“Muitas nações tem índices problemáticos (em direitos humanos), mas a Arábia Saudita se destaca entre todas pelos extraordinários níveis de repressão e na falta de cumprimento de suas promessas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.”
Essa frase de Joe Stark, vice-diretor para o Oriente Médio do universalmente respeitado Human Rights Watch, não é exagerada.
Há 4 anos atrás, depois de decênios de violações, os representantes da Arábia Saudita no Conselho de Direitos Humanos juraram se emendar.
E o que aconteceu?
Diz Philip Luther, da Anistia Internacional, que as coisas até pioraram.
Relatório da Anistia enfatiza “uma nova onda de pressão contra a sociedade civil”, a partir de 2011.
Os ativistas de direitos humanos e defensores de reformas tem sofrido prisões arbitrárias; detenção sem acusação, nem julgamento; sentenças injustas e proibição de viajar; confissões obtidas por torturas aceitas pelos tribunais como legais.
A Anistia também documentou muitos casos de “discriminação sistemática das mulheres tanto nas leis, quanto na prática” e “violências contra trabalhadores migrantes.”
Segundo o Informe 2013 da Anistia : “As autoridades continuaram a deter em regime de incomunicabilidade pessoas suspeitas de pertencer ou de apoiar a Al Qaeda e grupos islamitas. Acredita-se que milhares de pessoas suspeitas de delitos relacionados à segurança, que foram presas em anos anteriores, estejam sendo detidas praticamente em segredo, sem qualquer meio de contestar seu contínuo encarceramento e sem acesso a advogado ou médico.”
30 mil presos políticos permanecem encarcerados.
Em outubro, foi comunicado oficialmente pelas autoridades que protestar seria considerado crime político, passível de processo e “tratamento rigoroso” por parte da polícia.
Na região leste, a minoria xiita realizou manifestações pedindo o fim das discriminações, sendo reprimida pelas forças de segurança, que mataram a tiro 10 civis e prenderam 155, inclusive 20 meninos. Diversos foram sentenciados a açoitamento.
A situação está tão grave que até países aliados dos sauditas protestaram.
Em recente reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o representante do Reino Unido pediu a abolição do controle das mulheres por seus maridos ou irmãos. O representante americano denunciou casos de trabalho forçado impostos pelo governo saudita e restrições às liberdades de religião e de associação. E os alemães pediram a moratória da pena de morte usada para diversos crimes, inclusive a apostasia.
Apesar desse sinistro recorde, a Arábia Saudita jamais sofreu punições por parte da comunidade internacional, como aconteceu com o Myamar e a Síria, por exemplo.
Em parte porque o país é o pincipal aliado dos EUA no Oriente Médio, depois de Israel.
Em parte, por sua extraordinária riqueza: é o maior exportador de petróleo do mundo.
O país é uma monarquia absoluta, onde o rei detém todos os poderes: executivo, legislativo e judiciário.
Não há partidos políticos, nem liberdade de expressão, nem liberdade de imprensa. É um os raros países que não aceitam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU.
Eleições, só a nível municipal, com candidatos previamente aprovados pelas autoridades.
Não há constituição escrita.
O povo deve obedecer à sharia, leis do Alcorão, aplicadas ao pé da letra, como há 1.400 anos.
A religião oficial é o wahabismo, uma seita muçulmana extremamente radical e conservadora.
Não existe liberdade religiosa, igrejas de religiões não islâmicas são proibidas, o último sacerdote foi expulso em 1885.
Recentemente, dois indivíduos foram condenados a pesadas penas de prisão e a centenas de chibatadas por terem ajudado uma moça a fugir do país. Ela havia se convertido ao cristianismo o que seria passível de pena de morte.
As mulheres são discriminadas.
Não podem se candidatar e só recentemente uma lei permitiu que votassem nas eleições municipais, a partir de 2015.
Em política externa, a diplomacia saudita é muito ativa.
Sendo o wahabismo uma seita sunita (uma das duas divisões do islamismo), opõe-se a todos os países xiitas (a outra divisão).
Cerca de 70 bilhões de dólares são investidos anualmente para promover a intolerância religiosa e os movimentos radicais, próximos ao wahabismo.
Até mesmo aqueles que, costumam ser combatidos duramente no interior do país.
Poderosos interesses privados também fornecem grandes recursos para movimentos radicais que tumultuam outros países.
Disse Hillary Clinton, quando secretária de Estado: ”A Arábia Saudita continua uma base crítica de apoio financeiro à al-Qaeda, ao Talibã e outros grupos terroristas…Doadores na Arábia Saudita constituem a mais importante fonte de financiamento de grupos terroristas sunitas em todo o mundo.”
O principal inimigo do reino é o Irã, com quem disputa a hegemonia na região.
Chegou a apoiar o sunita Saddam Hussein na sua guerra contra o xiita Irã, com uma ajuda financeira de 25 bilhões de dólares.
Os sauditas temem a influência do regime da revolução islâmica sobre os xiitas do país, concentrados na província do Nordeste, onde justamente existe o maior número de poços de petróleo.
O poderio militar do Irã e seu duvidoso programa nuclear bélico, são sua grande fonte de preocupações.
Por isso, vem exigindo dos EUA dureza no trato com os iranianos, mesmo depois da ascensão do moderado Rouhani.
A rivalidade com o Irã motiva os sauditas a fornecerem armas e dinheiro aos rebeldes sírios contra o regime de Assad, aliado de Teerã. E a pressionar contra um possível acordo de paz.
Para evitar o contágio das ideias democráticas da Primavera Árabe, o reino atuou externamente de forma decisiva.
Enviou ao Bahrein 1.400 soldados, equipados com armas pesadas e até tanques, para reprimir violentamente as manifestações pela liberdade.
Foi duro com o governo da Irmandade Muçulmana no Egito (oriundo da Primavera Árabe) e generoso ao extremo com a ditadura militar que o derrubou, oferecendo empréstimos bilionários.
Imperturbável, a Arábia Saudita continua desafiando a comunidade internacional e suas exigências de respeito aos direitos humanos.
Enquanto o petróleo for rei, ela não precisará se tocar com isso.