O embargo europeu e a eleição americana.

Seguindo os EUA, a Comunidade Europeia decretou o embargo do petróleo iraniano. Será certamente um golpe na economia do Irã, pois o petróleo representa 70% das suas exportações.

 

Para proteger a Grécia, a Espanha e a Itália, economias em crise mais séria, que são grandes compradoras do petróleo iraniano, a proibição só valerá a partir de julho.

Durante esse prazo, os contratos já em execução poderão ser respeitados, mas não poderão ser contratadas novas importações.

Os países que importam petróleo iraniano terão 6 meses para procurar outros fornecedores.

Parece simples, mas o processo de substituição do Irã por outro fornecedor, provavelmente a Arábia Saudita, não é automático;  envolve grandes problemas e despesas.

O especialista em mercado de petróleo, Greg Sharnow, calcula que, um mês sem petróleo iraniano fará o preço da commodity subir para cerca de 130 dólares o barril. Caso sejam 6 meses, o preço irá para 150 dólares. Atualmente, não chega a 100.

Todo o mercado mundial de petróleo será prejudicado, particularmente as nações mais atingidas pela crise mundial, ou seja, as 3 europeias citadas acima, mais Portugal e Irlanda, pois terão de arcar com pesados e não previstos custos.

Há sérios riscos a considerar. No estreito de Hormuz, um capitão de navio (iraniano ou americano) desavisado poderá interpretar mal alguma situação e mandar disparar, começando uma guerra.

Conseguindo assegurar que a China, e talvez a Turquia e a Índia, aumentem suas compras de petróleo de modo a compensar as perdas do mercado europeu, o Irã poderia cancelar já suas exportações para a Europa. Fato que deixaria a Grécia, a Espanha e a Itália com falta de petróleo, portanto, em situação alarmante, além de causar um brutal aumento do preço no mercado internacional, em função da redução da oferta.

Os embargos, portanto, geram problemas e perigos de uma gravidade tal que somente se justificariam se houvesse causas realmente sérias.

Será que existem?

Surge logo uma pergunta: por que um Irã nuclearmente armado seria uma ameaça para o mundo quando não se teme Israel, o Paquistão, a Índia e mesmo a Coréia do Norte, só para citar os mais recentes adquirentes da tecnologia militar atômica?

Dúvida que fica inquietante quando se lembra que nos últimos 150 anos, pelo menos, o Irã não atacou nenhum país. Coisa de que Israel não pode se orgulhar, depois de ter invadido o Líbano 2 vezes e ter destruído a Faixa de Gaza. Idem a Índia e o Paquistão, que já se envolveram em diversas guerras curtas entre si no século 20. Ou a Coréia do Norte que, como é sabido, já invadiu a Coréia do Sul e é acusada (não sei se há provas) de ter afundado um navio dessa sua vizinha.

Aliás, por que haveria o Irã de atacar algum país europeu? Historicamente isso nunca aconteceu. Será que há alguma possibilidade em perspectiva, digamos, nos próximos 20,30 anos?

Essas coisas costumam ser esquecidas por quem argumenta com a periculosidade iraniana. Não significam nada para o chanceler inglês Willian Hague, em recente visita ao Brasil. Para ele, o que conta é a ameaça feita por Ahmadinejad de varrer Israel do mapa. O que o classificaria como um louco furioso, capaz até de lançar mísseis de longo alcance (que o Irã não tem) contra a Europa ou qualquer outro continente.

Em termos de propaganda é uma frase de grande impacto. Que os judeus habilmente usam (nos EUA, eles são excelentes publicitários).

No entanto, não passa mesmo de uma frase de efeito. Já foi mais do que explicado por Ahmadinejad e outros próceres iranianos, que se tratava de uma metáfora do tipo de “o comunismo será varrido da terra”, “o racismo será varrido dos EUA”, e assim por diante.

O que o presidente iraniano quis dizer é que o estado sionista de Israel seria, um dia, eliminado pela História, nunca pelas armas, que ele não é louco de enfrentar Israel com suas 200 a 300 bombas nucleares, mais os avançados e poderosos armamentos americanos, além de, eventualmente, as próprias forças armadas dos EUA.

Mas o ministro William Hague não se dá por vencido. Para provar a “barbárie” do governo iraniano, citou o malogrado “atentado” de supostos comparsas da Guarda Revolucionária contra o embaixador da Arábia Saudita nos EUA.

O mais incrível é que não ficou vermelho (a fleugma britânica é famosa), ao lembrar uma armação tão mal feita, à qual os comentaristas sérios não deram o mínimo crédito.

Embora sem deixar de lado o “delenda Teerã”, atualmente, tanto americanos, quanto israelenses, mudaram o teor de seus discursos acusatórios.

Ehud Barak, Ministro da Defesa, declarou que o Irã não é uma ameaça existencial a Israel. Que, sendo rodeado por potências com armas nucleares (Rússia, China, Israel, Índia e Paquistão) é natural que também queiram ter a bomba atômica.

Mas, por ora, isso não estaria acontecendo.

Segundo o jornal israelense Haaretz: “Israel acredita que o Irã ainda não decidiu se vai fazer uma arma nuclear, de acordo com informações da Inteligência a serem apresentadas ao General Comandante do Estado Maior das Forças dos EUA,” numa reunião com os generais israelenses.

Para Leon Panetta, Secretário da Defesa dos EUA, no programa da CBS, “Face the Nation”: “eles (os iranianos) estão tentando desenvolver uma arma nuclear? Não, mas nós sabemos que eles estão tentando desenvolver uma capacidade nuclear.”

O engraçado, ou melhor, triste, é que o Secretário da Defesa dos EUA ignora que, pelo “Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares,” desenvolver capacidade militar nuclear não é proibido. Se uma nação tem um setor nuclear civil totalmente desenvolvido, ela tem capacidade para vir a produzir armas nucleares.

É o caso do Brasil, Japão e Argentina, por exemplo. Se quisessem, poderiam romper com o Tratado e, em alguns meses estariam produzindo armas nucleares.

Mas o Irã não fez isso, como tanto os israelenses, quanto Leon Panetta afirmam.

Portanto, para os maiores adversários do Irã, ele não busca produzir armas atômicas, apenas conseguir capacidade nuclear, que, convenhamos, representaria uma espécie de seguro contra certos impérios invasores…

Voltando à questão da capacidade nuclear, o chanceler britânico William Hague, insiste que o que o Irã está tentando produzir são armas nucleares.

E aí novamente pisou na bola.

Do alto de sua pompa conservadora, declarou que o Irã estava enriquecendo urânio “…a 20%, com o que não é possível qualquer uso civil”. Ele desconhecia que o Reator de Pesquisas de Teerã já vinha usando o uranio enriquecido a 20% para produzir isótopos com fins medicinais.

Igualmente, o famoso “relatório Amano” (do IAEA), sempre alegado como prova das más intenções do país dos aiatolás, afirma que o programa de pesquisa do Irã de bombas nucleares “…foi interrompido de modo abrupto por uma ordem emitido em fins de 2003.”

E, mais adiante: ”Todos os materiais nucleares nas usinas permanecem sob controle da Agência e em segurança.” Ora, sem materiais nucleares não é possível desenvolver um programa de armas nucleares.

Mesmo autoridades americanas admitiram que não tem provas de que o Irã está procurando produzir armas nucleares. De acordo com comunicado da National Intelligent Estimates (NIE), em 2011, o Diretor Nacional de Inteligência, James Clapper, confirmou numa audiência do Senado que “tinha um alto nível de confiança” que o Irã “não havia tomado a decisão de reestabelecer seu programa de armas nucleares.”

Apesar de não haver qualquer evidência séria da existência de um programa nuclear militar iraniano, o qual, mesmo que houvesse, não representaria perigo algum, a Comunidade Europeia resolveu fulminar a economia iraniana com uma sentença devastadora, arriscando-se a um efeito bumerangue. Que poderia provocar distúrbios no mercado internacional de petróleo. Os quais se voltariam especialmente contra os países-membros mais fracos, em péssimas condições para enfrentar elevações de preços substanciais.

Por que?

Difícil de responder.

Talvez pelo hábito – contraído durante a Guerra Fria- de seguir os EUA, o líder do mundo ocidental. Talvez por medo de enfrentar as iras da maior potência militar do orbe…

Mas e os EUA ?

As pesquisas mostram que a população americana, em esmagadora maioria, acredita que o Irã, se não tem, está a ponto de ter armas atômicas.

Para Larry Clinton, do New York Times, o povo americano foi convencido por uma propaganda de governo “estritamente semelhante à da campanha de Hitler contra a Polônia.”

Nesta campanha, aliaram-se membros do governo Bush, congressistas dos dois partidos, os principais veículos de comunicação, os lobbies judaico-americanos e os pastores cristãos fundamentalistas.

As pesquisas também mostram que, a política internacional é uma questão secundária para a população que dá muito maior importância a problemas econômicos.

Mesmo assim, Barack Obama, que é aparentemente esclarecido, lidera as sanções contra o Irã, ameaça com ataques militares “caso Teerã passe a linha vermelha” e não demonstra desejo de encontrar uma solução pacífica para o problema.

É que ele está de olho nas eleições.

Nelas, o voto judaico-americano pesa, particularmente nos estados de Nova Iorque e Florida.

No entanto, ainda mais importante é contar com o apoio dos congressistas do seu partido e da AIPAC, o maior lobbie judaico-americano.

A AIPAC conta com 100 mil associados e um orçamento milionário para financiar as campanhas eleitorais de senadores e representantes fiéis.

Conforme Richard Cohen, no Washington Post, em 2006, 60% dos fundos de campanha do Partido Democrata e 35% do partido republicano vieram dos cofres da AIPAC. Nas eleições de 2010, esses números foram maiores ainda. Não há motivos para crer que nas próximas eleições será diferente.

Desse modo, a influência da AIPAC sobre os congressistas é enorme.

Thomas Friedman, conceituado colunista judeu do New York Times, que      sempre defendeu o estado de Israel, teve a coragem de afirmar esse fato.

Escreveu que a aclamação que Netanyahu recebeu no Congresso, depois de uma discussão com Obama, foi comprada e paga pelos lobbies judaico-americanos.

Se Obama tivesse a coragem de dizer que um Irã armado nuclearmente não ameaçava o mundo; ou que não havia indícios de um programa iraniano desse tipo; ou mesmo que procurasse sinceramente negociar um acordo de paz com Teerã…Em qualquer dessas hipóteses, ele se arriscava a perder os votos judaico-americanos, os financiamentos da AIPAC e, por extensão, o apoio de  parte dos congressistas do seu próprio partido.

Acredito que, em compensação, ganharia o voto dos milhões de americanos liberais e progressistas que se omitiram na última eleição legislativa, decepcionados com a fraqueza do presidente.

Se isso acontecesse, não sei se Obama seria reeleito.

Só sei que, por causa das eleições americanas, as novas sanções contra  o Irã poderão gerar prejuízos imponderáveis também para países que não tem nada a ver com o problema.

Luiz Eça

www.olharomundo.com.br

25/01/2012

 

 

3 pensou em “O embargo europeu e a eleição americana.

  1. Muito bem comentado Sr. Luiz.

    Além da influência da AIPAC citada acima, o governo norteamericano é um velho aliado das estratégias bélicas durante as campanhas eleitorais. Com sua economia fortemente apoiada por empresas fabricantes de armas, como a Lockheed Martin e a United Defense, uma das estratégias mais comuns de “injeção de capital e ânimo” na economia do país é a indústria da guerra, que permite ao governo, por meio dos constantes pedidos de ampliação de verba do Pentágono, estimular um dos maiores nichos da sua indústria.

    Uma guerra como esta permitiria esquentar o clima econômico do país em todos os setores dos seus parques industriais… isto é, no início, até que os próprios gastos com a guerra voltem a não compensar seu constante investimento, neste circulo nada vistuoso do desenvolvimento econômico dos EUA…

  2. luiz, seu artigo é muito pertinente pois mostra varios temas que correm a midia e que não são bem explicados e longe da realidade que vc aponta.
    abçs
    eurizio

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