O Presidente Obama acaba de visitar Myamar onde foi aplaudir as reformas democráticas que esse país está realizando.
Já é tradicional na política externa americana o incentivo a governos ditatoriais a adotarem a democracia e leis de respeito aos direitos individuais.
O interessante é que, enquanto defende idéias tão louváveis, a Casa Branca caminha em sentido contrário nos próprios EUA.
No seu afã de aumentar os poderes do estado sobre o indivíduo, os EUA chegaram a revogar de fato o art.6 da sua Constituição, que dá ao cidadão acusado de um crime o direito a um julgamento justo.
Desde o fim do ano passado, lei do Congresso, assinada por Obama, permite ao presidente mandar deter numa prisão militar suspeitos de ligações terroristas e conservá-los presos indefinidamente, sem acusação, nem julgamento.
Antes desse procedimento ser legalizado, o governo Bush já autorizava sua prática, através do programa das extraordinary renditions, no qual a CIA raptava no exterior presumíveis terroristas e os transportava clandestinamente para países onde poderiam ser interrogados sob torturas sem problemas legais.
Em Guantanamo, desde Bush, há cerca de 80 prisioneiros que jamais serão julgados ou soltos pois os chefes militares temem que sejam absolvidos, por terem confessado sob tortura.
Obama prometeu acabar com essa situação ignominiosa, fechando Guantanamo em um ano, mas acabou não cumprindo sua promessa.
Aliás, ele também ignorou o tão cultuado direito ao julgamento com sua kill list, lista de indivíduos perigosos a serem assassinados no exterior, via drones manejados pela CIA.
Todas estas ações muito próprias de regimes tipo Hitler, Stalin ou Pinochet, mas pouco adequadas às democracias, violavam , não só o art.6 da Constituição dos EUA, mas também o art.10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o art.6 da Convenção Européia dos Direitos Humanos, entre outros diplomas legais internacionais.
Apesar de não se importarem com nada disso, Bush, no passado, e Obama, agora, sempre ergueram a voz na condenação de práticas anti-democráticas e contrárias aos direitos individuais desde que de outros governos, especialmente os hostis às política deles.
Ao que se sabe, jamais ficaram vermelhos, apesar de, há quem diga, seus narizes curiosamente cresceram, como aconteceu com Pinochio, em situações semelhantes.
Mas, o mais grave é que agora o governo do Presidente Obama (Prêmio Nobel da Paz), não contente em negar o direito das pessoas a um julgamento justo, ainda pressiona para que outros países façam o mesmo.
No Afeganistão, aconteceu o imaginável: autoridades desse país primitivo e pouco civilizado deram lições de democracia aos líderes do país da liberdade e da justiça.
No acordo de retirada parcial das tropas americanas do Afeganistão em 2014, fora estabelecido que as prisões atualmente nas mãos do exército de Tio Sam já fossem passadas para o controle afegão.
Eis que o Presidente Karsai veio a público reclamar que o exército americano havia paralisado o processo de entrega da prisão de Bagram às autoridades locais.
O motivo alegado pelos chefes militares dos EUA foi o receio de que o governo Karsai processasse determinados prisioneiros de Bagram, que queriam manter enjaulados talvez para sempre.
Com isso, provavelmente seriam absolvidos, pois não havia evidências suficientes contra eles. Ficariam livres, o que os representantes da grande democracia yankee consideravam perigoso para os interesses dos EUA.
Infelizmente, o Presidente do Afeganistão não topou.
Conforme o porta voz oficial, Aimal Fawsi, explicou à imprensa, em 19 de novembro, a prisão indefinida e sem julgamento é ilegal no Afeganistão. Como, aliás, em todos os países democráticos do mundo.
Os representantes da Casa Branca já vinham há tempos tentando convencer o governo afegão a continuar aplicando o sistema americano de prisão indefinida, sem acusação e sem julgamento, aos mais de 50 prisioneiros perigosos de Bagram.
Apesar de, em setembro, a mais alta corte de justiça afegã ter declarado que esse tipo de detenção violava as leis do país, não em por isso desistiram e continuam recusando-se a completar a entrega de Bagram e dos seus 50 afegãos do mal.
Não foi primeira vez que membros do governo Obama incentivaram os atrasados afegãos a desrespeitarem direitos individuais.
Em 2008, planejaram o assassinato de cidadãos afegãos suspeitos de serem “chefes do narcotráfico” – sem acusação, nem processo legal – provocando protestos de autoridades afegãs.
Elas deram mais uma lição de Direito aos americanos: ”Aqui existe um problema constitucional. Uma pessoa é inocente até prova em contrário. Se você for matá-los ou prende-los, como vai provar que eles eram realmente culpados em termos de processo legal.?”
Na ocasião, ensinaram aos americanos que “…deveriam respeitar nossa lei, nossa constituição e nossos códigos legais”.
Recentemente, essa história se repetiu, agora no Iraque.
Em 2007, os EUA prenderam o insurgente, Ali Musa Daqduq, acusado de matar 4 soldados do exército americano que então ocupava o país.
Se ele fosse um maquis francês, praticando atentados contra a dominação nazista da França, seria declarado um herói.
Mas, no contexto da insurgência iraquiana anti-ocupação americana foi taxado de terrorista.
O exército de Tio Sam manteve Daqduq preso até sua retirada do Iraque, quando passou para a guarda do Iraque, que o soltou.
Todos os esforços foram feitos pela Casa Branca para convencer o Iraque a transferir o miliciano para os EUA onde seria julgado por uma “comissão militar” e devidamente detido em Guantanamo ou numa prisão especialmente criada para inimigos estrangeiros, em South Carolina.
Mas Daqduq já havia sido julgado e absolvido por uma corte local e os iraquianos rejeitaram a pretensão americana, alegando que seu governo tinha soberania sobre atos cometidos no Iraque e tinha obrigação de honrar as decisões de seus tribunais.
Foi mais uma lição de democracia que os EUA recusaram-se a aprender pois reagiram com indignação ao fato.
O Vice-Presidente Biden apressou-se a telefonar ao Primeiro Ministro iraquiano, Maliki, no dia 20 de novembro, pressionando para que Daqduq fosse responsabilizado por suas ações, cabendo ao Iraque explorar todas as opções legais para atendê-lo.
Nada feito.
Conforme uma autoridade americana informou: “O sr.Maliki informou ao sr.Biden que o Iraque tinha esgotado todas as opções legais para manter Daqduq preso e que neste ano uma corte iraquiana tinha mandado libertá-lo.”
Note que as duas soluções aventadas por Washington – Maliki manter Daqduq preso forever ou remetê-lo para ser julgado por militares americanos- por sinal seus acusadores, que o trancafiariam em Guantanamo até nunca mais – prescindiam de julgamento.
Pregar democracia, mas contestá-la quando inconveniente a seus interesses.
Seria essa a versão moderna da excepcionalidade americana?
A conduta dos Estados Unidos é mais aterrorizante que os atos terroristas alardeados pela mídia.