Os protetores ameaçam o protegido.

Empenhados em derrotar os talibãs para poder transformar o Afeganistão numa democracia, os EUA podem estar usando um recurso perigoso.

Trata-se da Polícia Afegã Local (ALP), força criada para garantir a segurança e a estabilidade do país quando as tropas estrangeiras saírem.

Embora o objetivo seja contar com 30 mil milicianos, ela já está em ação. E há dúvidas muito sérias se ela irá garantir ou destruir a ordem democrática do país.

A ALP é uma idéia do General Petraues.

Origina-se de uma experiência bem sucedida do general na Guerra do Iraque.

Preocupado com os constantes ataques da insurgência, ele aliciou milícias sunitas, até então adversárias das forças americanas, para combater as milícias xiitas e a Al Qaeda.

Os novos aliados eram atraídos por pagamentos em dólares e pela cessão de armas modernas. Foi o chamado “Despertar Sunita”.

Dezenas de milhares de milicianos sunitas não tiveram muitos escrúpulos em topar.

Afinal, eles vinham se incompatibilizando com o pessoal da Al Qaeda que, embora também sunitas e aliados, estavam exagerando nos atentados. Quanto aos xiitas, são seus inimigos seculares – não seria pecado atacá-los.

Com o apoio das milícias sunitas; o fortalecimento do exército iraquiano e a retração dos xiitas, sob influência dos iranianos que queriam estar bem com o governo de Bagdá, o exército americano conseguiu limitar bastante as ações da insurgência.

Nomeado comandante das tropas dos EUA no Afeganistão, Petraeus pensou em repetir seu êxito no Iraque.

E assim surgiu a ALP, formada por milicianos recrutados nas diversas regiões do país, ganhando um salário de 200 dólares, excelente para os padrões afegãos.

Uma vez aprovados, eles passam por um treinamento de 15 dias numa base francesa. E já entram em ação.

Sobre sua eficiência em combate, não há ainda uma opinião conclusiva.

Mas seu comportamento deixa muito a desejar.

O renomado jornalista inglês, John Glaser, afirma em Antiwar (11-7-2012): “A ALP tem usado o apoio dos EUA para firmar sua autoridade e cometer graves crimes contra os civis afegãos”.

Em um relatório sobre a ALP, o Human Rights Watch documenta “…sérias atrocidades, tais como:  assassinatos, estupros, detenções arbitrárias, raptos, apropriação de terras à força e raids ilegais praticados por grupos armados irregulares na província de Kunduz, no norte, e pela Polícia Afegã Local (ALP).”

“Em abril”, o relatório informa, ”4 membros da ALP armados seqüestraram, na província de Baghan, um menino de 13 anos no caminho de sua casa e o levaram para a casa de um sub comandante da ALP, onde ele foi estuprado.”

Os autores do crime eram conhecidos, mas não foram presos, nem se tomou qualquer atitude contra eles.

Por sua vez, o Sunday Times (20/12/2010) narrou uma série de fatos graves nessa mesma província de Baghan.

Um exemplo: “Em vez de estabilizar a área, Noor ul Haq (comandante local da ALP) e seus homens desestabilizaram Shabuddin”, denunciou o chefe do Conselho de Baghan.”Eles estão acima da lei. Eles seqüestram ou matam quem eles vejam como ameaça a seu novo poder.”

O Governador do distrito de Khanabad contou ao Human Rights Watch que os grupos da ALP operam fora da lei. E disse mais: “eles cobram taxas, levam as filhas das pessoas, fazem coisas contra as esposas das pessoas, eles roubam os cavalos delas e as ovelhas, qualquer coisa.”

Não há notícia de punições aplicadas a qualquer dos transgressores da ALP.

Enquanto continuarem atuando sem supervisão de oficiais da OTAN e, pior do que isso, apoiados pelos americanos, os milicianos da ALP continuarão cometendo crimes impunemente.Não há dúvida de que suas ações contribuem bastante para piorar a imagem já desgastada do governo do Afeganistão, dos EUA e da OTAN.

Retirando suas tropas de combate em 2014, os EUA devem deixar um contingente bem menor para treinamento dos soldados afegãos e para raids noturnos, contra objetivos específicos.

A segurança do país ficará a cargo do exército do Afeganistão e da ALP.

Continuando a agir do mesmo modo, a ALP tende a dividir-se em facções, cada uma com seus chefes, que lutarão não só contra os talibãs, mas também entre si.

Será difícil para o governo de Kabul e o comando americano evitar uma guerra civil.

Exatamente o que aconteceu depois da retirada das tropas russas do país e da queda do regime comunista, derrotados por bandos de milicianos, armados e organizados pelos EUA.

Entre 1992 e 1996, o Afeganistão foi um país dividido entre estes bandos que, comandados por “senhores da guerra”, travaram uma guerra civil que causou a morte de dezenas de milhares de civis.

A lei e a ordem só foram impostas ao país quando os talibãs acabaram tomando o poder.

Por sua vez os milicianos que combateram os russos, posteriormente, voltaram suas armas contra os EUA,que as forneceram, formando a Al Qaeda, a Jihad Islâmica e outros movimentos terroristas.

Em vez de mirar o exemplo do “Despertar Sunita” do Iraque, o general Petraeus deveria ater-se no que deu idéia análoga, aplicada no próprio Afeganistão.

Talvez ele organizasse sua ALP de outro modo, com menos autonomia, menos poder e, especialmente, com uma disciplina muito mais severa.

Se agisse assim a nascente democracia afegã não estaria ameaçada por aqueles que a médio prazo terão a missão de protegê-la.

 

 

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