente culpados e parece que forças do governo ucraniano é que tiveram culpa, de acordo com uma fonte que ouviu briefing prestado a algumas autoridades.”
Quanto aos russas, as dúvidas eram mÍnimas: “ Quanto ao papel da Rússia,a fonte declarou que os analistas dos EUA não encontraram evidências que o governo russo forneceu aos rebeldes um sistema de mísseis BUK que seria capaz derrubar um avião comercial à altura de 33 mil pés, a altitude do MH-17”..
Evidentemente, Obama e Kerry estavam por dentro dessas informações,opostsd ás dos serviços de inteligência da Ucrânia, que acusavam Moscou.
Entre les deux, Obama e seu fiel Kerry preferiram ficar com os ucranianos.
Será que eles confiavam mais na eficiência da Inteligência ucranianos do que na do seu país?
Acredite se quizer.
Eis que agora, vieram os serviços de inteligência alemães, não só desmentindo a teoria da autoria russa como também desprezando as provas do governo ucraniano que, conforme os teutos, “tinham sido manipuladas”.
Não dá para desconfiar também da eficiência alemã.
Acredito que eles devem estar certos.
Ora, se houve manipulação por parte dos ucranianos, o que teria havido por parte de Obama e Kerry?
Duas hipóteses parecem prováveis: mistificação ou leviandade.
Primeira hipótese: sabiam que os russos eram inocentes, mas mentiram para convencer os europeus a embarcarem ao lado de Washington numa guerra econômica contra o diabólico Putin.
Fico com a segunda hipótese.
As autoridades americanas sofrem do chamado wishful thinking, no qual as pessoas acreditam que seus desejos estão efetivamente acontecendo – mesmo quando a realidade é outra.
Acho que Obama e Kerry foram por aí.
Mas embora Freud explique o comportamento deles, nem por isso deixa de ser leviano.
Uma qualidade pouco desejável em chefes de estado.
.”