A imprensa brasileira noticiou a condenação do ex- agente da CIA, John Kiriakou, a 30 meses de prisão.
Kiriakou revelou a um repórter da rede de TV ABC, em 2007, que, durante o governo Bush, assistiu a uma sessão de torturas da CIA, na qual um colega aplicou a técnica de simulação de afogamento (waterboarding) em suspeitos de terrorismo.
O fato foi veiculado em reportagem, embora o nome do torturador tivesse ficado de fora.
Nossa imprensa também citou declarações da juíza do processo, considerando que o delito principal foi o rompimento do juramento de sigilo que os agentes da CIA prestam. ..
A denúncia da monstruosidade que é uma tortura passou em branco nas considerações da eminente autoridade judiciária.
Os jornais deram mais alguns detalhes pouco relevantes e terminaram comparando o caso com o julgamento de Scooter Libby, que revelou o nome de uma agente secreta da CIA e recebeu pena semelhante à de Kiriakou.
O que eles omitiram não deixa muito bem o Presidente Obama.
Obama procedeu a um inquérito sobre a ocorrência.
No fim, absolveu o torturador e seus superiores, que destruíram os vídeos mostrando a aplicação do waterboarding no suspeito.
Não foi igualmente generoso com Kiriakou já que não o indultou.
Portanto, garantiu a liberdade dos praticantes de um crime contra os direitos humanos mas não a do ex- agente que teve a coragem de fazer a denúncia ao público.
Já Bush foi solidário com um personagem, envolvido em caso qualificado como semelhante ao do ex- agente da CIA.
Veja só como tudo aconteceu.
No gabinete do vice- presidente, Cheney, em tempos de Bush, tramou-se uma vingança contra o ex- embaixador Joseph Wilson, crítico das ações do governo.
Scooter Libby, o chefe do gabinete, informou a um repórter que Valerie Wilson, esposa do ex- embaixador, era uma agente secreta da CIA.
A notícia saiu logo na imprensa.
Resultado: com a identidade de Valerie tornada pública, ela perdeu o emprego.
O assessor de Cheney foi processado por 5 delitos, inclusive falso testemunho e obstrução da justiça.
Acusações muito mais sérias do que as feitas a Kiriakou, julgado apenas por rompimento de juramento.
A pena foi também de 30 meses. O juiz do caso acrescentou 2 anos de livramento condicional.
Agora, vá analisando.
Kiriakou prestou um serviço público, denunciar torturas e torturador.
Scooter foi instrumento de uma vingança política, destruindo a carreira de uma funcionária pública, sem vantagem alguma para a comunidade.
Aí Bush entrou em ação.
Enquanto Obama nada fez em favor de Kiriakou, ele indultou Libby. Livrou- o dos 30 meses de prisão.
Para não ficar muito feio, o presidente republicano manteve os 2 anos de liberdade condicional, que Libby cumpriu leve e solto…
Mas tem mais.
O casal Wilson entrou com uma ação de perdas e danos (que foram muitos) contra Libby, seu chefe, o ex-vice Cheney, e mais um bando de sujeitos do gabinete vice- presidencial.
Quando Obama assumiu, o processo foi arquivado por um juiz singular.
O casal recorreu e coube ao Departamento de Justiça, agora sob a nova administração, dar seu parecer.
Pois a justiça de Obama ficou ao lado dos “bad guys”: disse que eles tinham razão, negando o direito dos Wilsons.
E a Justiça de Obama concordou com a turma de Cheney, negando o direito dos Wilsons.
Voltando à questão das torturas, ainda há o que dizer.
Elas foram terminantemente proibidas por Obama.
Parece que o pessoal da CIA não gostou muito da ideia.
Para continuar com essa ‘técnica’ de interrogatório sem desobedecer ao presidente, eles descobriram um jeito bastante criativo.
Deixam o trabalho de torturar Por conta de agentes de países onde vale tudo no interrogatório dos presos.
Seu pessoal limita-se a acompanhar as sessões, dando palpites, ajudando a convencer os suspeitos a confessarem, “darem o serviço.”
Foi o que aconteceu com o jovem inglês, de origem somali, Mahdi Hashi.
Ele foi preso em sua cidade, Londres, de um jeito muito parecido com sequestro pois sua família não recebeu qualquer comunicação.
Nem teve chance de chamar um advogado.
Levado para Dijibouti, na África, Hashi foi interrogado da forma mais brutal, sofrendo até estupro, por agentes da polícia política local.
Os torturadores queriam informações sobre o possível envolvimento de Haji com terrorismo entre agosto e novembro de 2012.
Segundo a vítima, embora agentes da CIA não tenham “sujado as mãos”, eles participaram. Trocando ideias com o pessoal da casa, ponderando à vítima que seria bom “colaborar”, prestando, enfim, sua fraternal assessoria.
E apesar da inevitável confissão escrita ter sido obtida através de torturas, os agentes da CIA as aceitaram como válidas e as levaram consigo para instruir o devido processo.
Hadi está agora em Nova Iorque, onde será submetido a julgamento sob acusação de ações terroristas.
É possível que ele esteja mentindo, que não havia ninguém da CIA, usando os agentes secretos africanos para burlar a proibição de torturas feita por Obama.
O contrário pode também ter acontecido: que a denúncia seja verdadeira e até exemplifique um procedimento generalizado pela CIA.
O mínimo que Obama pode fazer é uma profunda investigação.
A credibilidade do seu governo está em jogo.