Os franceses consideram que já liquidaram a fatura no Mali.
Com a expulsão dos fundamentalistas islâmicos para as montanhas, o governo de Paris anunciou uma retirada parcial do seu exército no mês de março.
Mas, o Qatar, parece, ainda não entregou os pontos.
De olho nos grandes recursos de petróleo e urânio do norte do Mali, ele já investiu muito tempo e dinheiro nos rebeldes para ajudá-los na sua luta pela independência da região.
Os franceses estão por dentro disso.
Em junho do ano passado, artigo no “Le Canard Enchainé”, cujo título era ‘Nosso Amigo Qatar está financiando os islamitas do Mali”, informava que. de acordo com fontes militares, os catarianos estariam apoiando os separatistas do norte do Mali, tanto os fundamentalistas ligados à Al Qaeda, quanto seus rivais tuaregues.
Um mês depois a rádio RTL noticiava: “O governo francês sabe muito bem quem está apoiando esses terroristas. Qatar, por exemplo, continua a enviar diariamente o que chama de “ajuda e alimentação” aos aeroportos de Gao e Timbuctu.”
Na verdade, o papel do Qatar na guerra do Mali é muito claro.
Quando os rebeldes tomaram todo o norte, a única organização que teve acesso livre à região foi a Cruz Vermelha do Qatar.
Além disso, autoridades do governo de Doha manifestaram desaprovação à intervenção militar francesa.
O que provocou protestos de Harlem Desir, líder do Partido Socialista Francês, do presidente Hollande. Que criticou “a indulgência do Qatar diante dos grupos terroristas que ocupavam o norte do Mali.”
O Qatar explicou-se frouxamente. Estaria apenas prestando socorro humanitário às populações do norte atingidas pela guerra.
Ma não saiu do jogo.
Ainda conta com a carta dos tuaregues.
Eles são um grupo que há muitos anos pretende criar um estado independente no norte.
Tendo participado da guerra da Líbia, do lado de Kaafi, voltaram bem armados para enfrentar as forças do governo de Mali.
E começaram vencendo os primeiros choques militares.
Foi quando chegaram os fundamentalistas, também vindos da guerra da Líbia, onde lutaram contra o governo ditatorial.
A princípio aliaram-se aos tuaregues.
Logo brigaram, pois os tuaregues, que são islamitas secularistas, não aceitam a aplicação integral da Sharia como lei, tal como era quando apresentada por Maomé, na Idade Média.
Derrotados, eles saíram de cena para renascer durante o ataque dos exércitos francês e malinense contra os radicais islâmicos.
Lutando por seu lado, os tuaregues tomaram a cidade de Menaka.
E anunciaram que desejam negociar com os franceses.
Tudo indica que não desistiram do seu sonho de independência.
Lembro que o Qatar tem apoiado os tuaregues. E que também sonha com essa independência que lhe abrirá as portas do urânio e do petróleo da região.
Para a França, seria um pesadelo.
Depois de investir tanto na guerra contra os fundamentalistas, não vai querer perder os preciosos recursos naturais do norte do Mali.
O problema é: como justificar uma intervenção militar contra os tuaregues?
Atacar os fundamentalistas era plenamente justificável, pois se tratava de um movimento terrorista, que, ganhando a parada, seria uma ameaça séria aos países da região e mesmo da Europa.
Mas os tuaregues, embora islâmicos, são secularistas e querem construir uma sociedade livre e moderna. Por isso mesmo, haviam rompido com os islamitas radicais meses atrás.
Seu desejo de independência é justo.
Será difícil para os franceses arrumarem uma desculpa para continuarem lutando em favor do governo central do Mali, por sinal oriundo de um golpe militar.
Mas o Ocidente é muito bom na arte de explicar o inexplicável.